Ondas da Califórnia estão ficando maiores com mudanças climáticas, mostra estudo

Altura e frequência de ondas grandes vêm crescendo na região desde os anos 1970

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Livia Albeck-Ripa
The New York Times

No início deste ano a Califórnia foi fustigada por tempestades fortes, com ondas enormes que danificaram a infraestrutura e obrigaram pessoas a manter distância do litoral. Segundo um estudo publicado este mês, essa situação pode se tornar a nova normalidade, porque a mudança climática alimenta o mau tempo que está deixando as ondas maiores.

Publicado no Journal of Geophysical Research: Oceans, o estudo utiliza quase um século de dados sísmicos para mostrar que a altura média das ondas no inverno e a frequência de ondas grandes vêm aumentando significativamente na costa californiana desde os anos 1970.

Nas últimas décadas o número de ondas com mais de cinco metros de altura mais que dobrou, segundo o artigo, que mostrou que também a Aleutian Low, uma área de pressão baixa sobre as ilhas Aleutas, no sudoeste do Alasca, também se intensificou, provavelmente resultando em mais tempestades.

Ondas grandes em um dia nublado
Ondas de grande porte na praia de Newport, na Califórnia, após a tempestade Hilary, em agosto de 2023 - Xinhua - 20.ago.2023

As descobertas vêm somar-se a um conjunto crescente de estudos que vinculam a mudança climática a fenômenos meteorológicos extremos, incluindo as tempestades que geram ondas colossais.

"Se as tempestades aumentam de intensidade, temos ventos mais fortes, e os ventos mais fortes criam ondas maiores", explicou Peter D. Bromirski, autor do artigo e oceanógrafo da Universidade da Califórnia em San Diego.

Para determinar a altura das ondas, Bromirski analisou 90 anos de registros sísmicos arquivados em um laboratório da Universidade da Califórnia em Berkeley que monitora a atividade de terremotos.

Ondas oceânicas podem gerar sinais, não muito diferentes dos sinais de terremotos, quando duas ondas colidem quando se movimentam em direções opostas (uma se aproximando da costa e outra se afastando). Essa colisão transmite um sinal ao leito do mar, gerando ondas sísmicas que podem ser detectadas por sismógrafos —os mesmos instrumentos usados para monitorar terremotos.

Na década de 1980, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês) instalou boias que podem determinar a altura de ondas usando um acelerômetro, que mede o movimento para cima e para baixo de uma boia. Mas esses registros não começaram cedo o bastante.

Segundo Bromirski, entender os efeitos da mudança climática requer várias décadas de informação, incluindo os dados anteriores à década de 1970, quando o mundo começou a esquentar.

Os registros revelaram "um aumento significativo tanto na altura média das ondas no inverno quanto no número de eventos com ondas grandes e fortes", ele disse, destacando também que as fases extensas de calmaria entre atividade de ondas fortes no inverno também desapareceram em grande parte.

Embora a metodologia utilizada seja singular, o estudo não é o primeiro a medir o efeito da mudança climática sobre as ondas oceânicas.

Em 2014 pesquisadores canadenses usaram a pressão do nível do mar para traçar modelos de alturas de ondas futuras, concluindo que a frequência de ocorrência de ondas extremas poderia duplicar ou triplicar em várias regiões costeiras do mundo.

Um estudo de 2019 feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Santa Cruz concluiu que o aumento da temperatura da superfície do mar está influenciando os padrões globais de vento e fortalecendo ondas. Outro estudo de 2019 indiciou que emissões altas de gases podem criar as condições para ondas maiores.

Alguns cientistas não envolvidos no estudo mais recente disseram que, embora as ligações entre mudança climática e elevação do nível do mar tenham sido bem estabelecidas, o artigo de Bromirski soma-se às pesquisas mostrando que também ondas podem contribuir para o agravamento de inundações, erosão e danos no litoral.

"O que isso mostra é que, além dos riscos de inundação serem amplificados pela elevação do nível do mar, também podem ser amplificados pelo fato de as ondas estarem crescendo", disse Patrick Barnard, geólogo pesquisador junto à U.S. Geological Survey.

"Esse é mais um fator que precisamos levar em conta quando planejamos criar comunidades resilientes diante da elevação do nível do mar e do aumento das ondas durante tempestades."

O professor de oceanografia Ian Young, da Universidade de Melbourne, na Austrália, disse que as conclusões de Bromirski condizem com pesquisas prévias que usaram dados de satélite dos anos 1980 para estudar a altura de ondas e ajudaram a mostrar que as mudanças já vinham ocorrendo havia mais tempo.

"É evidente que se trata de uma tendência de longo prazo", ele disse.

Essas mudanças se evidenciaram no início deste ano, quando a costa oeste dos EUA foi fustigada por um rio atmosférico após outro. O mau tempo deixou casas em Santa Cruz, Califórnia, danificadas por inundações e ventos.

Alguns meses mais tarde, um deslizamento de terra levou casas em um dos bairros mais ricos do condado de Los Angeles a desabar em um cânion. No caso das ondas, um dilúvio repentino é capaz de inundar áreas costeiras, destruir infraestrutura e contribuir para a erosão.

Mesmo surfistas profissionais se preocupam: para eles, ondas maiores nem sempre são melhores.

"Se as ondas são enormes, mas há tempestade e vento forte, os surfistas não vão conseguir pegar essas ondas", disse Tyler Fox, surfista de ondas grandes em Santa Cruz, falando de condições oceânicas que podem incluir muitas ondas pequenas que agitam a superfície da água.

Fox tem 42 anos e surfa há mais de três décadas. Ele disse que há alguns lugares onde não é mais possível entrar na água quando a maré está alta. Em outros lugares, falou, seções de penhasco caíram na água, criando novos perigos. Tempestades violentas também podem atirar destroços de árvores quebradas, casas e outras estruturas no mar, "basicamente, meu santuário, o lugar que eu amo", ele disse.

Tradução de Clara Allain

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