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Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Ministros do STF acham oportuno vexame em Lisbon depois de Nova York

Integrantes da corte participam em Portugal de evento com participantes e patrocinadores brasileiros

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O encontro acontece em Portugal nos dias 3 e 4 de fevereiro. Com participantes e patrocinadores brasileiros. Os palestrantes vão de autoridades públicas a figuras da elite empresarial e financeira. A língua falada é a portuguesa, mas o nome é "Lide Brazil Conference Lisbon". Afinal, o "manager" é João Doria, "host" contumaz dessas "enterprises" de lobby festivo no "Ritz Four Seasons". Haverá "mais de 120 empresários".

Se não tivesse legalidade e moralidade tão duvidosa, evento acintoso assim já pagaria tributo à cafonice e ao mau gosto. Desperta para a crônica política questões éticas, jurídicas, sociológicas, estéticas. Sem contar o alimento para a galhofa.

Talvez o Lide devesse passar por choque de "compliance" e adotar regras que respeitassem princípios republicanos. Talvez o país devesse regular o lobby e iluminar o escurinho juspornográfico dessas "conferences". Talvez alguém devesse avisar que divulgar Michel Temer como "open speaker" já não pega bem. E que o correto em inglês é "opening speaker" ("open speaker" é uma caixa de som, que não metaforiza bem o personagem).

Mas vou insistir na questão que mais importuna à vista cansada: nada menos que quatro ministros do STF, um terço da corte, aceitaram participar do "meeting" privado depois do vexame a que voluntariamente se submeteram no "Lide Brazil Conference New York". Lá, junto de familiares, foram acossados por bolsonaristas nas ruas. Não mereciam, mas sabiam.

O ministro Luís Roberto Barroso é hostilizado por bolsonaristas em NY em novembro - Reprodução

Foram convidados agora para falar de "institucionalidade e cooperação".

Começando pela "institucionalidade": sua presença em Lisboa e Nova York, além das palestras e reuniões corriqueiras com agentes econômicos e políticos interessados no STF, é das coisas mais anti-institucionais que podem fazer. Não se engane quando Gilmar Mendes reclama da "desinstitucionalização". Tem sido o maestro do fenômeno nos últimos dez anos (sua empresa também adotou Lisboa para cochichos políticos de além-mar).

Terminando pela "cooperação": ministros do STF devem cooperar com a agenda constitucional brasileira e suas urgências, como a indígena, a ambiental, a armamentista, a criminal, a do desencarceramento, a da pobreza, a da discriminação, a da regulação econômica. A demora arbitrária do STF causa grave sofrimento humano. Não há critério moralmente ou juridicamente superior a esse para definir prioridades de agenda.

Apontei seis impropriedades dessa conduta em coluna publicada às vésperas do encontro nova-iorquino de dois meses atrás. Surgiram outras. Veio o atentado de 8 de janeiro. Veio a tardia descoberta do genocídio yanomami, ao qual o STF tem contas a prestar diante de sua leniência com as Forças Armadas. Veio o acirramento das relações institucionais com militares e a cada vez mais delicada legitimidade que o tribunal administra.

A Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski pareceu apropriado dizer sim ao convite. De novo. Professores de prestigiosas universidades do país, como USP, Uerj e UnB, os quatro poderiam priorizar seminários arejados em universidades do mundo. Mas reputação acadêmica não lhes apetece. Acharam justificável o papel de "cheerleaders" do interesse privado nesse grande "role-play" colonial.

Os patrocinadores combinam agentes do setor financeiro, como Azimut Investments, Bradesco, Febraban e Capitual (banco digital), além da Invest.Rio (agência de atração de investimentos da prefeitura do Rio), da Cedae (empresa de saneamento do RJ), a EDP (empresa elétrica), a Eletra (transporte elétrico), "Estre - lixo é só o começo" (empresa de limpeza), e a Paper Excellence (celulose).

Nessa Disneylândia do patrimonialismo magistocrático, sem "accountability", terão comensais da altura de Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro e inundado de acusações de corrupção e envolvimento com milícia (modelo de governança com moderna institucionalidade).

O que ministros fazem como pessoas privadas não nos interessa, em princípio. O que fazem como juízes do STF é de interesse público e preocupação geral. Por isso, o Brasil quer saber e se planejar: a Lide Conference do próximo semestre será onde? Em Tuscany, Zanzibar ou Jersey Islands?

Rosa Weber, nesse meio tempo, dignamente cumpriu a promessa de remontar um plenário derrubado pelo terrorismo bolsonarista e abriu o ano judicial de 2023. Exemplo de discrição e atenta à falta de noção de seus pares, não foi a Nova York. Não vai a Lisbon.

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