Pará é síntese de desafios e problemas da Amazônia

No estado, desmate avança em florestas não destinadas, assentamentos rurais e também áreas protegidas

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São Paulo

Uma área no Brasil pode ser considerada uma síntese dos principais problemas e desafios que afetam a Amazônia: explosão de desmatamento e queimadas, além de invasão e degradação de terras indígenas e unidades de conservação. É o Pará.

Desde 2006, o Pará lidera a lista de desmatamento na Amazônia, segundo dados do Prodes, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que anualmente aponta o tamanho do novo buraco de vegetação surgido na maior floresta tropical do mundo.

O estado também detém anualmente a maior fatia das queimadas no bioma, que já variou de 30% a até mais de 50% (em 2009).

A situação de derrubada de árvores explodiu desde o começo do governo Jair Bolsonaro (PL), saindo da casa de 2.000 km² desmatados para mais de 5.000 km².

Em primeiro plano, toras de árvore derrubadas; ao fundo, homem se equilibra sobre madeiras
Motorista de caminhão apreendido transportando madeira ilegal descarrega a carga em um depósito de Uruará, no Pará - Lalo de Almeida - 16.jul.2020/Folhapress

Os dados do Inpe também mostram que as terras indígenas do Pará, de forma geral, são as que mais sofrem com desmatamento. A líder é a Cachoeira Seca, perto do município de Altamira. A segunda colocada é a Apyterewa, às margens do rio Xingu, próxima a São Félix do Xingu.

O desmatamento e o gado presentes no Pará —é comum a ligação entre derrubada na Amazônia e pecuária— levam a altíssimas emissões de gases-estufa, ponto sensível em uma realidade em que o mundo tenta conter a crise climática. As duas cidades líderes do ranking de emissões no Brasil estão justamente no estado, as já citadas Altamira e São Félix do Xingu. Outras duas cidades paraenses (Pacajá e Novo Progresso) também estão no top 10.

Os números apontam para algumas áreas do Pará como as mais críticas de toda a Amazônia Legal. Esses locais são as margens da BR-163, da Transamazônica e a Terra do Meio (perto de Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso), segundo uma nota técnica do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), de fevereiro deste ano.

Paulo Barreto, cofundador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e pesquisador associado do projeto Amazônia 2030, destaca a pressão que será exercida sobre o oeste do Pará com a conclusão da BR-163 —há o mesmo temor de pesquisadores no caso da BR-319, cujo projeto de reconstrução entre Manaus e Porto Velho pode se tornar um vetor de desmatamento.

Além da rodovia, Barreto também aponta os consideráveis impactos ambientais associados a planos de construção de hidrelétricas na bacia do Tapajós.

Somam-se a esses riscos específicos, as características próprias do desmatamento no estado. O maior dos problemas enfrentados nos últimos anos é o desmatamento em terras públicas não destinadas. Os dados de 2020/2021 do Prodes, por exemplo, apontam cerca de 1.800 km² de desmate nesses locais, segundo análise do Ipam.

As florestas não destinadas são áreas públicas que pertencem à União ou a estados, mas que estão sem uso definido. Na Amazônia, como um todo, elas costumam ser alvo de grileiros.

No caso paraense, segundo Gabriela Savian, diretora-adjunta de políticas públicas do Ipam, mais da metade do desmate nas terras públicas do estado ocorre em florestas públicas federais. "Você tem um contexto de caos no ordenamento e governança fundiários", afirma.

De acordo com a especialista, porém, o Pará tem um processo estadual de regularização fundiária mais estruturado, mas, na esfera federal, a situação se complica, daí os números serem mais altos nessas áreas.

Sobre invasões em terras públicas, Barreto aponta ainda a necessidade de desintrusão, ou seja, de tirar grileiros e invasores de áreas ocupadas irregularmente.

As terras não destinadas, porém, não concentram sozinhas o desmate no Pará. A situação local também é complicada no caso dos assentamentos rurais, como os Projetos de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa e Divinópolis. Segundo o Ipam, eles necessitam de ações de comando e controle, e atuações estruturantes de assistência técnica e extensão rural.

O desmatamento no estado também tem elevada concentração recente em áreas protegidas. Os dados do Prodes de 2020/2021, apontam que 72% da derrubada de mata em áreas de proteção ocorreu no Pará.

"O Pará tem uma realidade muito mais complexa do que os outros estados. Lá a gente tem um contexto que mistura ilegalidade e criminalidade", afirma Savian.

Por isso, reforça Barreto, é necessário ir além das multas ambientais e associar diversos crimes nas operações policiais.

"A grilagem é uma coisa especulativa. O cara está apostando que vai dar certo. Se tiver grileiro começando a ser preso, eles abandonam essas áreas", diz Barreto.

A grilagem, contudo, ele lembra, é também estimulada por medidas que facilitam a posse de áreas invadidas. O próprio governo do Pará tomou atitudes que facilitam a regularização de terras griladas, segundo entidades de pesquisa e o Ministério Público Federal.

Em uma delas, o governo de Helder Barbalho (MDB) —candidato à reeleição que, segundo o Datafolha, pode ser eleito em primeiro turno— deu um desconto de cerca de 99% para regularização de invasores de terra pública, segundo um estudo do Imazon.

Além disso, o decreto estadual 1.684 de 2021 levou a subsídio no valor de R$ 6,7 bilhões para a privatização de terras públicas estaduais invadidas.

Apesar disso, há pontos positivos no horizonte paraense, segundo os especialistas ouvidos.

O governo do Pará colocou em ação, nos últimos anos, em parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), uma plataforma chamada Selo Verde, que permite uma maior rastreabilidade da cadeia produtiva da pecuária.

Savian, por sua vez, destaca o Plano Estadual Amazônia Agora, instituído em 2020 pelo governo do Pará. O plano centraliza ações contra mudanças climáticas e coloca como um dos objetivos para o estado alcançar a neutralidade de emissões de gases-estufa relativas à mudança de uso da terra e florestas (desmatamento) a partir de 2036.

Procurada pela Folha, a Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará) afirmou que 70% do território do estado têm jurisdição federal e que os outros 30% são de responsabilidade estadual.

A secretaria disse ainda que instituiu uma força-tarefa que, em cerca de dois anos, embargou mais 7.000 hectares de locais com atividades ilegais.

"A Semas reforça que o Pará foi o primeiro estado do país a construir a Estratégia Estadual de Bioeconomia e está em fase final para o lançamento do Plano Estadual de Bioeconomia, que busca transformar a economia do Pará em uma economia de carbono neutro", afirmou a secretaria.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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