Crime ambiental e crime organizado andam juntos na Amazônia, diz pesquisador

Aiala Colares, coordenador de estudo sobre violência na região Norte, defende que a agenda de conservação da floresta seja também a de segurança pública

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Cristiane Fontes
Oxford

As alianças e as sobreposições do crime organizado com os crimes ambientais estão no centro dos estudos de Aiala Colares, professor e pesquisador da Uepa (Universidade Estadual do Pará). Ele coordenou de 2019 a 2021 uma pesquisa sobre o tema desenvolvida em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O trabalho destaca a interiorização das facções na região Norte e a chegada a territórios de comunidades tradicionais.

"Hoje temos no Pará, no Amazonas e nos outros estados a presença do Comando Vermelho, do Primeiro Comando da Capital [PCC] e o surgimento de facções locais e regionais que têm algum tipo de aliança com esses grupos do Sudeste", diz Colares, que é também militante do movimento quilombola e do movimento negro.

Homem com braços cruzados
O geógrafo Aiala Colares, professor da Universidade do Estado do Pará e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública - Divulgação

Como resultado desses fenômenos, o estudo, lançado em junho como parte do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado durante a COP27 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada no Egito em novembro), aponta também para o aumento desenfreado dos homicídios na Amazônia.

Segundo o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil apresentou, em 2021, queda de 6% nas mortes violentas, uma tendência observada desde 2018. A região Norte, porém, foi a única em que o índice cresceu —um aumento de 9%, atingindo taxa de 33,3 casos para cada 100 mil habitantes, contra 22,3 no país como um todo.

A taxa média de violência letal na região é 40,8% superior àquela verificada nos demais municípios brasileiros. Esse problema, diz Colares, é uma marca de cidades com alta taxa de desmatamento e com intensificação dos conflitos fundiários.

Em dezembro, em entrevista à Reuters, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso chegou a dizer que o Brasil corre o risco de perder a soberania da Amazônia para o crime organizado.

Para combater a criminalidade, os estados, como o Pará, têm muitas limitações, destaca Colares. Além disso, para uma abordagem mais eficaz, o trabalho precisa do envolvimento de todos os países que englobam a Amazônia.

"O combate a atividades criminosas, o fortalecimento das medidas ambientais e da fiscalização e a defesa dos povos da floresta são uma estratégia para preservar a natureza e garantir a segurança climática do planeta", destaca.

Na COP27, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o enfrentamento a crimes ambientais na Amazônia estará entre as suas prioridades no novo governo. Logo no começo da gestão, foi criada a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal, sob o comando de Humberto Freire.

Colares defende que a estratégia deveria passar também pela criação de uma secretaria específica para tratar da proteção de ativistas ambientais, além da demarcação dos territórios das comunidades tradicionais e da ação conjunta dos órgãos contra ilegalidades.

Quais foram os principais resultados do estudo "Cartografias das Violências na Região Amazônica", coordenado pelo senhor e desenvolvido em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública? A interiorização das facções do crime organizado na região Norte. Hoje temos no Pará, no Amazonas e nos outros estados a presença do Comando Vermelho, do Primeiro Comando da Capital [PCC] e o surgimento de facções locais e regionais que têm algum tipo de aliança com esses grupos do Sudeste.

Essas facções chegaram aos territórios indígenas e quilombolas. Segundo um relatório da organização Malungu [Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará], só no estado do Pará, 39 comunidades quilombolas denunciaram a presença de algum tipo de facção criminosa em seus territórios. Isso é um dado muito sério e preocupante.

Outro apontamento foi a dinâmica dos crimes ambientais totalmente relacionada com a presença de facções do crime organizado. A relação é direta, sobretudo no que diz respeito ao contrabando de madeira e ao garimpo ilegal.

Há ainda o aumento desenfreado da violência na região amazônica nas áreas que estão em disputa.

Como se dá a sobreposição da atuação das facções criminosas com a dos crimes ambientais? Desde os anos 1980, a Amazônia é uma área de trânsito para a cocaína de origem peruana, boliviana e colombiana, em direção à Europa e à África. Mas o Brasil deixou de ser apenas uma área de trânsito.

No início do século 21, o Brasil se tornou o segundo principal mercado consumidor de cocaína do mundo, ficando apenas atrás dos Estados Unidos. E qual é a relação disso com os crimes ambientais? Nos últimos anos, houve também uma fragilidade nas políticas institucionais voltadas para a proteção do meio ambiente, para o combate ao contrabando de madeira e, ao mesmo tempo, houve incentivo à expansão dos garimpos ilegais em terras indígenas.

Nos mesmos portos onde se encontra manganês contrabandeado, se encontra ouro explorado de forma ilícita e cocaína. São as mesmas rotas. O Porto de Vila do Conde [em Barcarena, no Pará] é o grande nó de uma rede que conecta essas várias modalidades de crime.

Também é possível identificar a presença de facções do narcotráfico junto com grupos ligados ao garimpo ilegal em municípios [do Pará] como Itaituba, Jacareacanga, Altamira. Ou, no estado do Amazonas, criminosos explorando ilicitamente a madeira utilizando a mesma rota e os mesmos portos de passagem de drogas.

Há redes que se conectam com mercados internacionais, certo? Perfeito. Quando a gente observa para onde está indo esse material, nós encontramos dados da Polícia Federal, da Polícia do estado do Pará e de órgãos de fiscalização que apreendem essa mercadoria e encontram como destino Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

Também descobrimos uma rota que sai daqui do Pará e vai em direção aos Estados Unidos, atravessando toda a América Central, para contrabando de madeira nesse caso.

Como a expansão dessas facções criminosas afeta territórios indígenas e comunidades tradicionais? Há uma vulnerabilidade social muito grande nessas comunidades. Há dificuldade de acesso à saúde pública, à educação pública, aos serviços públicos de maneira geral. São comunidades distantes, isoladas.

Elas se tornam extremamente vulneráveis porque nem sempre a segurança pública está presente. Em alguns casos, há a cooptação de jovens quilombolas, indígenas e ribeirinhos para fazerem parte dessas redes.

É uma questão que tem que ser observada com cuidado, para poder entender as formas de aliciamento que são utilizadas.

Como a pesquisa se desdobra agora? Temos que compreender a transnacionalização dessas várias modalidades de crimes, e de que forma agentes estrangeiros têm influência nesse tipo de criminalidade. Isso é um desafio porque a gente vai acabar encontrando agentes em países que dizem combater crimes ambientais.

Outro ponto é entender esse aumento da letalidade dos crimes. Nós queremos qualificar esse tipo de violência para poder compreender quais são os fatores motivadores dessa violência. Se são áreas de garimpo, de grilagem, de exploração ilegal de madeira, de expansão do agronegócio, de disputa de facções do crime organizado…

Nós queremos dar um direcionamento para a elaboração de políticas públicas, porque enquanto a média nacional [de homicídios] diminuiu, na Amazônia ela aumentou.

E, por fim, mas não menos importante, queremos compreender melhor essa presença das atividades ilegais nos garimpos da região. Não falo só da questão do ouro, também do manganês contrabandeado que sai daqui do Pará e da cassiterita contrabandeada que sai, por exemplo, de Roraima.

E como estão as cidades amazônicas neste momento em que a criminalidade se expressa mais nas áreas rurais? Há uma saída de membros das capitais —tanto Belém quanto Manaus são exemplos— em direção a essas áreas de garimpo, de grilagem. Eles fogem das investigações policiais ou então vão para articular outras atividades e surgem pequenas células que começam a se organizar.

O seu estado, o Pará, mantém índices elevados de desmatamento, é campeão da violência no campo, tem o maior número de garimpos ilegais da região, como o senhor mesmo escreveu em um artigo. Quais têm sido as respostas do governo do estado aos problemas ambientais e à atuação das facções criminosas? Em relação à segurança pública, os índices de violência na região metropolitana [de Belém] diminuíram significativamente. Todos os dados apontam para isso, inclusive os do Atlas da Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mas é preciso tentar enxergar alguns elementos que podem inclusive contribuir para essa redução, como a hegemonia de uma facção do narcotráfico que estabelece determinadas condutas, impedindo furtos e roubos.

Eu não consigo enxergar ainda uma política efetiva por parte do estado em relação ao combate à violência no campo. Por quê? Porque precisa fazer uma política de assentamento rural que nós não concretizamos, de titulação definitiva das terras quilombolas que são em áreas do estado, não da União, e uma política efetiva de combate aos crimes ambientais —eu também não vejo essa efetividade nesse serviço.

Na sua opinião quais seriam as medidas mais urgentes para ampliar a segurança dos ativistas ambientais na Amazônia? Seria necessário criar uma política de proteção que fosse efetiva, uma secretaria específica para tratar da proteção de ativistas ambientais e de lideranças comunitárias na região.

Muitas vezes essas lideranças ficam desprotegidas porque o estado não dá estrutura de trabalho para eles e até mesmo acaba criminalizando esses ativistas, como aconteceu recentemente com o Bruno [Pereira, indigenista assassinado em junho], por exemplo. O próprio governo federal o exonerou do cargo e negligenciou o relatório que ele havia produzido apontando uma série de problemas no Vale do Javari.

É preciso colocar a questão ambiental dentro da agenda de segurança pública. Hoje é como se o crime de tráfico de drogas fosse uma coisa e a exploração ilegal de madeira fosse outra. Não, temos que conectar essas atividades e entender que tudo faz parte de um tipo de organização que é criminosa.

O senhor diria que esse tema foi mais debatido nas últimas eleições? Eu já imaginava que a Amazônia seria um dos principais temas nas campanhas presidenciais dos candidatos, mas há necessidade de comprometimento.

O governo Bolsonaro não teve nenhum tipo de compromisso com a região. Alguns outros fazem discurso de que precisa criar então um plano estratégico de ação para a Amazônia. Mas como elaborar um plano de ação que possa diminuir o desmatamento, as queimadas, punir os culpados e proteger os povos da floresta?

Outra questão é entender que a Amazônia não é apenas brasileira, ela ultrapassa a fronteira e chega até as Guianas, até a Colômbia, até o Peru, até a Bolívia e são países que também enfrentam esses mesmos problemas. Então é preciso retomar essa cooperação interinstitucional e pensar de forma conjunta estratégias de enfrentamento ao crime.

Quais seriam suas principais sugestões para o novo governo? A primeira é pensar em estratégias de desenvolvimento de dentro para fora. Nós não vamos conseguir eliminar o agronegócio nem a mineração, mas é preciso considerar que eles não devem se expandir em territórios indígenas ou quilombolas.

É preciso consolidar a demarcação desses territórios tradicionais e envolver ribeirinhos, quilombolas e indígenas para pensar em alternativas de desenvolvimento a partir da biodiversidade. E criar uma política de proteção ambiental eficaz, com Ibama, ICMBio, Funai, Polícia Federal e outros órgãos e poderes atuando de forma conjunta, com mecanismos integrados.


Raio-X

Aiala Colares, 44
Geógrafo com doutorado em ciências do desenvolvimento socioambiental pela Universidade Federal do Pará. Nascido no quilombo de Menino Jesus de Petimandeua, em Inhangapi (PA), é militante do movimento quilombola e negro. É professor e pesquisador da Universidade do Estado do Pará, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros na instituição e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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