COP28 tem número recorde de lobistas dos combustíveis fósseis

Levantamento de ONGs aponta 2.456 nomes, três vezes mais do que em 2022; Brasil tem 54 inscritos do setor

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Dubai

A COP28, conferência do clima da ONU, que acontece em Dubai até o próximo dia 12, tem 2.456 participantes ligados ao setor de combustíveis fósseis, responsável por 75% das emissões de gases causadores do aquecimento global.

O número é um recorde na história da conferência, de acordo com dados da Corporate Accountability, junto à coalizão Kick Big Polluters Out.

A rede de ONGs confere os crachás dos participantes da COP anualmente. No ano passado, o setor levou 636 representantes para o Egito, durante a COP27, o recorde até então —número que é um quarto do da edição atual. Já em 2021, na Escócia, foram 503 os representantes das indústrias do carvão, petróleo e gás pelos corredores da COP26.

Ao todo, a COP28 recebeu inscrições de 97 mil nomes na lista oficial da ONU. O número exato de pessoas presentes, no entanto, ainda não foi divulgado pela organização, que, antes do evento, esperava um público de aproximadamente 70 mil.

O número de 2.456 lobistas dos fósseis neste ano supera a soma das delegações dos dez países mais vulneráveis ao clima, que trouxeram juntos 1.509 negociadores. São eles: Somália (366 negociadores), Chade (554), Níger (135), Guiné-Bissau (43), Micronésia (26), Tonga (79), Eritreia (7), Sudão (46), Libéria (197), Ilhas Salomão (56).

O lobby também equivale a sete delegações de organizações indígenas de todo o mundo que, somadas, trouxeram 316 representantes à conferência.

Boa parte dos lobistas andam com o crachá de delegação de algum país, o que lhes confere acesso às salas de negociação da COP.

Pessoas carregam faixa com a mensagem em inglês 'make polluters pay'
Protesto contra combustíveis fósseis na COP28, em Dubai, nesta terça (5); ativistas carregaram faixa dizendo 'faça os poluidores pagarem' - Thomas Mukoya/Reuters

"A França trouxe gigantes dos combustíveis fósseis como a Total Energies e a EDF como parte da sua delegação nacional, a Itália trouxe uma equipe de representantes da ENI, e a União Europeia trouxe funcionários da BP, ENI e ExxonMobil", cita a análise dos dados.

O Brasil também abriga lobistas na sua delegação —a maior da COP28, como contabilizou a Folha. Das 1.337 pessoas credenciadas pela delegação oficial, 54 representam empresas ligadas ao setor fóssil.

O levantamento das ONGs mostra ainda que outras 13 credenciais de lobistas foram cedidas pelo CEBDS, o Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável, em um total de 67 lobistas dos combustíveis fósseis ligados ao país.

A delegação brasileira tem dez funcionários da Petrobras, incluindo o presidente da empresa, Jean Paul Prates. Deles, apenas dois se dedicam aos temas de transição energética e descarbonização.

O Brasil ainda cedeu crachás da delegação oficial a seis executivos da Braskem e outras empresas do setor, como Eneva, AES, Basf, Cosan, Acelen, Urca Energia e até mesmo a um executivo ligado à petroleira estatal dos Emirados Árabes, a Adnoc (Abu Dhabi National Oil Company), segundo os registros.

O número de lobistas das empresas brasileiras pode ser ainda maior, segundo os organizadores, já que parte deles pode estar na conferência sob a credencial de coalizões internacionais, como a World Business Council on Sustainable Development.

"O Brasil é representado por delegação ampla na COP28, que inclui integrantes dos governos federal, estaduais e municipais, além de membros da sociedade civil, do setor empresarial e da academia. Os governo federal cobre apenas gastos de participação de representantes da administração pública federal, que podem ser consultados no portal da transparência", disse, em nota, o Itamaraty, na última semana, ao comentar o tamanho da delegação deste ano.

Sob a presidência do chefe da petroleira Adnoc, Sultan al-Jaber, a COP28 recebeu críticas ao longo de todo o ano sobre o aumento da exposição da conferência ao lobby da indústria, que atua para frear os avanços dos acordos climáticos.

Em reação, a Convenção-Quadro do Clima da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês) passou a incluir no credenciamento dos participantes um novo campo para preenchimento do nome da organização para a qual trabalham, para além do nome da organização pela qual se credenciam.

A transparência, de fato, aumentou. Segundo os pesquisadores, foi mais fácil identificar a relação dos participantes com empresas de combustíveis fósseis, o que também pode ter permitido à pesquisa desta edição encontrar um número mais alto de lobistas na conferência.

As edições anteriores, segundo os organizadores da coalizão Kick Big Polluters Out, pode ter chegado apenas à ponta do iceberg.

Outras razões apontadas pela coalizão para um número mais alto de lobistas na COP28 em relação às edições anteriores é o fato de constarem na agenda de negociação dois itens contrários aos interesses da indústria: a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e a regulação de um mercado de carbono no âmbito do Acordo de Paris.

Entre as associações que abrigam lobistas, a maior é Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA), que traz a Dubai representantes de empresas como Shell, Total Energies e Equinor. No total, são 116 lobistas sob o crachá da organização.

A IETA reúne empresas que defendem o mercado voluntário de carbono, através do qual grandes poluidores podem compensar suas emissões comprando créditos de projetos que absorvem ou evitam emissões.

A regulamentação desse comércio entre os países dentro do Acordo de Paris é o item que ficou pendente por mais tempo de regulamentação —e ainda tem questões a serem resolvidas. Segundo negociadores que se dedicam à agenda, o lobby do mercado voluntário, ligado às grandes poluidoras, atua para frear a agenda.

Sem regulamentação nem controle dos países sobre o comércio de emissões de carbono, as empresas do setor de combustíveis fósseis encontram maior facilidade e menor custo para compensar suas emissões —realizando o sonho do "carbono zero".

Para listar as empresas do setor de combustíveis fósseis por trás das credenciais que saem em nome de países, associações e fundações, os pesquisadores cruzaram os dados dos participantes da COP28 com outras planilhas em que constam nomes de representantes do setor.

"Todas as nossas decisões de classificar um delegado como lobista dos combustíveis fósseis foram justificadas utilizando fontes abertas que são facilmente verificáveis, incluindo os websites de empresas e grupos comerciais, registros de lobby e reportagens de meios de comunicação social confiáveis", diz a análise.


Lobistas dos combustíveis fósseis superam delegações de países na COP28

Compare o número de representantes

Executivos de petróleo, gás e carvão: 2.456

10 países mais vulneráveis ao clima: 1.509

Indígenas: 316

Delegação oficial brasileira: 1.337

Executivos de petróleo, gás e carvão dentro da delegação oficial do Brasil: 54

Fonte: Corporate Accountability/Kick Big Polluters Out

A repórter Ana Carolina Amaral viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews.

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