Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte
(Mau) sinal dos tempos
Fechou o museu que celebrava a liberdade de imprensa, de onde foi difícil sair
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Eu não estive em Nova York no dia 11 de setembro de 2001, quando do ataque às torres gêmeas que praticamente mudou o perfil do planeta.
Mas, mesmo não tendo testemunhado in loco o terrível evento, eu vi um de seus fragmentos físicos, uma estrutura de metal de um dos edifícios, retorcida como se gritasse em desespero, uma expressão visual do horror por que passaram milhares de pessoas.
Eu vi essa evidência pungente e terrível em Washington D.C., a capital dos Estados Unidos. Dentro de um museu maravilhoso, uma obra do nosso tempo, o Newseum (museu da imprensa), que, li recentemente, fechou em 31 de dezembro último —o que não deixa de ser outro sintoma do nosso tempo.
Esse museu ficava, há pouco mais de dez anos, num ponto nevrálgico da cidade, entre o Capitólio (Congresso) e a Casa Branca. Ele na verdade existia desde 1997, mas ficava sediado em Rosslyn, no vizinho estado da Virgínia. Seu mantenedor era uma organização sem fins lucrativos chamada The Freedom Forum (fórum da liberdade).
Foi ela que construiu o edifício de aço e vidro desenhado pelo arquiteto James Polshek para sediar o museu na capital americana, onde se instalou em 2008. Seu objetivo: celebrar a profissão e a liberdade de informação.
Sou do tipo de visitante que se conforma desde o início da visita com a impossibilidade de dominar um museu.
Eles (ou, pelo menos, os melhores deles) são infinitos em sua abrangência, em seu propósito; costumam também ser gigantescos, inabordáveis até por uma questão de tempo.
E se tempo disponível não for um problema, sempre há o fato de que uma imensa parte do acervo simplesmente não está exposta, está guardada numa reserva técnica a salvo dos olhares curiosos.
Sendo assim, sempre entro num museu com certo sentido de abnegação, sabendo que verei apenas o possível, e tentando aproveitar ao máximo aquele mínimo que conseguirei visitar.
Mas, talvez por militar há tanto tempo nessa profissão, o fato é que o Newseum foi um dos museus de onde foi mais difícil sair.
A visita era relativamente rápida, um jogo da seleção brasileira num telão ajudava a distrair a atenção, e mesmo assim era difícil desgrudar os olhos de tanta informação interessante e relevante e passar para a galeria seguinte.
A parte mais pitoresca eram os painéis em que se podia consultar páginas de jornal de todo o mundo, ou o “estúdio” onde o público podia brincar de âncora de telejornal.
A parte mais dramática era a da cobertura do 11 de Setembro. Mas por todo o edifício sucediam-se informações históricas e atuais sobre as glórias —e também sobre fracassos— da profissão.
Já em sua inauguração, como recorda seu site, exibia pedaços do Muro de Berlim, uma galeria de fotografias vencedoras do Prêmio Pulitzer (maravilhosa) e outra da história das notícias (de tirar o fôlego, uma aula), com amostras de 500 anos de história impressa.
Mas, nos Estados Unidos, os detentores do poder decretaram (assim como seus mascotes no poder no Brasil) que a imprensa é inimiga.
Aos ataques e manipulações dos governos se somam as mudanças nos padrões de consumo de notícias trazidos pela tecnologia da informação, e a cegueira e oportunismo de anunciantes. Tudo conspira contra a imprensa.
“O futuro do Newseum é incerto”, disse sua porta-voz, Sonya Gavankar, à agência AFP.
“Levaremos pelo menos seis meses para desmontar as exposições e transferi-las para nossas instalações de arquivo. Uma vez concluído esse processo, começaremos a ver o que o futuro nos reserva.”
O imponente edifício que sediava o museu foi construído ao custo de US$ 480 milhões, quando inaugurado há pouco mais de dez anos.
Agora, a estrutura foi vendida à Universidade Johns Hopkins por US$ 372 milhões, uma enorme desvalorização.
Até o preço do edifício ganha um certo simbolismo, mostrando que nos Estados Unidos, como no mundo, a imprensa sob ataque tem que enfrentar o desafio de manter o reconhecimento do seu valor.
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