O anúncio de que o Brasil vai aderir à Opep+ —o grupo de países aliados à Organização dos Países Exportadores do Petróleo (Opep)— provocou reações distintas em dois ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que participam da conferência do clima da ONU (COP28).
Na quinta-feira (30), a Opep divulgou que o Brasil pretende aderir à carta da entidade em janeiro de 2024, depois de uma participação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em uma videoconferência da entidade.
Em Dubai, nesta sexta-feira (1º), Lula não falou publicamente sobre o assunto. Mas os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, manifestaram posições diferentes sobre o assunto.
Haddad disse não saber se o Brasil vai mesmo aderir à Opep+ e sugeriu que a decisão pode não ter sido tomada em definitivo ainda.
"Eu não conheço os termos do convite. O Brasil vai ter até junho para decidir", disse o ministro à imprensa após um evento em que lançou um plano de investimentos em energia verde.
"Eu acredito que a indústria do petróleo tem que ser a primeira a investir em descarbonização. Ela é uma das grandes responsáveis pelo problema que estamos enfrentando. Nada como as empresas do setor, como a Petrobras está fazendo, de investirem cada vez mais recursos na descarbonização e investimento pesado em pesquisa e produção de energia limpa."
Haddad afirmou que o problema do aquecimento global causado por combustíveis fósseis "existe, ninguém está negando".
Já a ministra Marina Silva afirmou que a adesão do Brasil à Opep+ significa que o país poderá usar esse espaço para defender matrizes mais limpas de energia.
"Em primeiro lugar, o Brasil não vai participar da Opep. Vai participar como observador, inclusive para usufruir daquilo que são os debates e os aportes tecnológicos", disse Marina, ao lado de Haddad em Dubai.
"O Brasil pode ter uma matriz energética 100% limpa e ajudar o mundo a que também faça sua transição energética com hidrogênio verde. Obviamente que os países que são produtores de petróleo terão que entender exatamente isso que o ministro acaba de dizer."
Ela disse que não é uma contradição o Brasil estar na Opep+ e defender a redução do uso dos combustíveis fósseis.
'Ritmo lento'
"Se for para levar o debate da economia verde, da necessidade de descarbonizar o planeta, não [é uma contradição o Brasil entrar na Opep+]. É exatamente para levar o debate que precisa ser enfrentado no âmbito daqueles espaços que são os grandes produtores de combustível fóssil, que é o grande responsável pelo aquecimento do planeta", disse a ministra.
"Todo mundo sabe que o grande problema da humanidade é enfrentar o problema dos combustíveis fósseis. O Brasil não pode ser colocado no lugar do problema, ele é parte da solução."
Tanto Lula quando o ministro de Minas e Energia não tocaram no assunto nesta sexta-feira.
No começo da tarde, poucas horas depois da divulgação da nota da Opep+ falando sobre a adesão do Brasil, Lula fez seu primeiro discurso na sessão de líderes de alto nível da ONU sobre mudanças climáticas.
"É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa", disse Lula no seu discurso em Dubai.
"Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?"
A decisão do Brasil de aderir a um grupo de grandes produtores de petróleo surpreendeu muitos ativistas que participam da COP28 em Dubai.
A conferência do clima da ONU é o principal foro global para se discutir as mudanças climáticas - e cientistas dizem que o planeta está se aquecendo em um ritmo muito mais acelerado do que o previsto originalmente.
O Brasil chegou ao encontro com a ambição de se tornar um dos líderes globais no combate ao aquecimento global - e um dos problemas apontados por cientistas é justamente a queima de combustíveis fósseis em larga escala.
Mas na reunião feita por vídeo com ministros da Opep+ na quinta-feira (30), o ministro de Minas e Energia de Lula faz elogios à Opep+ por gerar "benefícios aos países produtores de petróleo" e também aos consumidores de combustíveis fósseis.
"O acordo da Opep+ tem efetivamente preservado a estabilidade dos mercados de petróleo e energia. Essa estabilidade traz consigo benefícios não só a países produtores de petróleo mas também —e principalmente— aos consumidores, refletindo diretamente na economia global", disse Silveira.
"Eu gostaria de concluir minhas palavras informando que o excelentíssimo presidente Lula confirmou a nossa carta de cooperação da Opep+ a partir de janeiro de 2024. Este é um momento histórico para o Brasil e a indústria energética, abrindo um novo capítulo de diálogo e cooperação internacional no campo de energia."
A Opep existe desde 1960. A entidade negocia em conjunto cortes ou aumentos de produção que movimentam os preços internacionais.
Nos anos 1970, esses cortes geraram crises econômicas internacionais - que afetaram fortemente países industrializados, como os Estados Unidos.
A entidade à qual o Brasil pode aderir se chama Opep+ e foi formada em 2016. Os países da Opep+ podem concordar de forma voluntária a fazer cortes de produção - mas não são obrigados a fazê-lo.
homem andando em frente a logo
Reféns do Hamas e Mercosul
Lula teve uma agenda movimentada em Dubai —mas com muitos compromissos bilaterais não relacionados necessariamente ao tema do meio ambiente.
O presidente se reuniu com o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Van Der Leyen, com o presidente de Israel, Isaac Herzog, e com o presidente da Espanha, Pedro Sánchez.
O ministério das Relações Exteriores disse que Lula conversou com Sánchez e com Van Der Leyen sobre o acordo Mercosul-União Europeia.
O Itamaraty disse que Lula e Van Der Leyen comentaram que houve "avanços significativos nas reuniões entre as equipes técnicas dos dois lados, em particular após a última ligação telefônica entre ambos. Comprometeram-se a dar continuidade às negociações até a próxima cúpula do Mercosul e trocaram impressões sobre o conflito no Oriente Médio".
Autoridades brasileiras e europeias têm manifestado pressa em assinar ainda neste mies o acordo que foi negociado há anos, antes que o novo presidente da Argentina, Javier Milei, tome posse, já que o argentino se opõe ao Mercosul.
Com o presidente Israel, Lula conversou sobre a situação dos reféns do Hamas - mas não foram dados maiores detalhes sobre o diálogo.
No encontro de Lula com Guterres, foi discutido o papel do Brasil na presidência do G20 e como a ONU pode ajudar neste processo.
Eles discutiram também o papel das instituições de governança global. Lula ressaltou importância de reforma do ONU, em especial do Conselho de Segurança - uma reivindicação histórica do Brasil.
Encontros com o premiê britânico Rishi Sunak e com o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali —que estavam inicialmente na agenda de Lula— não aconteceram.
Este texto foi publicado originalmente aqui.
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