O levantamento mais detalhado já feito sobre as flutuações do clima nos últimos 2.000 anos mostra que o aquecimento global causado pelos seres humanos recentemente é bem mais poderoso do que qualquer outro evento desse período. Nada chegou perto de afetar a Terra de modo tão generalizado quanto as mudanças atuais.
Se as conclusões do novo estudo estiverem corretas, cai por terra um dos últimos argumentos falaciosos usados por quem nega a existência ou a importância da ação humana sobre o clima. Tais negacionistas usavam a existência de fases importantes de clima anômalo nos últimos milênios para questionar o real impacto da queima de combustíveis fósseis sobre a temperatura média do planeta.
Afinal, se o rio Tâmisa, em Londres, podia ficar totalmente congelado no século 17, durante a chamada Pequena Era do Gelo, ou se os escandinavos conseguiram colonizar a Groenlândia por volta do ano 1000, no Período Quente Medieval, é sinal de que o vaivém natural das temperaturas seria muito mais poderoso do que o impacto do Homo sapiens, segundo esses autoproclamados “céticos do clima”.
O problema, porém, é que a Pequena Era do Gelo e outros períodos de clima esquisito dos últimos milênios foram, em geral, estabelecidos a partir de dados indiretos sobre temperatura, umidade etc., simplesmente porque não existiam termômetros ou pluviômetros na época.
No lugar de instrumentos relativamente confiáveis como os nossos, os paleoclimatologistas (estudiosos do clima do passado) precisam usar “proxies”, ou seja, medições de registros indiretos, como os anéis de crescimento que se formam no interior do tronco das árvores com o passar dos anos, estruturas equivalentes aos anéis em antigos corais, sedimentos tirados do fundo de lagos etc.
As características dos anéis de árvores e de outros “proxies” são influenciadas pelas mudanças do clima (num ano mais quente e úmido o anel de crescimento no tronco é mais largo do que num ano frio e seco, digamos). Mas é preciso interpretar o que elas significam exatamente. Além disso, tais registros podem ser influenciados por flutuações climáticas que são apenas regionais ou continentais, e não globais.
O novo estudo, liderado por Raphael Neukomm, da Universidade de Berna, na Suíça, buscou trazer mais clareza a essas dúvidas usando métodos estatísticos para analisar uma vasta gama de “proxies” do clima do passado. A principal conclusão da equipe, que acaba de ser publicada na revista científica Nature, deixa pouca margem para discussão: coisas como o Período Quente Medieval foram eventos regionais e variáveis ao longo do tempo, e não globais.
Considerando os momentos de máximo aquecimento ou resfriamento dessas fases anômalas, por exemplo, Neukomm e companhia perceberam que eles sempre coincidiam em menos da metade do planeta. No caso da Pequena Idade do Gelo, por exemplo, o pico de frio aconteceu no século 15 no Pacífico central e oriental, no século 17 no noroeste da Europa (o que explica o Tâmisa congelado) e no sudeste da América do Norte —e na metade do século 19 no resto do mundo.
A diferença em relação ao aquecimento do último século, em especial nas décadas finais do século 20, fica muito clara. Nesse caso, a mudança no clima acontece de forma sincronizada em 98% da Terra, segundo a estimativa do estudo.
“Mesmo quando fazemos nossa perspectiva recuar até os dias iniciais do Império Romano, não conseguimos discernir qualquer evento que seja remotamente equivalente —seja em grau ou em extensão— ao aquecimento durante as últimas poucas décadas”, escreve Scott St. George, da Universidade de Minnesota, que comentou o estudo a pedido da Nature. “O clima de hoje está isolado em sua tórrida sincronia global.”
Quando o cenário ganhou essas características atuais?
Outro estudo da equipe de Neukomm, que está saindo ao mesmo tempo na revista Nature Geoscience, estima que, ao menos entre os anos de 1300 e 1800, o principal causador de flutuações no clima com duração de décadas era a atividade vulcânica (cujas cinzas podem levar ao resfriamento da atmosfera).
Isso começa a mudar ao longo do século 19, mas a maior taxa de aquecimento na escala de décadas vem em meados do século 20 —não por acaso, quando explode a queima de combustíveis fósseis em boa parte do mundo.
Por que as mudanças climáticas atuais não têm precedentes
Variações dos últimos milênios nunca atingiam o planeta inteiro, como hoje
1 - Flutuações no clima
Com duração de décadas ou séculos, as flutuações foram comuns nos últimos milênios. Algumas passaram a ser usadas para classificar períodos históricos, como a Pequena Era do Gelo
- Período Quente Romano: de 250 a.C. a 400 d.C.
- Pequena Idade do Gelo da Antiguidade Tardia: de 400 d.C. a 800 d.C.
- Período Quente Medieval: de 800 a 1200
- PEG (Pequena Era do Gelo): de 1300 a 1850
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