'Nem sabíamos que era possível': casal gay terá filha com genética dos dois

Quando Jarbas Mielke de Bitencourt, gerente de vendas, 48, e Mikael Mielke de Bitencourt, fotógrafo, 35, decidiram realizar o sonho de ser pais, não imaginavam que seria por meio de uma barriga solidária. Muito menos que o bebê teria a genética dos dois. "Nós nunca nos preocupamos com a carga genética. Sempre pensamos em adotar", explica Mikael.

A ideia só surgiu depois que o casal de Imbé (RS) tentou uma adoção que não deu certo, no fim de 2022. Na época, Mikael entrou em depressão e Jarbas ligou para a amiga e comadre, a comerciária Jéssica Konig, 31, e pediu ajuda para animar o parceiro. Ele só não podia prever como a amiga faria isso. "Pensei: o que eu vou fazer para ajudar? Lembro que fui no Google e pesquisei sobre barriga solidária. Encontrei uma clínica, liguei e peguei os dados", conta Jéssica.

De acordo com o CFM (Conselho Federal de Medicina), barriga solidária, ou útero de substituição, ocorre em tratamentos de reprodução assistida (fertilização in vitro). Uma mulher faz a doação temporária do seu útero para outra pessoa ou casal gestar quando existe uma condição que impeça ou contraindique a gestação dessa(s) pessoa(s). O processo não pode ter caráter lucrativo ou comercial de nenhum tipo e a mulher também precisa ter ao menos um filho vivo.

Com as informações em mãos, Jéssica, que já era mãe de duas crianças, correu para a casa dos compadres.

Cheguei lá e falei: chega de choro! Eu tenho a solução, eu vou ser a barriga solidária de vocês. Já agendei a entrevista em uma clínica. Eu não sei como vocês vão fazer para pagar. Mas a minha barriga eu empresto. Jéssica Konig

A primeira consulta na clínica de reprodução humana assistida ocorreu em janeiro de 2023. "Era muito caro. Até que explicaram para a gente que, se nós tivéssemos alguma doadora de óvulos na família, eles fariam a análise e poderiam colocar isso na negociação do processo. Eu sou filho único, mas o Mika tem duas irmãs", explica Jarbas.

Foi a irmã mais nova de Mikael, a estudante de nutrição Marrie Nara Bortolanza, 22, que se voluntariou para fazer a doação dos óvulos. "Eu me ofereci pra eles na mesma hora. Conversei com o pessoal da clínica e eles me explicaram como seria o processo. Na minha cabeça, sempre me vi como uma tia para o bebê. É muito emocionante participar de tudo isso", relata Marrie.

Jarbas  e Mikael serão pais de um bebê com genética dos dois graças à barriga solidária da amiga, Jéssica Konig, e do óvulo da irmã de Mikael, Marrie
Jarbas e Mikael serão pais de um bebê com genética dos dois graças à barriga solidária da amiga, Jéssica Konig, e do óvulo da irmã de Mikael, Marrie Imagem: Arquivo pessoal

Jarbas e Mikael tinham a barriga solidária e a doadora de óvulos. Agora, precisavam cuidar das questões legais para que o sonho da paternidade avançasse mais um passo. "No Brasil, a atual resolução do CFM determina que a mulher que pretende ser a barriga solidária deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primos). Na impossibilidade de atender a esse requisito, é preciso solicitar autorização do CRM (Conselho Regional de Medicina)", explica Daiane Pagliarin, médica, ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana assistida em pacientes da comunidade LGBTQIAPN+.

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Como esse era o caso de Jéssica, uma vez que ela não tinha parentesco com Jarbas nem com Mikael, foi solicitada a autorização junto ao CRM. Em julho de 2023, ocorreu a fertilização in vitro com a análise genética dos embriões com os óvulos da Marrie e os espermatozoides do Jarbas. Em setembro do mesmo ano, após o aval positivo do CRM, foi feito o procedimento de transferência embrionária no útero da Jéssica.

Agora, na reta final da gravidez da amiga, Jarbas e Mikael aguardam ansiosamente a chegada de Antonella. "Ela está planejada para nascer a partir de 15 de maio. A gente está com tudo pronto, mas vivendo uma ansiedade gigantesca, né? Porque é muito difícil dois homens viver um parto. É uma expectativa grande, você imagina um parto que tem todo o processo de bloco cirúrgico, de gestação, de médico", conta Mikael.

Eles são o primeiro casal homoafetivo do Sul do país, e o segundo do Brasil, a ter um bebê consanguíneo. Ou seja, Antonella carrega tanto a genética de Jarbas (pelo espermatozoide), quanto a de Mikael (pelo óvulo da irmã, Marrie).

Quero deixar claro que essa questão da genética nunca teve importância, isso foi um bônus que essa história linda nos deu. Porque até então, nem eu nem o Mika sabíamos que isso era possível. Jarbas Mielke de Bitencourt

Para celebrar a chegada da primeira filha e ajudar outras pessoas que têm o desejo de formar uma família por meio da barriga solidária, os dois criaram uma conta no Instagram: a @2paisdaantonella, que já conta com mais de 13 mil seguidores.

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"Nossa batalha é levar isso para a sociedade, para que este processo de barriga solidária se torne conhecido, para que as pessoas não confundam com barriga de aluguel, que é proibido no Brasil. O próprio nome já fala, é solidário, né? Não tem envolvimento financeiro. É uma alternativa para um casal homoafetivo, para um casal héterossexual que não pode gerar uma criança por alguma razão. É isso que a gente quer mostrar", diz Jarbas.

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