Governo Bolsonaro abre edital para empresa privada monitorar Amazônia

Contratação ocorre após ataques ao Inpe sobre dados de desmatamento; instituto faz monitoramento semelhante

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São Paulo e Salvador

O Ibama publicou nesta quarta (21) no Diário Oficial o edital para contratação de empresa privada para fazer o monitoramento por satélite da Amazônia. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já realiza serviço semelhante e vem sendo publicamente criticado, sem justificativas científicas, pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).

O objetivo do edital é que a empresa apresente alertas diários, de alta resolução espacial, de indícios de desmatamento, monitoramento com alertas semelhante ao que já é feito pelo sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe.

Nos últimos meses, o Deter apontou disparada no desmatamento na Amazônia. A destruição em junho aumentou 90% e em julho, 278% —em comparação a junho e julho de 2018 respectivamente— , segundo os dados do Inpe.

O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente)
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) - Pedro Ladeira/Folhapress

A divulgação do aumento acentuado no desmate e a repercussão internacional do assunto desagradaram o presidente Bolsonaro. Em café da manhã com jornalistas estrangeiros, em 19 de julho, ao ser questionado sobre o assunto, o presidente afirmou que o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, poderia estar a “serviço de alguma ONG”. 

Galvão se defendeu das acusações e também fez a defesa dos dados produzidos pelo Inpe. Em 2 de agosto, o então diretor do instituto foi exonerado por Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia.

“A pretensão de aquisição de imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial justifica-se pela busca, por parte do Ibama, de uma solução viável e operacional para atuação mais eficiente, eficaz, efetiva e com maior celeridade na gestão das ações de fiscalização ambiental no combate ao desmatamento ilegal e exploração florestal seletiva ilegal na região Amazônica”, diz o edital.

O edital procura empresas especializadas em “imageamento diário por imagens orbitais ortorretificadas de alta resolução espacial para geração de alertas diários de indícios de desmatamento (revisita diária)”. 

O chamamento descreve exatamente o perfil das imagens produzidas pela empresa Planet. Segundo especialistas em monitoramento por satélite ouvidos pela Folha, ela seria a única empresa no mercado capaz de produzir imagens diárias do mesmo local. 

A distribuidora das imagens da Planet no Brasil é a consultoria Santiago e Cintra. Procurada pela Folha, a empresa não quis se manifestar. A página da empresa na internet confirma a descrição do serviço semelhante ao que consta no edital: imagens ortorretificadas, com 3 metros de resolução espacial e revisitação diária.   

​A Folha já havia apurado que o ministro queria contratar a Santiago & Cintra, que neste ano já esteve ao menos duas vezes no ministério para tratar do assunto. 

O ministro Ricardo Salles também já havia citado as imagens do sistema Planet em apresentação recente no Ministério do Meio Ambiente, quando procurou apresentar falhas no monitoramento do Inpe, o que gerou questionamento de especialistas, incluindo o ex-diretor do Inpe, que questionou em fala no canal GloboNews o fato de o ministro saber qual empresa será contratada. 

Galvão voltou a criticar a contratação de empresa para monitoramento do desmate na última sexta (16), durante palestra na USP. Segundo o ex-diretor do Inpe, Salles se irritou com ele após a participação de ambos no programa Painel, da GloboNews.

"Eu falei: 'Ministro, não se mede a distância Rio-SP com uma régua de 10 cm", disse Galvão. "A copa de uma árvore da Amazônia tem diâmetro de 15 m, 20 m. Para que eu preciso de uma resolução de 2 m para um alerta de desmatamento? Eu preciso de uma resolução de 2 m se eu quiser pagar muito mais para um sistema com maior resolução e maior quantidade de dados."

O documento também afirma que a contratação tem como objetivo permitir a atuação do Ibama no combate ao desmatamento ilegal na Amazônia “de forma preventiva ou, no mínimo, contemporânea, para que seja possível interromper a ação criminosa”. Ele também relata a necessidade de alertas diárias das áreas mais críticas da Amazônia  

O sistema Deter, do Inpe, teve início em 2004, durante a gestão da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, exatamente com o mesmo propósito. Desde então, no ano com menor desmatamento registrado —2012—, foi atingida redução de 84% na destruição. Com a volta do crescimento do desmate desde 2012, a redução ficou na casa dos 73% em 2018. O Ibama tem acesso direto ao sistema Deter e seus alertas diários.

Especialistas costumam associar a queda no desmate ao sistema de comando e controle do Ibama, apoiado pela operação do Deter do Inpe.

Na Amazônia, a Santiago e Cintra foi contratada pelo governo do Pará para fornecer imagens de 3 metros de resolução alertas e dados de desmatamento, por meio do Centro Integrado de Monitoramento Ambiental (Cimam).

O projeto foi iniciado em março de 2017 com a promessa de melhorar o combate ao desmatamento, mas o Pará continua sendo o estado mais problemático do país. 

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