Tipografia, caligrafia, gravura, edi��o, ilustra��o, design, encaderna��o. As pr�ticas e tradi��es que constituem o universo do livro s�o desenvolvidas h� cerca de dois anos pelo Museu Vivo Mem�ria Gr�fica e pelo Laborat�rio de Hist�ria do Livro, que reativam e atualizam t�cnicas, tradi��es gestuais e pr�ticas socioculturais em torno do objeto-livro, que simboliza a cultura escrita. Composto originalmente por acervo da Associa��o Mem�ria Gr�fica Tipografia e Escola de Gravura, o Museu Vivo recebeu tamb�m equipamentos da antiga gr�fica da Escola de Arquitetura da UFMG. Abrigados pelo Centro Cultural UFMG, o museu e o laborat�rio viabilizam projetos de ensino, pesquisa e extens�o dos cursos de Conserva��o e Restaura��o e de Bens Culturais M�veis, Ci�ncia da Informa��o, Artes Visuais e Letras (�nfase em edi��o), al�m de projetos em �reas afins. As atividades do parque gr�fico � composto por cavaletes de tipos m�veis, prelos tipogr�ficos a ainda por uma impressora off-set do come�o da segunda metade do s�culo passado � contam com as habilidades do tip�grafo Jos� do Monte, e tamb�m com o trabalho dos estagi�rios do curso de Artes Visuais. As oficinas tipogr�ficas do Museu rec�m-incorporaram uma linotipo, doada pelo designer e colecionador Fl�vio Vignoli, parceiro do museu em diversos projetos. Ao combinar o procedimento de composi��o ativado por teclado alfanum�rico com o processo de fundi��o dos caracteres tipogr�ficos, a linotipo permite a composi��o de uma linha inteira de texto em um s� bloco de chumbo. A m�quina � operada por Ilton Fernandes, antigo linotipista das oficinas do jornal Estado de Minas. �Ficamos presos � banalidade institu�da pelo h�bito e esquecemos que o livro tem uma hist�ria, � uma m�quina que se caracteriza por um modo de funcionamento e por um conjunto de tecnologias pr�prias�, afirma a professora Ana Utsch, da Escola de Belas-Artes, que idealizou e coordena o museu e o laborat�rio. Percurso regressivo Ana Utsch lembra que o s�culo 19 trouxe grandes transforma��es geradas pelo aumento vertiginoso da produ��o. Os encadernadores, por exemplo, precisaram criar novas t�cnicas, ainda artesanais, mas capazes de acelerar o processo. Segundo ela, a pesquisa � pautada pela defini��o das formas pelas quais as conven��es foram estabelecidas em diferentes per�odos. �Procuramos compreender as maneiras como as pr�ticas socioculturais se comunicam com o mundo do livro e como fixaram as diversas modalidades de produ��o e difus�o�, salienta. A organiza��o do Laborat�rio da Hist�ria do Livro foi baseada no conhecimento de materiais e ferramentas envolvidos na fabrica��o do livro em momentos diversos. O espa�o foi equipado a partir de pesquisa fundada na Codicologia e na Bibliografia Material, disciplinas vinculadas � Hist�ria do Livro. �Constru�mos modelos que revelam as formas de elabora��o do livro por meio da fabrica��o de fac-s�miles, estacionados em etapas espec�ficas de produ��o�, descreve Ana Utsch. O laborat�rio se dedica tamb�m a elaborar e a divulgar estruturas mais recentes, incluindo encaderna��es contempor�neas e modelos de conserva��o. Al�m de produzidas e expostas no laborat�rio, essas estruturas t�m sido objeto de oficinas oferecidas ao p�blico interno e externo � UFMG. Outra iniciativa vinculada ao espa�o � o Gabinete do Livro, que promove mostras de edi��es especiais, como foi o caso das experi�ncias como editor do poeta Jo�o Cabral de Melo Neto. O Museu Vivo Mem�ria Gr�fica e o Laborat�rio de Hist�ria do Livro est�o abertos � visita��o. Arte em sobretextos Os Cadernos T�cnicos, por sua vez, s�o dedicados � divulga��o dos trabalhos de bibliografia material e bibliologia feitos por pesquisadores e estagi�rios e nas oficinas do Laborat�rio de Hist�ria do Livro. �Nossa inten��o � tornar p�blica a sistematiza��o do trabalho, compondo um invent�rio material e t�cnico. Sentimos falta no Brasil desse tipo de publica��o, contamos apenas com material importado, sem tradu��o�, justifica Ana Utsch. A terceira linha editorial tem a fun��o de apoiar o Centro Cultural, por meio da produ��o de agendas de eventos, cat�logos de exposi��es etc. Arqueologia do impresso �Nosso objetivo � refletir sobre as rela��es estabelecidas entre as diferentes formas de express�o � textuais, iconogr�ficas e materiais � que constitu�ram a cultura do impresso. Para isso � fundamental a identifica��o das diferentes pr�ticas socioculturais e das tradi��es gr�ficas e est�ticas fixadas em torno da tipografia�, comenta a professora de gravura Daisy Turrer, uma das fundadoras do Neci e coordenadora at� o in�cio deste ano, quando passou o bast�o para a professora Ana Utsch. Um exemplo representativo do trabalho do N�cleo � o projeto Arqueologia do Impresso, que promoveu estudos do acervo da Biblioteca do Santu�rio do Cara�a. Os professores Paulo Bernardo Vaz (Fafich), Eliana Mussi (Fale), Daisy Turrer (EBA) e Alexandre Jos� Gon�alves (na �poca doutorando em Hist�ria na Unicamp) se debru�aram sobre a cole��o do s�culo 16 para estudar as caracter�sticas paratextuais das obras naquele per�odo, cerca de 100 anos depois da inven��o da imprensa. �Os livros dessa �poca encerravam na p�gina de rosto os rastros precisos das diferentes modalidades de produ��o e de difus�o do livro impresso no Antigo Regime, evidenciando a conviv�ncia das antigas pr�ticas de mecenato, de privil�gio (autoriza��o) e de censura com as estrat�gias de difus�o concebidas pelo editor-impressor. O acervo do Cara�a n�o chega a ser grande, mas � muito significativo�, comenta Daisy Turrer. Outro produto das investiga��es do Neci � um estudo comparativo de duas edi��es de Dom Quixote, uma do final do s�culo 17 e outra do s�culo 19. A primeira � ilustrada em gravura em metal, e a segunda, em litografia. Elas se prestam de forma exemplar � pesquisa em torno das mudan�as paratextuais na constru��o do livro a partir do s�culo 17. O trabalho ser� publicado em breve com o t�tulo D. Quixote: encena��es tipogr�ficas, organizado por Daisy Turrer e Eliana Muzzi. A origem do N�cleo de Estudos da Cultura do Impresso remonta a 1997, quando a Imprensa Universit�ria ofereceu equipamentos antigos ao setor de gravura da Escola de Belas-Artes. Uma pequena oficina tipogr�fica foi instalada junto ao setor. �N�o tinha capacidade para grandes edi��es, mas nos inspirou a criar o grupo de estudos�, relembra Daisy Turrer, mestre e doutora pela Faculdade de Letras da UFMG, onde pesquisou o livro como experi�ncia de escrita. Daisy acrescenta que foi contratado � �poca o tip�grafo aposentado Daniel Walter, para dar suporte t�cnico �s atividades. �O apoio do tip�grafo operacionaliza as aulas, j� que � preciso organizar os tipos, preparar as m�quinas etc.�, ela justifica. Com a morte de Daniel, em 2006, e diante da dificuldade de encontrar outro profissional na �rea, o trabalho da oficina tipogr�fica ficou inviabilizado. Atualmente, os equipamentos est�o sob responsabilidade dos professores Amir Brito e Mario Azevedo, que elaboram projeto de retomada das atividades da oficina tipogr�fica do Neci. Ao longo dos anos, o Neci tamb�m promoveu exposi��es de arte tipogr�fica, semin�rios mensais conduzidos por professores de diferentes unidades acad�micas, e elaborou oficinas para o Festival de Inverno da UFMG, coordenadas pelos professores Maria do Carmo Freitas, T�nia Ara�jo, �Marcelo �Drummond e Daisy Turrer. (Itamar Rigueira Jr./Boletim 1809)
Ana conta que, no Laborat�rio de Hist�ria do Livro, as pesquisas seguem percurso regressivo, do s�culo 19 ao s�culo 15. �Conseguimos identificar elementos materiais, t�cnicos e est�ticos recorrentes e outros que variam com mais frequ�ncia, e que podem ser relacionados com pontos de ruptura e de continuidade da tradi��o de produ��o do livro, a partir tamb�m dos modos de produ��o e distribui��o�, explica a pesquisadora, que defendeu, no ano passado, tese sobre a encaderna��o do s�culo 19, na �cole des Hautes �tudes en Sciences Sociales, de Paris, sob orienta��o de Roger Chartier.
As atividades desenvolvidas no Centro Cultural UFMG em torno da elabora��o e da hist�ria do livro incluem produ��o editorial, dividida em tr�s linhas. Entre os objetivos do projeto est�o a utiliza��o do parque gr�fico e a pr�tica de pesquisadores e estagi�rios. A cole��o Sobretextos � composta de pequenos textos liter�rios de dom�nio p�blico, que refletem sobre o universo das artes do livro. A pr�xima publica��o � a do cap�tulo 62 de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, que conta uma visita do protagonista a uma tipografia em Barcelona.
�Apenas preservando a intelig�ncia da cultura do c�dex poderemos gozar a �felicidade extravagante� prometida pela tela�, escreveu Roger Chartier, um dos mais respeitados pesquisadores da hist�ria do livro. A frase poderia servir de lema para o N�cleo de Estudos da Cultura do Impresso (Neci), criado em 1999 na Escola de Belas-Artes (EBA).