Opinião
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Por , da Redação


The Last of Us é a nova série de drama em futuro apocalítico da HBO Max, apontada como a melhor adaptação de um jogo para as telas pela crítica. Seu primeiro episódio foi disponibilizado neste domingo (15) no canal de TV a cabo e na plataforma de streaming. Baseada no jogo homônimo lançado em 2013 para PlayStation 3 (PS3), a produção televisiva se debruça sobre a história de sobrevivência de Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsay) em um mundo devastado por uma praga fúngica que transforma as pessoas em criaturas violentas e canibais.

A série é uma das mais esperadas do ano e vem atiçando o público por conta do cuidado ao reproduzir cenários, diálogos e personagens. Isso sem mencionar o envolvimento de nomes de peso como Neil Druckmann, roteirista do game e vice-presidente da empresa responsável pelo jogo, e Craig Mazin, vencedor do Emmy de Melhor Roteiro por Chernobyl. Mas essa combinação será o suficiente para criar uma série capaz de agradar os fãs do jogo e trazer novos espectadores? Veja, a seguir, uma análise sobre como a série de The Last of Us pretende expandir o universo do game, sendo ao mesmo tempo interessante para os fãs e inovadora para quem chega neste mundo.

The Last of Us é uma das grandes apostas da HBO para 2023 — Foto: Reprodução/HBO Max
The Last of Us é uma das grandes apostas da HBO para 2023 — Foto: Reprodução/HBO Max

O desafio de adaptar

As adaptações cinematográficas para produtos de outras mídias são algo bastante comum. A literatura, em especial, é um grande foco dos cineastas – praticamente todo ano, pelo menos uma adaptação de um livro vira um filme ou uma série.

Esse tipo de prática garantiu sucessos estrondosos como Game of Thrones e A Casa do Dragão, ambas adaptadas diretamente dos livros de George R. R. Martin e com produção da HBO. Porém, ela também trouxe ao público fracassos como Percy Jackson e o Ladrão de Raios (2010), que buscou replicar, sem muito apelo com a crítica ou com os fãs, as aventuras dos heróis semideuses de Rick Riordan.

A Casa do Dragão, que também é baseada em um livro do universo de Game of Thrones, foi um sucesso em 2022 — Foto: Divulgação/HBO
A Casa do Dragão, que também é baseada em um livro do universo de Game of Thrones, foi um sucesso em 2022 — Foto: Divulgação/HBO

Apesar do bom retrospecto de diversos livros como adaptações, quando as obras escolhidas são os jogos eletrônicos, as coisas parecem mudar de figura. Não à toa, mesmo com dezenas de tentativas, até pouquíssimo tempo, eram escassas as obras televisivas consideradas "pontos fora da curva" no mundo das adaptações de games para séries ou filmes. Entre as mais recentes, Arcane e Cyberpunk: Edgerunners se destacam, trazendo histórias únicas para o universos de seus respectivos games. Mas, definitivamente, elas são mais a exceção do que a regra.

Isso porque, além de recursos próprios de cada mídia, como a interatividade com o jogador, há sempre um impasse: quando o filme ou série adapta fielmente a história do game, há uma sensação de dejavù em demasia por parte de quem já jogou, o que provoca críticas por falta de criatividade. Isso comprometeu títulos como Tomb Raider: A Origem (2018) estrelado por Alicia Vikander, que foi bem com a crítica, mas desagradou os fãs.

Contudo, quando a série ou filme foge completamente do game, como a franquia de Resident Evil (2002 - 2016) estrelada por Mila Jovovich, também há insatisfação. Como unir essas duas questões, então? Esse seria o grande desafio para a nova adaptação da HBO.

Tomb Raider: A Origem conseguiu agradar as críticas, mas decepcionou os fãs por ser muito parecido com o reboot do game  — Foto: Divulgação/IMDB
Tomb Raider: A Origem conseguiu agradar as críticas, mas decepcionou os fãs por ser muito parecido com o reboot do game — Foto: Divulgação/IMDB

Episódio 1 de The Last of Us: uma aula sobre cinema e jogos eletrônicos

Vencedor de diversos prêmios, The Last of Us é uma das obras mais importantes do cenário, além de um dos carros-chefe da PlayStation Studios. Mesmo com a responsabilidade de adaptar um game dessa magnitude em um cenário controverso, a HBO se propôs a trazer o jogo para as telinhas.

Desde os primeiros trailers, era possível ver que isso vinha sendo feito com muito cuidado, o que ficou reiterado pela participação ativa de nomes envolvidos no game de 2013. Felizmente, o resultado do primeiro episódio, intitulado Quando Estiver Perdido da Escuridão, já mostrou que a empresa encontrou, sim, uma forma de unir esses fatores.

Neste primeiro episódio, que tem 81 minutos de duração, o foco foi desenhar um contexto e dar força aos símbolos que vão permear toda a história. No jogo, os eventos relatados correspondem talvez às primeiras três horas, mas eles foram repensados e reorganizados para substituir a gameplay (fator que, evidentemente, não pode ser reproduzido) e dar um background mais substancial para os personagens.

As duas imagens tratam da mesma cena, quando Joel, Tommy e Sarah fogem de sua casa no dia do surto. A primeira é a versão da série e a segunda, a do jogo — Foto: Repriodução/HBO Max
As duas imagens tratam da mesma cena, quando Joel, Tommy e Sarah fogem de sua casa no dia do surto. A primeira é a versão da série e a segunda, a do jogo — Foto: Repriodução/HBO Max

Isso significa, por exemplo, ver um pouco mais da rotina de Sarah (Nico Parker) antes do momento do surto – decisão muito acertada, inclusive, para dar mais tempo de tela à atriz, bem convincente na atuação. Dessa forma, o espectador consegue conhecer mais sobre a menina, além de se aprofundar nas relações que ela tinha no dia a dia, o que deixa a carga dramática ainda maior.

Os vizinhos idosos, com quem fazia bolinhos, por exemplo, se transformam em criaturas monstruosas horas depois. Se no jogo, isso fica de lado para dar espaço à interação, na série, o recurso escolhido é fazer com que o telespectador crie empatia e pense "e se isso fosse comigo, o que eu faria?"

Contudo, mesmo com o espaço para que a linguagem do cinema tome conta da obra, os paralelos com o jogo ainda estão ali. Eles conseguem fazer com que os mais apegados se emocionem, porém também são sutis o suficiente para passar despercebidos por quem entra em contato com a história pela primeira vez.

Nessa cena do surto, por exemplo, alguns takes são simplesmente idênticos – o suficiente para prestar a homenagem, mas não a ponto de fazer com que os fãs de longa data sintam que estão vendo um mero "copia e cola" do game. Além disso, alguns dos diálogos (os marcantes, principalmente) também são seguidos à risca, sempre disfarçados em meio ao conteúdo novo.

Um dos momentos mais impactantes do primeiro episódio de The Last of Us — Foto: Reprodução/HBO Max
Um dos momentos mais impactantes do primeiro episódio de The Last of Us — Foto: Reprodução/HBO Max

Passado o dia do surto, como no jogo, a série retoma sua história em um salto temporal de 20 anos. Se no game, assumimos o papel de Joel e entendemos, desde sua primeira aparição, que os traumas o transformaram em uma pessoa muito diferente do pai amoroso que era, na série, isso fica evidente a partir da adição de outras perspectivas. Sem o compromisso de assumir o ponto de vista de apenas um personagem, a produção televisiva adiciona outros panoramas que servem para aprofundar a ambientação.

Há um momento, inclusive, em que um garotinho chega à zona de quarentena exausto e na esperança de conseguir um lugar para ficar. Os agentes da FEDRA, força governamental que assumiu o poder durante o período de anarquia, no entanto, logo detectam que ele está infectado e o executam.

Além disso ditar o tom austero da realidade vivida pelos personagens, a cena serve para evidenciar o endurecimento da personalidade de Joel. Isso porque, depois que sua parceira de trabalho diz que não consegue levar o corpo da criança para a fogueira, o personagem de Pedro Pascal faz isso sem pestanejar, o que enfatiza que a humanidade dele se perdeu.

Os traumas de 20 anos vividos na pandemia de cordyceps endureceram Joel, o que fica evidente na cena em que ele leva um corpo de um garoto para ser queimado — Foto: Reprodução/HBO Max
Os traumas de 20 anos vividos na pandemia de cordyceps endureceram Joel, o que fica evidente na cena em que ele leva um corpo de um garoto para ser queimado — Foto: Reprodução/HBO Max

Como a linguagem cinematográfica permite uma exploração mais livre do ambiente, o recurso é utilizado até mesmo para introduzir mais cedo personagens que só aparecem em momentos mais avançados do jogo. É o caso da própria Ellie, que permanece em anonimato no game até que Joel e Tess (Anna Torv) recuperem os itens roubados por Robert.

Na produção da HBO, a personagem aparece pela primeira vez como uma "refém" de Marlene (Merle Dandrigde) em uma das instalações dos Vagalumes, a milícia que rivaliza com a FEDRA. A escolha é interessante por colocar em primeiro plano o conflito entre as duas facções, uma questão que não tem tanto destaque nos games. Nos próximos episódios, com a aparição de Riley (Stormi Reid), a tendência é que a subtrama ganhe ainda mais camadas.

Como acontece com Joel, a série também utiliza novos contextos para mostrar a personalidade de Ellie, que já em sua primeira cena, cativa a atenção pelo carisma. Bella Ramsay mostra que, mesmo com pouca participação nesse primeiro episódio, soube equilibrar a curiosidade de uma garota que não viu o mundo antes da pandemia com a dureza de uma sobrevivente desse contexto.

Apesar das críticas de muitos fãs (se é que são, de fato), que se debruçavam no fato de que a Bella não se parece fisicamente com Ellie, a atriz não leva dois minutos para fazer com que a aceitemos como tal. O mesmo pode ser dito da Tess de Anna Torv, que rouba a cena toda vez que aparece.

A primeira aparição de Ellie na série de The Last of Us acontece em uma das intalações dos Vagalumes, onde Marlene explica o que o grupo deseja fazer com ela  — Foto: Reprodução/HBO Max
A primeira aparição de Ellie na série de The Last of Us acontece em uma das intalações dos Vagalumes, onde Marlene explica o que o grupo deseja fazer com ela — Foto: Reprodução/HBO Max

Novo sucesso da HBO?

No fim, Quando Estiver Perdido da Escuridão foi mais do que uma excelente estreia da nova série da HBO. O episódio mostrou que é possível criar adaptações que recriem histórias, prestando as devidas homenagens ao material original e sem fazer com que tudo pareça um grande repeteco para quem já as conhece. Isso sem mencionar os aspectos técnicos como a direção de arte e a cinematografia, que ajudam a tornar a experiência ainda mais convincente e desesperadora.

Por pegar os fãs pelas nostalgia, cativar pelo capricho na reprodução dos cenários, personalidades e até mesmo figurino, além de introduzir uma ambientação complexa, é seguro dizer que a HBO tem em mãos um produto com alto potencial de se transformar em seu novo Game of Thrones.

Não pelas obras terem histórias parecidas e ainda menos pela possibilidade desta ser uma série ótima com um final ruim – algo que dificilmente vai acontecer enquanto a premissa vista no primeiro episódio prevalecer. Mas, sim, no sentido de haver um grande potencial desta ser uma nova história que une o mundo inteiro diante dos sofás às noites de domingo, ansioso para ver o que está por vir.

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