Baterias de Filme Fino de Papel: Dia Mundial Dos Materiais 2009 2. Menção Honrosa SPM
Baterias de Filme Fino de Papel: Dia Mundial Dos Materiais 2009 2. Menção Honrosa SPM
Baterias de Filme Fino de Papel: Dia Mundial Dos Materiais 2009 2. Menção Honrosa SPM
B. BRS(1)*, I. FERREIRA(1)
(1) Faculdade de Cincias e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Dept. de Cincias dos Materiais, Campus
da FCT-UNL, Quinta da Torre, 2829-516 Monte de Caparica, Portugal
* [email protected]
ABSTRACT: This article summarizes the production and characterization of thin film paper batteries, in which the paper
plays the role of the solid electrolyte and of the physical support of the devices. These batteries present great flexibility and
are produced by means of thin film deposition techniques. These are all-solid-state batteries and they are able to regenerate
the electric characteristics without external power supply.
Batteries with different substrates were analysed, namely tracing-paper, usual copy paper and recycled paper.
The Copper / Aluminum structure shows an open circuit voltage (Voc) of 0.5 to 0.6V. This was taken as the reference structure
and the work performed had four main topics: i- Influence of the thickness of the electrodes; ii-Influence of an extra LiAlF4
layer; iii-Effect of paper impregnations with salt solutions; iv-Different types of electrodes.
Analysis of the effects of vacuum, O2, N2, CO2, temperature and relative humidity on the electrical performances of the paper
batteries were made. The later causes a variation of three orders of magnitude in current, when relative humidity changes
from 40 to 90%.
The technology was demonstrated by using a prototype battery comprising an association in series (3V) of the reference struc-
ture for actuating a paper transistor. The prototype efficiently controlled the ON and OFF states of the transistor. Therefore it
was demonstrated the proof of concept that paper batteries can be used in electronic circuits, namely in paper circuits.
Keywords: Paper batteries, thin film batteries, paper electronics, paper transistors, auto rechargeable batteries.
RESUMO: Este artigo reporta o trabalho de produo e caracterizao de baterias de filme fino de papel, no qual o papel
desempenha as funes de suporte fsico e de electrlito do dispositivo. Estudaram-se maioritariamente baterias de papel
vegetal, normal e reciclado.
Extremamente flexveis, os dispositivos operam no estado slido, so concebidos recorrendo a tcnicas de deposio de
filmes finos e regeneram as suas caractersticas elctricas sem necessidade de aplicao de uma potncia externa.
A estrutura de referncia Cobre/Papel/Alumnio apresenta uma tenso de circuito aberto (Voc) de 0,5V a 0,6V. O estudo, ba-
seado nesta estrutura, recaiu sobre quatro abordagens principais: i- Influncia da espessura dos elctrodos; ii- Introduo de
uma camada de LiAlF4; iii- Efeito da impregnao do papel com solues salinas; iv - Diferentes pares de elctrodos.
Analisaram-se os efeitos do vcuo, de uma atmosfera rica em O2, N2 e CO2, e os efeitos da humidade relativa e da tempe-
ratura do meio no desempenho elctrico das baterias de papel. Uma variao entre 40 e 90% na humidade relativa do meio
causa uma variao de trs ordens de grandeza na corrente do dispositivo.
O demonstrador da tecnologia consistiu na actuao do canal de um transstor de papel. Uma associao em srie (com 3V)
da estrutura de referncia comutou eficientemente os estados ON e OFF, confirmando-se a aplicabilidade das baterias em
circuitos electrnicos (de papel).
Palavras-chave: Baterias de papel, baterias de filme fino, electrnica do papel, transstores de papel, baterias auto-recar-
regveis
ras) est actualmente bastante limitada, pelo que geralmente se Independentemente da aplicao, evidente a necessidade de
recorre converso de outra forma de energia em electricidade. integrar eficientemente as baterias com os restantes componen-
Os processos mais usuais geram energia elctrica a partir de tes electrnicos. Neste aspecto, as tecnologias das baterias re-
energia potencial, cintica, trmica ou qumica. Destes, os sis- carregveis convencionais no so suficientemente atractivas.
temas electroqumicos apresentam uma vantagem fundamen- Adicionalmente, as baterias tradicionais contm electrlitos l-
tal: a converso entre energia qumica e elctrica ocorre numa quidos que, normalmente, apresentam na sua constituio sol-
s etapa, maximizando a eficincia do processo. ventes orgnicos inflamveis e bastante volteis. A descoberta
de electrlitos slidos para aplicaes em baterias melhora a
As baterias so dispositivos que convertem a energia qumica
segurana do dispositivo e previne o risco de derrame do elec-
armazenada nos seus materiais activos em energia elctrica,
trlito lquido [4-7]. Caso a tecnologia necessria ao fabrico
por meio de reaces qumicas [1]. Existem diversos tipos de
das baterias seja compatvel com a de microelectrnica (ex:
clulas electroqumicas de armazenamento de energia, sendo
deposio de filmes finos atravs de tcnicas como a pulveri-
classificados de acordo com as reaces qumicas que tomam
zao catdica ou a evaporao trmica), estas so passveis de
lugar e pelas suas caractersticas estruturais e geomtricas.
integrao nos prprios circuitos electrnicos. Consequente-
A elevada variedade de sistemas existentes reflecte-se no ele-
mente, as fontes de alimentao podem ser produzidas durante
vado nmero de aplicaes possveis para os sistemas elec-
a concepo do circuito. Tal permite a auto-alimentao dos
troqumicos [2].
dispositivos, que adquirem um tempo de vida longo. Assim,
De acordo com o seu princpio de funcionamento, as baterias prev-se no futuro prximo um papel marcante das baterias re-
so caracterizadas em primrias (no recarregveis, nas quais carregveis de estado slido (rechargeable all-solid-state bat-
as reaces electroqumicas associadas so irreversveis) e teries) em dispositivos portteis autnomos [2].
secundrias (podem ser recarregadas diversas vezes, fenme-
A principal inovao dos dispositivos concebidos neste tra-
no associado com a reversibilidade das reaces qumicas).
balho a utilizao de papel como suporte fsico e tambm
Nas baterias recarregveis, aps a sua utilizao, a aplicao
como elemento activo do dispositivo, actuando como o elec-
de um campo elctrico externo fora a ocorrncia das reac-
trlito slido da bateria.
es inversas s que ocorrem espontaneamente durante a des-
carga. Os reagentes necessrios s reaces electroqumicas O uso de celulose (e/ou seus derivados) como separador em
retornam sua forma inicial, o que significa que a bateria est baterias referido em algumas publicaes. Porm, esses
apta a fornecer electricidade novamente. dispositivos requerem geralmente a introduo de solues
Existe ainda uma terceira subclasse de baterias, as clulas de electrolticas para a sua activao ou uma prvia impregnao
combustvel (fuel cells). Estes dispositivos, contrariamente com solues salinas [8-12]. Estes procedimentos visam a in-
aos dois casos anteriores, operam durante a alimentao de corporao dos ies necessrios para a ocorrncia de reaces
um combustvel. Enquanto o seu fluxo no cessar, as clulas electroqumicas durante a utilizao da bateria. Os dispositi-
de combustvel produzem electricidade continuamente. Na vos desenvolvidos funcionam totalmente no estado slido e
configurao mais simples, os reagentes gasosos utilizados sem necessidade de incorporao de outros compostos aps o
so o oxignio e o hidrognio, produzindo-se gua e calor. processo de fabrico do papel.
Num futuro prximo, espera-se que este fenmeno seja um Os electrlitos slidos, tal como os lquidos, devem apresen-
dos grandes impulsionadores da reforma energtica de que a tar caractersticas de bons condutores inicos e maus condu-
actual sociedade carece [3]. tores electrnicos, de modo a permitirem a mobilidade inica
As baterias sofreram, especialmente aps a Segunda Guerra mas no a electrnica, entre o nodo e o ctodo. Desta forma,
Mundial, avanos tecnolgicos progressivos que possibilita- os ies atravessam o electrlito enquanto os electres so for-
ram um aumento da sua densidade energtica, segurana e ados a percorrer um circuito externo, tornando possvel o
tempo de vida. aproveitamento do fluxo de electres (corrente) por parte de
uma carga externa bateria.
Na electrnica porttil, tambm a massa do dispositivo cru-
cial. Esta indstria tem evoludo para uma crescente miniatu- 1.1. Baterias de papel
rizao dos dispositivos ao que est associado um decrscimo
das suas exigncias energticas. Tal viabiliza que possam ser O papel um recurso pouco dispendioso e abundante, o que
alimentados por fontes de alimentao (nomeadamente por aliado baixa quantidade de material necessria no fabrico
baterias de filme fino) que at agora se mostravam incapazes dos elctrodos torna as baterias de papel atraentes do ponto
de suprir energeticamente aparelhos de maior consumo. de vista econmico, tecnolgico e ambiental.
Tambm na vertente biomdica, as baterias de pequenas di- As baterias de filme fino tradicionais apresentam uma elevada
menses representam cada vez mais uma alternativa cativante percentagem, tanto em massa como em volume, de materiais
para suprir as necessidades energticas de inmeros dispositi- passivos do ponto de vista electroqumico (nomeadamente o
vos wireless autnomos, tais como pequenos implantes mdi- suporte fsico e o encapsulamento) relativamente aos elemen-
cos ou aparelhos de audio [4]. Nestas aplicaes, cerca de tos activos (electrlito, ctodo e nodo). Consequentemente,
metade do volume dos dispositivos diz respeito ao armazena- a densidade energtica (Wh/Kg ou Wh/m3) dos dispositivos
mento de energia, tornando-se portanto um dos aspectos que bastante baixa, pois a percentagem de elementos no activos
urge optimizar. pode atingir o valor de 70% em peso e ainda superior em vo-
lume [13]. Nas baterias em papel, uma vez que a matriz no alterando por completo o comportamento electroqumico da
somente o electrlito slido do dispositivo mas tambm o bateria.
seu suporte fsico, o teor de materiais inertes drasticamente
reduzido. A versatilidade dos dispositivos fabricados torna o seu cam-
po de aplicao bastante vasto, nomeadamente na electrnica
Nos dispositivos desenvolvidos, as fibras das faces laterais flexvel e descartvel, permitindo com a sua integrao uma
da matriz so revestidas com materiais apropriados para a alimentao energtica auto-sustentvel de diferentes siste-
formao do ctodo e do nodo (fig.1). O campo elctrico mas electrnicos integrados. Esta potencialidade torna-se ac-
gerado pelos elctrodos o impulsionador da migrao inica tualmente ainda mais relevante do ponto de vista tecnolgico
no interior da matriz. aps o desenvolvimento recente, no CENIMAT, dos displays
electrocrmicos em papel e tambm dos transstores de papel
[15, 16]. Os circuitos/dispositivos electrnicos constitudos
por estes elementos carecem de uma fonte de alimentao
auto-sustentvel que possa fazer parte integrante do dispo-
sitivo, tornando-os mais facilmente adaptveis a aplicaes
reais, como por exemplo etiquetas inteligentes.
Fig. 1. a) Esquema das baterias de papel e b) fotografia de baterias produ-
zidas.
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Os elctrodos, que podem ser formados por uma ou vrias
camadas de materiais sobrepostas, so depositados por tcni- Como electrlito slido foram estudados diferentes tipos de
cas de filmes finos, com especial relevo para a pulverizao papel. Os estudos recaram maioritariamente sobre papel nor-
catdica, evaporao trmica resistiva e assistida por canho mal de impresso (Navigator Universal, 80g/m2), papel vege-
de electres. Os dispositivos esto especialmente vocaciona- tal (Renova VA/A, 38g/m2) e papel reciclado (100% Recicla-
dos para aplicao directa em circuitos electrnicos flexveis do Cpia 2000, 80g/m2).
em papel e podem mesmo ser construdos durante as etapas
de concepo do circuito electrnico. 2.1 Deposies de filmes finos
Os filmes finos foram depositados atravs de sistemas de Eva-
Os materiais constituintes dos elctrodos tm de ser cuidadosa-
porao Trmica Resistiva, Evaporao Trmica assistida por
mente equacionados, considerando-se diversos factores como
Canho de Electres e de Pulverizao Catdica por Radio-
a srie electroqumica [14], a facilidade de deposio, a abun-
frequncia assistida por Magnetro. Estas trs tcnicas fsicas
dncia e o valor monetrio, o interesse tecnolgico, e ainda os
de deposio de vapores permitem a deposio de filmes de
regulamentos governamentais, os custos ambientais e as impli- elevada pureza temperatura ambiente, pelo que no ocorre a
caes para a sade humana dos materiais em questo. degradao do substrato.
de destacar a simplicidade de processamento da estrutu- A Evaporao Trmica Resistiva permitiu a evaporao de
ra com os elctrodos de Cobre (ctodo) e Alumnio (nodo), materiais de elevada pureza (>99,99%), inicialmente na for-
uma vez que ambas as camadas podem ser efectuadas por ma de p ou de fio (fig. 2 e 3).
evaporao trmica. Esta foi a estrutura de referncia neste
trabalho, originando dispositivos com apenas dois filmes fi-
nos que atingem tenses considerveis (0,5 a 0,6V).
encontraram-se curto-circuitados, pelo que a diferena de po- 3.2. Anlise de Microscopia Electrnica de Varrimento
tencial imposta pelo equipamento est referenciada ao pr-
prio nodo da bateria e no a um elctrodo de referncia. As figuras 5 e 6 mostram a morfologia superficial dos dife-
rentes tipos de papel.
Na fig. 4a encontra-se esquematizado o circuito utilizado no
estudo da descarga dos dispositivos (1) atravs de uma re-
sistncia fixa (2). Conectou-se o terminal negativo dos dis-
positivos a uma resistncia (2) de valor conhecido. Ligou-se
o terminal positivo do dispositivo massa, sendo a carga (2)
conectada entrada inversora do electrmetro (3). A entra-
da no-inversora encontra-se ligada massa, pelo que se cria
uma massa virtual entre a bateria e a resistncia. Consequen-
temente, o circuito construdo idealmente equivalente ao do Fig. 5. Imagem de SEM obtida com um ngulo de inclinao de 40 de: a)
esquema apresentado na fig. 4b. Papel Normal, b) Papel Reciclado.
Esta configurao permite a monitorizao da corrente i que A morfologia do papel normal de impresso bastante irregu-
passa no circuito. Um computador (4) conectado a uma placa lar, conforme se observa na fig. 5a. Este papel apresenta na sua
de aquisio de dados (Global Labs DT2812a) regista o ensaio constituio diversos compostos, o que poder ser uma vanta-
experimental, permitindo assim monitorizar a variao da cor- gem na utilizao como electrlito slido em baterias devido
rente no circuito em funo do tempo de descarga e tambm a presena de espcies inicas. No entanto, de salientar que
diferena de potencial aos terminais da bateria. A multiplica- os ies podem no estar disponveis para a conduo se forem
o da corrente pela durao do ensaio representa a capacidade pouco mveis na matriz de fibras. O papel reciclado (fig. 5b)
(energia armazenada) do dispositivo electroqumico. morfologicamente muito semelhante ao papel branco.
3.1. Espessura e densidade dos papis utilizados A imagem de SEM da fig. 7 representa a morfologia da su-
perfcie do papel normal com um revestimento de 600nm de
Na tabela 4 so apresentadas a espessura e a densidade dos SiO e Cu.
papis utilizados.
Embora a superfcie do papel seja bastante rugosa, os filmes Os resultados indicam que a espessura dos elctrodos no
depositados so contnuos e uniformes, resultando num bom influencia significativamente o Voc nem a Jsc das baterias, es-
revestimento das fibras superficiais do papel. Devido irre- pecialmente nos dispositivos produzidos em papel vegetal.
gularidade da superfcie da matriz, a rea de interface entre o Depreende-se que apenas necessrio garantir uma espessura
papel (electrlito) e os elctrodos maximizada, pelo que o suficiente para que o papel fique revestido com filmes pou-
comportamento dos dispositivos optimizado. co resistivos e sem quebras (sem zonas isoladas), permitindo
uma recolha eficaz das cargas. A densidade de corrente de
3.3. Caracterizao Elctrica dos Dispositivos curto-circuito bastante superior no papel vegetal. De forma
geral, os resultados indicam que as baterias feitas com pa-
O dispositivo constitudo por Cobre / Papel / Alumnio o pel vegetal apresentam as melhores caractersticas elctricas
mais simples e fcil de produzir. Foram escolhidos estes elc- (Voc e Jsc), enquanto as amostras em papel reciclado as piores.
trodos por terem demonstrado resultados bastante satisfatrios Este facto deve-se provavelmente ao tipo de ies contidos nos
e por serem abundantes na natureza, baratos e ecolgicos. diferentes tipos de papel e a outros factores como a sua espes-
sura e densidade.
A fig. 8 mostra a curva I-V desta estrutura com uma rea de
10cm2.
Tabela 5. Efeito da espessura dos Elctrodos.
Espessura das camadas
Amostra Voc (V) Jsc (nA/cm2)
de Cu e Al (e1<e2<e3)
B1 Al(e1) / papel / Cu(e1) 0,61 124,0
Vegetal
Papel
B2 Al(e2) / papel / Cu(e2) 0,60 100,0
B3 Al(e3) / papel / Cu(e3) 0,59 103,0
Normal B1 Al(e1) / papel / Cu(e1) 0,55 65,7
Papel
Tal como esperado, as diferentes amostras no aparentam di- papel vegetal no caso da amostra 8. O mesmo se verifica no
ferenas significativas a nvel de diferena de potencial. papel normal, com Jsc da ordem dos 2 A/cm2 na amostra 8.
O aumento da concentrao de LiClO4 de 0,5% para 3% con-
Os resultados demonstram que, numa matriz de papel vegetal
tribui para melhorar o valor de Jsc. Nas amostras com melhor
ou papel normal, as solues de LiOH e LiI no introduzem
desempenho mediu-se a estabilidade do valor da corrente de
melhorias significativas na corrente de curto-circuito. Por
curto-circuito durante aproximadamente 400 segundos. Os
outro lado, as amostras impregnadas com LiClO4 em etanol
resultados esto representados na fig. 9.
levam a um aumento muito significativo da densidade de
corrente, nomeadamente de 124nA/cm2 para 815nA/cm2 em
O estudo efectuado mostra que a tenso de circuito aberto simultaneamente elevados, foram obtidos com a introduo
significativamente influenciada pelo tipo de materiais utili- de uma camada de WO3 no ctodo da estrutura de referncia
zados nos elctrodos. Os melhores resultados, com Voc e Jsc Al/papel/Cu (amostra 5). O facto da introduo de camadas
de WO3 mostrar bons resultados leva a que seja vivel a reali- eventuais fenmenos electroqumicos que estejam envolvi-
zao de baterias para alimentar circuitos electrnicos trans- dos na produo de energia elctrica nas baterias de papel.
parentes e flexveis em papel. Um higrmetro/termmetro no interior da cmara permite a
monitorizao da humidade e da temperatura junto bateria.
3.4. Efeito das Condies Atmosfricas Variou-se a humidade dentro da cmara e monitorizou-se a
corrente de curto-circuito da bateria, a variao obtida est
Para colmatar deficincias no entendimento dos fenmenos
representada na fig.12. Os dispositivos realizados em papel
qumicos e fsicos ocorridos no dispositivo, foram efectuados
vegetal e papel normal apresentam inicialmente a mesma ten-
diversos estudos relativos influncia das condies ambien-
so de circuito aberto, 0,5V.
tais.
Fig. 11. Efeito do vcuo nas caractersticas elctricas. Apresentando a mesma estrutura, notria a diferena na cor-
rente dos dispositivos em papel normal e em papel vegetal.
Os resultados mostram que a corrente do dispositivo decresce Enquanto a amostra com papel vegetal atinge uma densidade
cerca de uma ordem de grandeza, desde que se inicia o pro- mxima de corrente de 50A/cm2 (84% de humidade relati-
cesso de vcuo (t=40s) at que se pressuriza novamente a c- va), a amostra com papel normal apenas atinge 7,5A/cm2
mara (t=160s). Nessa altura a corrente recupera o valor inicial
(89% de humidade relativa).
muito rapidamente, demorando cerca de 100s a estabilizar no
valor inicial. Repetiu-se o procedimento, verificando-se um Essa disparidade pode ser melhor compreendida tendo em
comportamento muito similar nas diversas etapas do ensaio. conta que o papel vegetal utilizado significativamente me-
Conclui-se assim que a atmosfera envolvente influencia sig- nos espesso e denso, o que minimiza o nmero de cargas ge-
nificativamente o comportamento da bateria. radas no interior da matriz e no captadas nos elctrodos. Esta
caracterstica favorece no s uma melhor e maior absoro
3.4.2. Efeito da Humidade
de vapor de gua mas tambm uma melhor mobilidade das
A influncia da humidade no desempenho do dispositivo cargas na estrutura do papel vegetal, pelo que a corrente de
um dos pontos mais importantes que permite inferir sobre curto-circuito maior.
O comportamento observado coerente com outros estudos os referentes ao grupo hidroxilo O-H. No entanto, o espectro
[17, 18 e 19]. De facto, a absoro maximizada perto do limi- da amostra hmida apresenta mais regies saturadas que a
te de saturao, de forma exponencial, sugerindo que as part- amostra seca (o sinal detectado por transmisso muito fra-
culas do vapor so absorvidas na forma de multicamadas [17]. co), na regio entre 500-1000cm-1 e na regio 3000-3650cm-1.
Ainda assim, o espectro da amostra hmida coerente com
A forte interaco entre a humidade e a matriz celulsica a condio seca, estando apenas presentes pequenos desvios
espectvel. As fibras de celulose tm uma superfcie de ca- nas posies centrais dos picos.
rcter polar devido presena de grupos hidroxilo (fig. 13),
formando facilmente ligaes de hidrognio (pontes de hi- O pico centrado em 617cm-1 deve-se deformao fora do
drognio) com molculas do vapor de gua. A presena dos plano da ligao OH, o que explica a dilatao da gama de
grupos hidroxilo a razo para o comportamento hidroflico nmeros de onda entre as situaes seca e hmida. De modo
das fibras celulsicas, implicando uma elevada absoro do semelhante, o pico centrado em 1639cm-1 resultado da de-
vapor por parte da matriz de papel. Este efeito varivel con- formao dos grupos OH da gua absorvida pela matriz ce-
forme o tipo de papel utilizado, pois tambm a existncia de lulsica.
certos revestimentos (ceras) inseridos durante o processo de
fabrico podem inibir os grupos OH [19]. Em meios hmidos, O estiramento da ligao OH ocorre na regio 3200 3650cm-
o estabelecimento destas ligaes causa a dilatao da matriz
1
. No espectro da amostra hmida, o facto do pico a 3567cm-1
celulsica, pelo que a migrao de cargas no interior do papel ser bastante mais largo que o correspondente no caso seco in-
facilitada. dica claramente que o teor de grupos OH aumentou na amos-
tra em anlise. Ocorre at uma quase total aglutinao do pico
centrado em 2904cm-1.
O grfico da fig. 15 mostra a variao da tenso e a capaci- Aps uma descarga inicial acentuada, a corrente debitada es-
dade de uma bateria com rea de 14cm2 e tenso de circuito tabilizou em cerca de 1A durante mais de 6000 segundos de
aberto de 0,75V. A tenso aos terminais da bateria decai ra- descarga, repetindo o comportamento exibido pela tenso.
pidamente, estabilizando em 0,5V com uma carga de 10M
durante mais de 12 horas. 3.6. Electroqumica dos dispositivos
Os ensaios de voltametria cclica efectuados permitiram ve-
rificar uma elevada estabilidade e durabilidade das baterias
de papel, capazes de suportar elevado nmero de ciclos sem
degradao de propriedades. No entanto, no foram visveis
reaces redox (identificveis atravs de picos de oxidao e
reduo). Encontra-se na fig. 17 um exemplo de um voltamo-
grama cclico efectuado numa bateria de papel normal com
um ctodo de cobre e um nodo de alumnio (rea superficial
de 45cm2), com uma humidade relativa de 48% e temperatura
de 26C.
Fig. 15. Descarga da amostra durante mais de 12h atravs de uma resistncia
de 10M.
Tendo em considerao ensaios anteriores, pode depreender-se Com o intuito de detectar eventuais reaces numa gama
que o agente atmosfrico mais importante o vapor de gua. mais alargada de diferenas de potencial, foram tambm efec-
tuados ensaios entre -4V e +4V, no se detectando quaisquer
Interessa tambm avaliar o comportamento do dispositivo reaces redox. Acrescente-se ainda que esta situao no
quando a carga do circuito bastante pequena. Espera-se uma exclusiva da estrutura Cobre / Alumnio, sendo idntica nas
corrente substancialmente mais elevada do que no caso ante- restantes baterias concebidas.
rior e tambm um decrscimo na diferena de potencial aos
terminais da bateria. O grfico da fig.16 mostra a variao da Nestas condies, na conjectura mais provvel as cargas re-
corrente e da capacidade ao longo do tempo do ensaio, utili- sultam de ligaes no compensadas no interior da prpria
zando uma resistncia de 120. matriz de papel, da presena de ies OH- e H3O+ da gua ou
3.7. Prottipo
Fig. 19. Curva de transferncia do transstor de papel. VD = 15V.
O demonstrador final da tecnologia desenvolvida consiste
numa bateria, integrando em srie vrios elementos numa correspondente 10-8 A (estado OFF) e com cerca de +3V
nica folha de papel, capaz de fornecer uma tenso suficiente aplicados na porta, a corrente ID da ordem dos 10-5A.
para o controlo da porta de um transstor de papel (3V), ten-
do em vista a possvel aplicao de alimentao de circuitos Na montagem experimental, recorreu-se a uma associao em
electrnicos em papel. srie de 8 baterias (Cobre / Alumnio), concebidas de forma
planar numa nica folha de papel vegetal (fig. 20). O disposi-
Um transstor um componente elctrico de trs ou quatro tivo utilizado, extremamente flexvel, exibe uma tenso VOC
terminais, que actua como um interruptor (ON/OFF) pas- de cerca de 3V.
sagem de corrente. Os transstores de papel produzidos no
CENIMAT possuem trs terminais: a fonte (source), o dreno
(drain) e a porta (gate), conforme esquematizado na fig. 18.
O comportamento reprodutvel e estvel, tendo-se interrom- nentes electrnicos de baixo consumo. Adicionalmente, os
pido o canal 10 vezes durante os 400 segundos do ensaio. dispositivos mantm o desempenho elctrico quando so flec-
tidos, torcidos ou encurvados, o que evidencia a sua elevada
Uma vez que o fluxo de cargas entre a porta e o semicondutor flexibilidade. So invulgarmente leves, o que determinante
mnimo, no se verificou quebra na diferena de potencial em situaes onde a massa um factor a ter em conta.
aos terminais da bateria. Deste modo prova-se a possibilidade
de aplicao de baterias de papel no fecho (ou na abertura) do Foram estudados substratos de papel vegetal, normal e reci-
canal de transstores, comprovando-se assim a viabilidade da clado. Na globalidade dos casos, a diferena de potencial no
adaptao das baterias produzidas em circuitos electrnicos, varia de modo marcante com o tipo de matriz utilizada, mas
nomeadamente de papel. sim com o par de elctrodos escolhido.
As baterias produzidas exibem um comportamento electro- As matrizes celulsicas foram tambm alvo de estudos de im-
qumico bastante prprio. O pensamento inicial passava pela pregnaes. A soluo de LiClO4 em etanol destacou-se das
construo de baterias primrias descartveis, nas quais os demais, originando melhorias significativas na corrente. Con-
ies que sofrem reaces nos elctrodos seriam originados na sideraram-se concentraes de 0,5% e 3% (w/v), surgindo no
prpria constituio do papel (atravs de aditivos inseridos na segundo caso densidades de corrente superiores. Conclui-se
pasta do papel durante o seu fabrico). que a presena de um maior teor de ies (alcalinos) aumenta
a corrente debitada pelo dispositivo.
No entanto, o comportamento surpreendente de recuperao
das propriedades elctricas aps descargas, bem como o pro- O estudo efectuado sob condies de vcuo permitiu averi-
nunciado efeito das condies atmosfricas no comportamen- guar a dependncia dos dispositivos para com agentes atmos-
to da bateria, sugerem um funcionamento misto entre bateria fricos. Assim, analisaram-se ensaios sob atmosferas de oxi-
primria, secundria e clula de combustvel. gnio, azoto e de dixido de carbono e diferentes humidades
relativas. Dos agentes considerados, a humidade do meio o
Pretende-se com o termo bateria secundria enfatizar a parmetro com maior influncia nas caractersticas elctricas
possibilidade de os dispositivos no serem necessariamente das baterias. Os testes efectuados revelaram incrementos de
descartveis, pois a capacidade de regenerao possibilita 3 ordens de grandeza na corrente de curto-circuito, tanto em
uma utilizao repetida, no sendo necessria uma etapa de papel vegetal como em papel normal. A variao da corrente
recarga com consumo energtico. ocorreu entre as condies de humidade normais no labora-
trio 40-50% e uma humidade relativa de 90%. Este fenme-
Com a designao clula de combustvel, pretende-se sa-
lientar a dependncia dos agentes atmosfricos gasosos. Nas no est de acordo com a literatura, pois h mais de 60 anos
baterias produzidas, a humidade pode ser mesmo equiparada conhecido o efeito exponencial da humidade na conduo
ao combustvel das clulas de combustvel, sem o qual a cor- inica da celulose. Anlises de FTIR indicaram a estabilidade
rente gerada mnima. do papel em ambientes hmidos. Assim se confirma a viabi-
lidade de utilizao das baterias em ambientes mais hmidos
A estrutura das baterias simples, consiste no depsito de pe- quando se pretende maximizar a corrente debitada pelos dis-
lculas finas sobre ambas as faces do substrato. Os materiais positivos.
depositados constituem os elctrodos, podendo ser concebi-
dos na forma de mono-camada ou multi-camada (sucesso de Os testes de descarga com resistncias fixas permitem si-
vrios materiais sobrepostos na mesma face do papel). mular aplicaes reais. Um dos testes consistiu na descarga
de um dispositivo com 0,75V de tenso de circuito aberto,
As baterias produzidas denotam uma tecnologia pouco dis- que apresentou uma diferena de potencial estvel de 0,50V
pendiosa, ecolgica e eficiente para alimentao de compo- ao longo de 12h de teste. A estabilizao das caractersticas
elctricas durante os ensaios de descarga est associada aos [7] Linden D e Reddy T, Handbook of Batteries, McGraw-
agentes atmosfricos. Assim, conclui-se que possvel a ope- -Hill Handbooks, 3rd Edition, 2002, cap. 15;
rao em contnuo do dispositivo enquanto estes agentes se
mantiverem disponveis, um comportamento anlogo ao das [8] Nystrm G. et al., Ultrafast All-Polymer Paper-Based
clulas de combustvel. Batteries, Nano Lett. (2009), artigo ASAP;
Foram concebidas estruturas planares de 8 a 10 elementos [9] K. Lee, Two-step activation of paper batteries for high
associados em srie (estrutura Cobre / Alumnio), produzin- power generation: design and fabrication of biofluid-
do tenses de circuito aberto entre 2,5 e 4V. Este tipo de as- -and water-activated paper batteries, J. of Micromech
sociao, o prottipo final, possibilitou a comutao entre o Microeng., n 16 (2009) 23122317;
estado ON e OFF de um transstor de papel obtendo-se uma
boa resposta elctrica do dispositivo e a reprodutibilidade dos [10] V. Pushparaj et al., Flexible energy storage devices ba-
resultados. sed on nanocomposite paper, PNAS, vol. 104 n. 34
(2007) 13574-13577;
Os dispositivos de papel produzidos so apenas a primeira
etapa nesta rea tecnolgica que se espera desenvolver no fu- [11] X. Zhang, Patente WO 096033 A1 (2008);
turo prximo. So a demonstrao de uma tecnologia pass- [12] M. Hilder et al., Paper-based, printed zincair battery,
vel de integrao directa em circuitos electrnicos de papel. Journal of Power Sources,vol. 194 (2009);
Estes podero ser um dos componentes essenciais da electr-
nica (descartvel) do futuro. [13] Johnson L, Patente US 6,242,129 B1 (2001);
ment and Cultural Heritage, Mediterraneum Meeting, [26] Informao do Departamento de Qumica da Universi-
Junho de 2008; dade de Michigan, disponvel em http://www.cem.msu.
edu/~reusch/VirtualText/Spectrpy/InfraRed/infrared.
[23] Calvini et al., FTIR Analysis of naturally aged FeCl3 htm, acedido a 2 de Setembro de 2009;
and CuCl2-doped cellulose papers, e-PS, n. 5 (2008)
1-8; [27] Solomons G, Fryhle C, Qumica Orgnica, 7. edio,
LTC, 2000, cap. 2;
[24] Chen G, Huang Y, Deconvolution Method for Determi-
nation of the Nitrogen Content in Cellulose Carbama- [28] OSullivan J, The conduction of electricity through
tes, Chinese Chemical Letters, vol. 12 n. 4 (2001) 365 cellulose, The Journal of the Textile Institute, vol. 38
368; (1947) 271-306;
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