É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.
Caos republicano faz Câmara dos EUA estrear sua versão de pornochanchada
Surpreender-se com o quebra-quebra intencional da franja trumpista é negar a realidade
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Não há mulheres se despindo, trocadilhos sexuais nem meninas virgens assediadas por cafajestes. Mas há fartura de pornografia política e farsa, temperada com diálogos crassos. Bem-vindos à zorra total em que se transformou a Câmara dos Representantes americana sob tênue controle do Partido Republicano.
O fiasco em curso na eleição para presidente da Casa, a segunda pessoa na linha de sucessão dos EUA —sem precedentes nos últimos cem anos— paralisa os trabalhos e impede a posse dos deputados eleitos em novembro. É natural o choque de quem acompanha do exterior, mas também é negação da realidade se surpreender com o quebra-quebra intencional da franja trumpista, isto é, o grupo mais radical entre os que apoiam o ex-presidente.
Não importa o desfecho do impasse para a escolha de um líder que possa dar início ao ano legislativo, não importa quem seja convocado para o papel; o cargo já foi desfigurado por uma série de concessões feitas pelo candidato à frente, deputado Kevin McCarthy, e não vai concentrar o poder exercido pela formidável democrata Nancy Pelosi —que perdeu a presidência com a captura da maioria pelos republicanos, mas continua deputada.
Negociar com nariz tapado é a rotina na política, como mostra a revelação no Brasil de que a escolhida para ministra do Turismo e chefe de Marcelo Freixo, o bravo investigador das milícias cariocas, é fan girl de miliciano assassino. Mas uma coisa é negociar com o diabo; o belzebu tem cacife. Outra é vender a alma a Donald Trump, como fez McCarthy. Perguntem ao decrépito patriarca esnobado pelo black tie de Mar-a-Lago, solitariamente mergulhado sobre o frango frito da rede KFC em Orlando, no Ano-Novo.
Apesar de o termo "troll" ter sido associado recentemente aos trumpanaros do norte e do sul, ele tem origem mais antiga —tanto no vernáculo inglês quanto na história da direita americana. "To troll" era usado, no século 14, para "andar a esmo em busca de caça". A performance de agentes do caos que marcou a emergência autocrática recente, em Washington e Brasília, aparecia na linhagem republicana antes de Trump descer a escada rolante para anunciar sua candidatura, em junho de 2015.
Para a direita americana, trolar e coçar, é só começar. Ninguém menos do que o estofado futuro ícone do movimento conservador, William F. Buckley, se fantasiou de boêmio, aos 21 anos, para trolar um pré-candidato progressista, na eleição de 1948, vencida pelo democrata Harry Truman. Buckley portava um cartaz que dizia: "Vamos provar que queremos paz e entregar a bomba atômica para a Rússia".
Nos anos 1960, em meio ao movimento de direitos civis e à luta contra a segregação, racistas republicanos de Louisiana ofereciam recompensas em dinheiro para prisioneiros negros embarcarem em ônibus e fixarem residência no norte abolicionista que saiu vitorioso na Guerra Civil.
As palhaçadas atuais da ínfima minoria ubertrumpista que vai manter a Câmara refém nos próximos dois anos são apenas niilismo em esteroides. A diferença entre conservadores inspirados pelo troll Buckley e o culto de Trump é que a safra atual não tem plano para governar ou agenda política formal, a não ser tocar fogo no circo.
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