A Câmara dos Deputados rejeitou alterações feitas pelo Senado Federal e restabeleceu mudanças que enfraquecem a proteção à mata atlântica em uma MP (medida provisória) do governo de Jair Bolsonaro (PL) que trata de regularização ambiental.
Por 364 votos a 66, os deputados rejeitaram a decisão do Senado de excluir da medida provisória o trecho, acrescentado pela Câmara dos Deputados, que afrouxava as regras de proteção à mata atlântica. Agora, o texto vai para sanção presidencial.
As mudanças retomadas foram incluídas na proposta pelo relator na Câmara, deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), fiadora da bancada ruralista. Nesta quarta, ele retomou os dispositivos retirados pelos senadores.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apresentou uma questão de ordem criticando interpretação do relator. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no entanto, indeferiu o pedido.
"Em primeiro lugar, quem tem condição de dar admissibilidade a qualquer matéria sobre tema afim ou não é a mesa diretora da Casa onde ela tramita. A Câmara não pode interferir em matérias que o Senado vota para considerar como matéria estranha, e o Senado também não pode fazer isso em relação à Câmara", afirmou Lira.
"Isso já aconteceu ano passado, e nós refizemos o texto na Câmara. O Senado não tem essa base regimental de analisar a matéria."
Inicialmente, o projeto previa uma sexta rodada de anistia a propriedades rurais com desmatamento e também adiava a aplicação dos planos de reflorestamento. A emenda contemplada pelo relator na Câmara, que enfraquece a Lei da Mata Atlântica, não tinha a ver com o tema inicial.
A emenda abriu uma brecha na lei para a construção de linhas de transmissão de energia e dutos de gás dentro de áreas de preservação —pontos de interesse pelo menos parte do setor energético.
A medida, inclusive, teve apoio do Ministério de Minas e Energia e de parlamentares do União Brasil.
No Senado, o trecho sofreu resistência do governo, que conseguiu articular a derrubada junto ao presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Quando o texto voltou à Câmara, nesta terça, os deputados recolocaram o jabuti no projeto.
A MP flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração ao retirar exigência, prevista atualmente na lei, que isso só poderia ocorrer quando "inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto".
A medida também diz que a supressão do bioma dependerá "exclusivamente de autorização do órgão ambiental municipal competente" —excluindo a necessidade de um parecer técnico sobre a ação.
Nesta quarta, apenas a federação PSOL-Rede orientou contra a decisão de rejeitar as mudanças feitas pelo Senado. A federação que reúne PT, PC do B e PV liberou a bancada, e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) orientou a favor da rejeição.
Membros do Planalto afirmam, no entanto, que há um acordo, firmado antes de a MP ser votada pela primeira vez na Casa, e que o presidente Lula deverá vetar o trecho.
Em nota, o Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, repudiou a aprovação de emenda "que enfraquece a proteção à mata atlântica, como sonhara [o ex-ministro] Ricardo Salles".
"Só resta a Lula vetá-los [os jabutis]", afirma a entidade. "Arthur Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto."
Fernanda Melchionna fez duras críticas ao texto. "Colocou-se um jabuti gigante, enorme, que é a permissão de desmontar a Lei da Mata Atlântica. Essa lei de 2006 foi uma conquista fundamental para preservar o bioma mais desmatado do país", disse.
"Com esse jabuti, não se cumpriria a lei de preservação, seguindo a lógica de desmatamento, pois seria permitida a supressão de vegetação da Mata Atlântica em vários estágios. Além disso, o Brasil não cumpriria os acordos internacionais com os quais se comprometeu na Conferência do Clima", seguiu a psolista.
A medida provisória adia, pela sexta vez, o prazo para que proprietários rurais possam regularizar seus imóveis. Ou seja, permite que fazendeiros ganhem mais tempo para enquadrar suas propriedades às leis ambientais.
Com a medida, o prazo para inscrição de imóveis no CAR (Cadastro Ambiental Rural) passa para o fim de 2023 ou de 2024, a depender do tamanho dele.
Ao aderir ao CAR, o proprietário entra no chamado PRA, Programa de Regularização Ambiental, que prevê uma série de benefícios, mas também exige que seja colocado em prática um processo de reflorestamento de áreas desmatadas.
O prazo anterior para inscrição no cadastro era de 31 de dezembro de 2022. O cadastro, obrigatório a todo imóvel rural, serve para controlar e fiscalizar crimes ambientais cometidos nas propriedades e para elaborar políticas públicas relacionadas.
O adiamento, na prática, permite que proprietários adiem o início do reflorestamento e, portanto, possam explorar áreas de desmate irregular.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.