Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)
Almirante da Anvisa reage ao fascismo no Planalto
Ambiguidade e covardia marcam embate entre agência sanitária e presidente
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Jair Bolsonaro não dá trégua no front da Covid-19. Toma agora crianças como reféns, em sua cruzada de ambiguidade e covardia.
Os dois substantivos abstratos não são juízos de valor, mas descrições objetivas das marcas do neofascismo. Devo-as a Márcia Sá Cavalcante Schuback e Nuno Ramos, lidas nas páginas do livro "O Fascismo da Ambiguidade", lançado pela filósofa na Editora UFRJ.
Ambiguidade é o nome do meio de Bolsonaro, Messias que hoje anuncia uma salvação e seu contrário amanhã, ou horas depois. Na última transmissão ao vivo de quinta-feira (16), voltou a atacar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Na alça de mira do capitão sempre está o sentido, ou a possibilidade de fazer sentido. Seu fogo de barragem verbal, sob pretexto de defender valores tradicionais, visa a destruição de todo e qualquer valor, por simples saturação. Empestear o espaço público é com ele.
O ataque contra a Anvisa não foi aberto, mas sibilino, como de hábito. Em oito páginas do comunicado da Anvisa autorizando vacinação de crianças entre 5 e 12 anos, cheias de evidências e referências científicas, Bolsonaro pinçou para ler a recomendação número 9, entre 19:
"[...] que os pais ou responsáveis sejam orientados a procurar o médico se a criança apresentar dores repentinas no peito, falta de ar ou palpitações após a aplicação da vacina".
A linguagem corporal dizia, sem a hombridade de semear suspeita com palavras: a vacina pode causar efeitos adversos nas crianças. O que era alerta necessário para eventos raros em qualquer imunização se torna, no discurso presidencial malevolente, um balde de gasolina sobre a fogueira antivacina.
"Mais do que de falsidade, a mentira fascista é um caso de covardia", já escreveu Nuno Ramos nesta Folha, palavras resgatadas por Schuback.
O cúmulo da pusilanimidade foi atiçar fanáticos contra a diretoria da Anvisa. O presidente pediu ao vivo, na noite de quinta, que fosse informado, "extraoficialmente" (?), dos nomes daqueles que haviam aprovado a inclusão de menores no público alvo da vacinação, para divulgá-los aos pais.
Desde as 11:34 do mesmo dia, contudo, o comunicado da Anvisa estava disponível no domínio do próprio governo federal. Assinado, obviamente, por diretores da agência: Meiruze Sousa Freitas, Cristiane Rose Jourdan Gomes, Alex Machado Campos, Romison Rodrigues Mota e Antonio Barra Torres (presidente).
Nomes e sobrenomes são públicos, como mandam princípios de transparência e responsabilidade, mas Bolsonaro os trata como se não fossem. Insinuação e sugestão, eis as armas retóricas do tribuno simplório e mal intencionado, tão autênticas quanto as pistolas armadas com os dedos que ensinou o Brasil a macaquear.
Intrigante é o caso do contra-almirante Barra Torres. Médico e já presidente da Anvisa, participou em março de 2020 de aglomeração do presidente —ambos sem máscaras— com apoiadores em Brasília. Depois fez autocrítica, e agora publica nota oficial associando fala do presidente com ameaças de morte a sua diretoria.
Como pode não ter enxergado que chegaria a tanto? Bolsonaro nunca escondeu a índole fascista em três décadas de discursos no Congresso, depois de varrido da caserna. Perfilar-se com o mau militar que elogia torturador em plenário, ou votar nele, é irmanar-se com ambos —não houve ambiguidade aí.
A explicação possível está no diagnóstico que o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini fez da dubiedade constitutiva do Brasil, como relembra Schuback: "É por puro acaso que um brasileiro é fascista e um outro subversivo, e que aquele que arranca os olhos pode ser tomado por aquele a quem se arrancam os olhos".
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