Tese AQuestaoda Gambiarra
Tese AQuestaoda Gambiarra
Tese AQuestaoda Gambiarra
Rodrigo Boufleur
São Paulo: FAU-USP, 2006
Gambiarra is a term frequently used in Brazil in an informal way, which has no direct
translation to other languages considering the meanings involved. In a general way, the word gambiarra
brings the idea of “improvisation”. Gambiarra can be understood as any process or necessary
procedure to constitute an improvised artifact or solution. It mostly refers to the design of these
artifacts, understanding it as a result of an alternative attitude that reveals strong cultural aspects front
the dialectic process between necessity and solution.
The intention of relate the terms design and gambiarra induce us into a reflection about values,
myths, and meanings; the contributions and the consequences of the objects in the composition of the
culture and the development of the post-modern society. The gambiarra issue1 involves topics about
designing artifacts and the rescue of the social role of the design activity. It talks about post-use;
innovation and sustainability; the garbage problem and the value of some disposed materials; the
necessity, creativity and solution process; the idiosyncrasy and the specific needs reality. It also involves
a small analysis of the Brazilian culture, and what this simple model of life has to say to the world.
1
The "Gambiarra" issue: Alternative ways to develop artifacts and its relations to the product design (A
questão da Gambiarra: Formas alternativas de desenvolver artefatos e suas relações com o design de
produtos) is a research theme created by Rodrigo Boufleur ([email protected]) in 1999 at his Industrial
Design graduation course in São Paulo, Brazil. It was presented as a Post-graduation Master of Science
Thesis in September 2006 in the University of São Paulo (USP).
* This document was implemented in the digital version of the Rodrigo Boufleur’s thesis (2006), with
the intention to provide international access and understanding of its main topics.
Apresentação 1
Dentre diversos significados relacionados, o termo gambiarra vem sendo
1
Esta apresentação foi elaborada em Abril de 2007, após a conclusão e publicação deste estudo. O presente
texto foi incluido nesta versão digital por melhor resumir e definir o tema apresentado.
Gambiarra é uma forma heteróclita de desenvolver uma solução; um processo baseado
no raciocínio projetivo imediato, elaborado a partir de uma necessidade particular ou algum
recurso material disponível, os quais proporcionam a constituição de um artefato de maneira
improvisada.. Ou seja, um processo baseado no raciocínio projetivo imediato, elaborado a partir
de uma necessidade particular ou algum recurso material disponível - os quais proporcionam a
constituição de um artefato de maneira improvisada. Esta relação nos leva a compreender a
gambiarra como um paradigma paralelo, o qual surge a partir dos limites e dos impactos
proporcionados pelo modelo industrial de produção e consumo.
O intuito de relacionar os termos design e gambiarra nos induz a uma reflexão sobre
valores, mitos e significados, as contribuições e conseqüências dos objetos na configuração da
cultura e no desenvolvimento da sociedade pós-moderna. A questão da gambiarra envolve temas
como o desenho de artefatos, o resgate da função social do design, a problemática do lixo, o
contexto da indiossincrasia e das necessidades específicas, bem como a identidade da cultura
material brasileira.
A Questão da
Gambiarra:
Formas Alternativas de
Desenvolver Artefatos e suas
Relações com o Design de
Produtos
Rodrigo Boufleur
São Paulo
2006
Rodrigo Boufleur
A Questão da Gambiarra:
Formas Alternativas de Desenvolver
Artefatos e suas Relações com o Design de
Produtos
São Paulo
2006
AUTORIZADA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE..
Ficha Técnica
CDU 7.05
Dedicatória
Aos meus pais, Arlindo e Lourdes Boufleur, esses professores que me serviram de
exemplo constante e presente para descobrir essa maravilhosa e digna profissão. Acredito que
represento uma realização que eles gostariam de ter alcançado.
Dedico também à memória do Prof. Dr. Telmo Pamplona (1947-2004). Sua atitude
instantânea em aceitar-me como orientando, acreditando nesta idéia e depositando em mim uma
grande confiança, permitiu que uma proposta embrionária atingisse o meio acadêmico. Tenho
certeza de que em algum lugar ele está feliz por saber da conclusão deste trabalho.
Agradecimentos
- A minha orientadora, a Profa. Dr. Maria Cecília Loschiavo dos Santos, por muitos motivos,
dentre os quais posso citar sua atuação profissional, seu verdadeiro apoio como orientadora, sua
atitude e visão abrangentes, sua pessoa querida.
- Ao meu primeiro orientador, Prof. Dr. Telmo Pamplona, por aqueles seus “pequenos” e
importantes conselhos e pela sua orientação neste trabalho.
- Ao Prof. Dr. Rafael Perrone e à Profa. Dra. Mônica Tavares, pelas excelentes contribuições e
conselhos na banca de qualificação.
- Ao Prof. Dr. Rafael Cardoso Denis, pelos elogios e sugestões quanto à temática desta pesquisa.
- Às Profa. Dra. Clice Toledo e Profa. Dra. Maria Assumpção Ribeiro Franco pelo interesse e
apoio ao tema.
- Aos colegas e professores que me acompanharam em 2003 e 2004 na disciplina AUP-608 e
muito me acrescentaram através do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE).
- A toda a equipe do Laboratório de Estudos sobre Urbanização Arquitetura e Preservação (LAP), ao
Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq)
pela oportunidade de Iniciação Científica, minha primeira relação com a FAU-USP.
- Aos funcionários da FAU: ao pessoal da secretaria da Maranhão – Isa, Cristina, Maria Rita,
Vilma, Miriam, Dinah, Sarah, Cilda, Ivani, ao pessoal da biblioteca Maranhão – Filomena,
Estelita e Maria José, e aos funcionários da biblioteca da FAU-USP: Rejane, Araci, Dina, Natália,
Ana Paula, Luciene, Letícia, Regina, Eliana, Mônica, Vilani, Emily, Edla, Célia, Osvaldo, Júlio,
Edimar pelo apoio técnico.
- A minha namorada e companheira Betinha, Arq. Elizabeth Mie Arakaki, essa japonesa nanica e
“espivetada”, pelo seu apoio, acompanhamento da pesquisa, revisão, conselhos sobre o texto e
convívio frutífero. Posso dizer que, sem ela, o resultado deste trabalho não seria o mesmo.
- Ao apoio da minha família: meu pai, Prof. Arlindo (aqueles velhos conselhos), minha mãe,
Profa. Lourdes, meu irmão Marcelo e a minha prima Joana.
- A minha amiga Camila Doubek, com quem sempre discuti a questão do design alternativo,
pelo apoio, pela sua grande contribuição e fotos.
- A minha amiga Juliana Camachi, pelas revisões nos textos.
- Ao meu amigo e designer Vinicius Oppido de Castro, pelas ilustrações.
- A muitos amigos e colegas que me deram dicas e sugestões (são muitos, e certamente estarei
esquecendo alguns – mil perdões): Adélia Borges, Alessandro Faria, Ana Lavos, Beth Grimberg,
Bia Factum, Caio Vassão, Cláudia Oliveira, Christian Rocha, Eliana Freitas, Ernesto Boccara,
Estevão Andozia Azevedo, Fábio Bellini, Felipe Mojica, Gabriela Gusmão, Hamilton Faria,
Hélio Mitica, Igor Giangrossi, Laner Azevedo, Lara Barbosa, Luciana Colombo, Luciana Pinto,
Luis Gustavo Della Noce, Luis Rodolfo Creuz, Marcelo Leite, Marco Aurélio Minozzo, Maria
Helena (LAP), Marili Brandão, Marly Russo, Masao Frone, Merlyn Braun, Mônica Brito, Pablo
Rodrigues Gonçalves, Paulo Dinni Staliano (Foca), Paulo Eduardo Pratscher, Paulo Souza, Rafic
Farah, Raquel Queiroz, Renata Eyer, Renato Cymbalista, Roberta Simon.
- À Boopy, minha cachorrinha beagle. O furacãozinho que me trouxe motivação.
- Aos meus óculos – importante instrumento de leitura, que, apesar de um tanto deteriorado e
remendado com solda, foi de grande valia em momentos de vista cansada.
- Enfim, a Deus e ao mundo.
Sumário
Dedicatória .............................................................................................. 05
Agradecimentos .............................................................................................. 07
Sumário .............................................................................................. 09
Resumo .............................................................................................. 11
Abstract .............................................................................................. 13
Histórico da Pesquisa .............................................................................................. 15
1. Introdução .............................................................................................. 19
Este estudo propõe a análise de paradigmas que se contextualizam a partir dos limites
dos conceitos tradicionais de design industrial. O objetivo é situar formas alternativas de design,
abrindo uma reflexão sobre o seu significado e suas contribuições no que se refere a questões
socioeconômicas e ambientais. O termo gambiarra – visto como uma “técnica” ou procedimento
alternativo – é escolhido aqui para representar essas diversas práticas usadas parar configurar
artefatos improvisados, porém relacionando-as à realidade brasileira. Esta idéia, quando
vinculada a conceitos e proposições no que concerne ao design, provoca uma série de reflexões e
questionamentos em torno da constituição destes artefatos no universo da cultura material
brasileira.
This research proposes the overview of the paradigms that comes from the limits of the traditional concepts
of industrial design. The objective is to study alternative types of design, introducing reflections about the meaning
and their contributions to social and environment subjects. Gambiarra, a Brazilian original term, usually
translated to the expression “make do”, and seen as an alternative procedure, is used to represent those practices
that provide improvised artifacts, however relating them to the Brazilian reality. This idea, when related to
propositions and concepts of design, contributes with a range of reflections about the constitution of these artifacts
on the universe of the Brazilian material culture.
Key-words: Material Culture: Brazil, Design Theory, Industrial Design: Post-use, Bricolage: Improvisation,
Sustainable Development: Valuable Rubbish: Specific Needs, “Brazilian way”.
Histórico da Pesquisa
Após sete anos trabalhando com esta temática, em alguns momentos, mais intensamente,
em outros, menos, entendo hoje o que Thomas Edison queria dizer a respeito de suas invenções:
5% inspiração / 95% transpiração. Posso dizer que a maioria das idéias contidas nesta pesquisa
já faziam parte de minha intuição desde que comecei a pensar sobre o tema; no entanto, a grande
diferença se dá na maneira em como apresentá-lo, nas fontes que são citadas e nas pesquisas que
fazemos para conhecer estudos e experiências relacionadas.
Se em algum momento este trabalho parecer encerrar uma verdade, fique claro que a
intenção dele é estimular reflexões e estruturar a formulação de algumas hipóteses em torno da
cultura material, a partir de fatos do cotidiano e de idéias previamente desenvolvidas a respeito de
design. Em muitos casos, o propósito não é configurar respostas, mas sim formular perguntas
pertinentes à existência de alguns artefatos.
Esta dissertação de mestrado teve início em Agosto de 2003 sob a orientação do Prof.
Dr. Telmo Pamplona. Olhando para trás, vejo como estes três anos, apesar de parecerem muito
tempo, proporcionaram a dimensão exata para o amadurecimento e assim, a reflexão mais
consciente desta pesquisa. Confesso que as aulas da Profa. Dra. Maria Cecília Loschiavo dos
Santos, respeitada estudiosa de temas sócio-ambientais em relação ao design, e minha atual
orientadora, contribuíram bastante para que eu conhecesse uma série de estudos próximos aos
da questão da gambiarra.
Posso dizer também que foi por meio do verdadeiro perfil abrangente e da característica
interdisciplinar da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) que
esta temática encontrou um lugar onde pudesse ser explorada. As contribuições da FAU
condicionaram oportunidades singulares de erudição, mas também transcenderam o plano
intelectual: permitiram que eu extrapolasse limitações pessoais, proporcionaram enriquecimento
espiritual, me trouxeram mais maturidade, e apresentaram pessoas por quem tenho hoje muita
estima e admiração. Enfim, esses três anos agregaram valores perenes em minha vida. A FAU
para mim significou muito mais do que uma instituição conceituada onde eu pudesse buscar uma
titulação acadêmica, foi aqui que fui verdadeiramente “acolhido”, e onde hoje me sinto como se
estivesse em minha casa. Ainda sobre a FAU, quero reservar um grande destaque e importância
ao excelente acervo de sua biblioteca, a qual me forneceu o principal subsídio: os livros.
Toda essa conjuntura se encaixou a partir do momento que passei a observar a maneira
como as pessoas respondiam a essas e outras situações: por meio do jeitinho. Percebi que, além de
uma estratégia de sobrevivência, tratava-se de uma questão central quanto ao estudo da cultura
material brasileira.
Essa escolha como tema para trabalho final de graduação gerou controvérsias na época.
Alguns professores se posicionaram a favor e outros, contra. Era alegado que a pesquisa teria
abordagens de “artesanato”, não estaria relacionada a design, visto seu caráter não-industrial, e
que talvez, o estudo, por ser “teórico demais”, seria mais adequado a uma faculdade de filosofia.1
1
É interessante citar aqui um desdobramento, sem intenção de polêmica ou conflito, pois se trata de um
contraste hilário: Enquanto no presente estudo existe uma abordagem socioeconômica e ambiental, enfatizando
Frente ao revés, o tema teve de ser adaptado, motivado pela escolha do produto a ser
desenvolvido. Como sempre existe um lado positivo, esses impasses foram úteis por acrescentar
mais estímulo a este tema, o qual passei a encarar como uma missão e um desafio futuro. Aqui
está o primeiro resultado.
Rodrigo Boufleur
São Paulo, Agosto de 2006
como grande preocupação entre outras, a questões como a Gestão do Lixo, existem hoje entidades
educacionais oficialmente preocupadas com algo curiosamente denominado “Gestão do Luxo”.
1. Introdução
A Questão da G mbi rr
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
1. Introdução
O que gambiarra tem a ver com design? Os adjetivos usados para descrever o termo
gambiarra costumam muitas vezes lembrar algo feio, precário, ordinário; enquanto a pronúncia de
“design” é entendida, geralmente, como algo nobre, de qualidade, bonito e valioso. Em um
primeiro momento, a idéia de relacionar gambiarra e design pode parecer petulante. Mas este intuito
provoca uma série de reflexões, que se colocam além de uma mera questão estética ou financeira.
Ao se falar em objetos, necessidades e soluções, veremos ao longo deste estudo que nem sempre
design é de todo uma prática positiva, benevolente, confiável; e tampouco gambiarra seria o oposto.
Em outras palavras, nem sempre os produtos industriais representam real utilidade e benefício
comum, e nem os objetos improvisados são sinônimos de problemas, prejuízo ou
inconveniência.
Ao analisar a pluralidade de artefatos existentes, podemos notar que estes podem revelar
muitas informações sobre a forma como foram constituídos – os procedimentos usados, os
objetivos investidos, além de representar idéias e significados. Esse contexto diz respeito à
diversidade cultural, e por meio desta análise é possível compreender muito a respeito de um
determinado indivíduo a quem este artefato remete, ou numa visão mais abrangente, a um
determinado povo. Ainda, os documentos históricos, a partir de suas análises, também nos
informam a respeito do que se pensa sobre cultura material em um determinado tempo ou lugar,
seja de seu próprio contexto ou alheio a ele.
1
Entenda-se artefato pela seguinte acepção: “4. Forma individual de cultura material ou produto deliberado da
mão-de-obra humana”. HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 1999.
21
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
2
Vide BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: O Design no Impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M.
Bardi, 1994; RUGIU, Antonio Santoni. Nostalgia do Mestre Artesão. [1988] Campinas, SP: Autores Associados,
1998; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. [1936] Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1971.
3
BARDI, 1994; BORGES, 1999; BORGES, 2003; BONSIEPE, 1983; DENIS, 2001; MAGALHÃES, 1985;
MALDONADO, 1976; MALDONADO, 1991; PACEY, 1992; PAPANEK, 1971; SANTOS, 2003; RUDOFSKY,
1987; STAIRS, 2002
22
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Dentre as muitas possibilidades que se afiguram nessa condição, este estudo busca
levantar questões e propor reflexões, identificando, a partir de uma visão particular, um
conjunto de práticas, isto é, de determinados fenômenos da cultura material no Brasil. Aqui
escolhemos o termo gambiarra para representá-los; o qual também servirá para recorrer outras
práticas em condição similar, e que porventura, para alguns, não mereçam esta denominação.
Segundo a principal acepção descrita num dos mais recentes dicionários brasileiros
(HOUAISS, 1999), gambiarra é uma “extensão elétrica, de fio comprido, com uma lâmpada na
extremidade, que permite a utilização da luz em diferentes localizações dentro de uma área
relativamente grande” 4. Esta, porém, é uma descrição mais comumente usada em Portugal. Em
qualquer loja de materiais elétricos, encontra-se na lista de produtos, um objeto chamado
“gambiarra”. Trata-se de um artefato que contém uma lâmpada, além de um fio comprido para
levar luz a um ponto distante da tomada (fonte de eletricidade). No Brasil, dificilmente é
apresentado este produto, caso seja mencionada a palavra “gambiarra”. O que significaria
gambiarra em seu uso corrente no Brasil ? De uma forma geral, e nas seguintes acepções, as
referências relacionam o termo gambiarra à idéia de “extensão”. Neste sentido, outra forma
freqüentemente utilizada para denominar “gambiarra” é o uso informal da palavra “gato”, ou seja,
uma extensão elétrica fraudulenta. A etimologia do termo tem origem obscura e duvidosa 5,
mas acredita-se que seja uma derivação do latim gamba, que significa “perna”.
Hoje, talvez por uma evolução do significado, o uso informal do termo muitas vezes
reflete idéias como “adaptação”, “improvisação”, “dar um jeito”, “conserto” ou “remendo”. Essa
forma de entender a palavra gambiarra já vem sendo incorporada pela cultura erudita. Um
indicador, por exemplo, é a existência de obras artísticas recentes. Dentre algumas, a exposição
“A Poesia da Gambiarra” 6 com trabalhos do artista paraense Emmanuel Nassar – já apresentada
no Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro em 2003 e o Instituto Tomie Othake – São Paulo
em 2004; a exposição da “Série Gambiarra” de fotografias de Cão Guimarães apresentadas no in-
Site-05 em San Diego, Estados Unidos, e no Arco’06 – Feira Internacional de Arte
Contemporânea de Madrid; e a exposição “Gambiarra – The New Art from Brazil” apresentada
no Firstsite Gallery em Colchester, Inglaterra. O surgimento desta variedade de trabalhos motivou
4
HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 1999, p. 1423.
5
Ibidem
6
NASSAR, Emmanuel. A Poesia da Gambiarra. Rio de Janeiro: C. Cultural Banco do Brasil, 2003
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
a crítica de arte Lisette Lagnado a profetizar a necessidade de uma análise mais profunda do tema,
através do ensaio O Malabarista e a Gambiarra, publicado pela revista digital Trópico 7.
Frente aos rumos que o uso do termo tem tomado, gostaríamos de tentar propor uma
definição, a partir de quem o considera sob a ótica da cultura material. De uma maneira genérica,
7
Fonte: www.uol.com/br/tropico (acesso em 05 de Setembro de 2005)
8
Para maiores compreensões sobre o conceito de bricolagem, consulte a introdução de LÉVI-STRAUSS,
Claude. O Pensamento Selvagem. [1966] São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1970.
9
Vide MATTA, Roberto da. O que faz o Brasil, Brasil? [1984] Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1991.
10
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 1997, p. 178.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Seja porque uma determinada peça do ventilador quebrou e precisa de conserto imediato
ou porque é muito mais fácil dar um “jeitinho” do que procurar alguma loja que venda um
esquisito parafuso; seja porque não se fabrica mais a maçaneta da porta de um carro antigo ou
porque não há dinheiro para comprar uma vassoura; seja porque o apagador de lousa não se
enquadra nas proporções da mão nem no jeito de manipulá-lo ou porque não existe uma cadeira
de rodas que se adapte às condições atmosféricas e de relevo em que se vive; seja porque não se
encontra uma mochila com características que correspondam à maneira de viver de um indivíduo,
muitas vezes somos convidados a partir para a busca de uma solução não convencional. Uma
das condições que parecem motivar estes tipos de solução é a existência das necessidades
específicas ou insólitas. Deste momento em diante, segue o uso de algum recurso ou material
disponível (veja bem, não necessariamente adequado) – e vale então o raciocínio inventivo, a
capacidade criativa, para se obter os mais variados resultados. Enfim, as gambiarras estão sempre
relacionadas a um contexto peculiar, uma conjuntura de situações que não se repetem de forma
padronizada, nem costumam ser previsíveis. É natural, assim, encontrarmos diversos exemplos
de objetos que são transformados, pequenas adaptações que são feitas para melhor adequar a
função de um produto, artefatos que são criados a partir de resíduos de outros, ajustes, consertos,
remendos improvisados dentro das condições cabíveis naquele instante. É possível que tenhamos
passado desatentos até aqui, mas sob o olhar de um assunto muito comentado atualmente,
11
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. As Cidades de Plástico e Papelão. Tese de Livre-docência, São Paulo:
FAU-USP, 2003, p. 75.
12
Veja conceitos sobre o termo em BARBOSA, Livia. O Jeitinho Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.
33.
25
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
entender e aprimorar a prática da gambiarra pode significar uma real contribuição para nosso
desenvolvimento sustentável.13
13
O termo desenvolvimento sustentável representa um conceito definido pela Conferência sobre Meio
Ambiente de Estocolmo, 1972, e não se refere apenas aos problemas do meio físico, mas a uma visão sistêmica
que envolve também as dimensões econômica, social, política, científica, tecnológica e cultural. Veja SOARES,
Fávia. Quando o eco-design é mais verde. In: Estudos em Design, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, 1999, pg. 77-93.
14
BUCKMINSTER FULLER, Richard. Manual de operação para a espaçonave terra. [Operating Manual For
Spaceship Earth, 1963] Brasília: Ed. Universidade, 1985
15
É importante lembrar que os processos de reciclagem ainda são muito limitados, outras vezes
excessivamente dispendiosos, e até inviáveis. Existe muita coisa que não pode ser reciclada. Um exemplo disso
são os objetos constituídos de materiais híbridos
(veja www.uniagua.org.br/website/default.asp?tp=1&pag=cur_220206.htm). Outras fontes interessantes para
pesquisar esse assunto são: Instituto Polis/Beth Grimberg: www.polis.org.br, e a Menos-Lixo/Patrícia Blauth:
www.menoslixo.com.br.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
guardanapos, barbantes, fita crepe, pasta de dente, trapos de pano, fios elétricos, elementos pré-
fabricados (materiais pré-industrializados) ou quaisquer outras peças e objetos em geral.
Curioso é que paralelamente à questão do lixo rico, todos nós – por sermos seres
individuais e variados – possuímos características muito particulares ou raras, as quais,
possivelmente em algum momento, demandam diferenciais nos artefatos que utilizamos. Muitas
vezes vemos pessoas marginalizadas pela sua condição singular, como o caso dos portadores de
deficiência, das pessoas que possuem medidas incomuns, ou até daqueles que “insistem” em
adotar um hábito de vida diferente da maioria. Como desenvolver produtos em série para atender
essas mais variadas necessidades?
Percebe-se que a maior parte do que foi comentado sobre gambiarra até aqui se refere a
um fenômeno em nível mundial, mas, por que usar um termo incomum (entre muitos outros que
poderiam ser utilizados) para definir algo que não acontece somente no Brasil? Essa pergunta
remete a questões relacionadas à cultura e identidade, um campo de investigação um tanto
amplo, no qual não iremos nos aprofundar.17 Podemos, entretanto, sugerir um apontamento: uma
solução alternativa somente vai existir a partir do momento em que temos consciência de que é
16
Vide o modelo de design industrial sugerido por Gillo Dorfles (1968) e o princípio “Arte e Indústria” de Nicolaus
Pevsner (1936).
17
O tema “cultura e identidade” relacionado à artefatos improvisados mereceria uma pesquisa inteira voltada
apenas para esta questão. Um referencial brasileiro que podemos sugerir como ponto de partida na área de
design é o trabalho de Maristela Ono. Veja ONO, Maristela M. Design Industrial e Diversidade Cultural:
Sintonia Essencial. Tese de Doutorado, FAU-USP, São Paulo, 2003.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
possível fazê-la. Se, através da formação cultural do povo brasileiro, estamos acostumados a
grandes contradições, em meio a uma completa miscigenação cultural18, a tendência é que
estejamos mais propensos a visualizar, e que tenhamos mais facilidade de lidar com situações
heteróclitas. Parece existir uma proximidade entre o que se entende como jeitinho brasileiro e o que
se entende como gambiarra. Tudo indica que o uso corrente destes dois termos se trata de um
fenômeno recente, e que vem se intensificando com o crescimento da consciência do povo
brasileiro quanto a sua cultura, origem e identidade. Assim, para resumir suas prováveis causas, a
gambiarra parece depender de uma condição social ou econômica (a existência necessidades
específicas), aliada a uma condição ambiental (disponibilidade de recursos materiais), e é provável
que seja também intensificada por elementos do nosso modelo cultural (pelo nosso “jeitinho
brasileiro” de ser).
Voltando à questão da cultura material, por que relacionar design com gambiarra? Não é
casual nosso intuito de relacionar as duas práticas. Design e gambiarra são termos que podem ser
tanto bem como mal interpretados. Os artefatos produzidos através do que se denomina por
gambiarra são muitas vezes entendidos como alegorias, como objetos de teor apenas figurativo –
visão esta que é ainda mais intensificada por se considerar que o Brasil é o “país do carnaval”.
Essa abordagem ofusca a possibilidade de se analisar estes fenômenos como o reflexo de uma
problemática sócio-cultural e ambiental, reduzindo a atenção apenas a questões estéticas ou ao
seu aspecto insólito, festivo ou bizarro. Pudemos anteriormente notar algumas idéias positivas
quanto à prática da gambiarra, no entanto, a visão predominante é de que se trata de uma prática
inferior, paupérie, indigna – o dito “lixo”.
Enquanto o termo gambiarra costuma ser associado à qualidade do feio, design costuma ser
associado à qualidade do belo. Reina hoje uma espécie de mito dos “artefatos de design”. Em
substituição a, ou em conjunto a outros meios, o design tem sido usado como uma das formas de
demonstrar opulência, de ostentar, de remeter à idéia de poder19. Uma das maneiras de atribuir
estes valores ao design acontece na forma como estes artefatos costumam ser apresentados:
verdadeiros monumentos, obras sagradas, objetos intocáveis. Segundo o filme Muito Além do
Cidadão Kane 20, a maioria dos telespectadores da emissora de televisão Rede Globo não possui
condição econômica para adquirir os produtos difundidos em sua programação. Dentre estes e
18
Vide FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. [1933] Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1978.
19
Vide FAGGIANI, Katia. O Poder do Design: da Ostentação à Emoção. Brasilia: Thesaurus, 2006
20
Muito além do Cidadão Kane. Título original: “Beyond Citizen Kane”, 90 min. Diretor: Simon Hartog. Chanel
Four BBC: 1993. O documentário teve sua exibição proibida no Brasil por meio de uma ação de Roberto Marinho
em 1994. Disponível para download em: www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/08/260618.shtml
28
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
21
outros contextos, forma-se um imaginário por trás dos “objetos do desejo” – os quais são
também curiosamente denominados como “sonhos de consumo”, especialmente perante a
população periférica. Com isso, muitos artefatos de extrema utilidade e benefício deixam de
receber seu devido valor. A situação se agrava ao observarmos o modelo de consumo que
população desprivilegiada adota: completamente incoerente, já que está baseado em prioridades
invertidas e valores deturpados. Esse “prestígio” por trás dos artefatos de design acaba também
provocando um grande repúdio por parte de outros, que identificam o termo como a própria
representação contemporânea de clímax do materialismo, no sentido de ser o mais elevado culto
aos bens materiais – o dito “luxo”, que remete a comportamentos condenáveis como a
arrogância, a cobiça, o supérfluo, o hedonismo e a magnificência. Ocorre que design não é luxo.
Design não é beleza, nem estética. Design não é estilo. Independentemente de seu teor industrial,
visto diversos conceitos e proposições 22, design é uma área de conhecimento, é uma atividade de
grande importância social. Design é um fenômeno que faz parte da vida de todos, e que, portanto,
não deve ser banalizado. Para devolver o lugar e importância ao design, o caminho parece se
encontrar pelo processo de conscientização, a desmistificação de alguns valores sócio-culturais
atribuídos ao termo.
Este estudo visa, entre outros objetivos, contribuir na derrocada destes mitos. Enquanto
design parece uma realidade distante para muitos, gambiarra é uma realidade próxima para a
maioria. A difusão da idéia de aproximar gambiarra e design tende a colaborar com a quebra de
alguns paradigmas insustentáveis; um passo para se re-pensar alguns preconceitos quanto à
recuperação, à recauchutagem, ao reaproveitamento, à restauração, à reutilização, ao uso de
artefatos improvisados, reparados, recuperados; ao que entendemos aqui como a prática da
gambiarra.
21
Vide FORTY, Adrian. Objects of desire. Design and society since 1750. [1986] Thames and Hudson –
London, 1995
22
Entre diversas, destacamos a do ICSID, a de Gui Bonsiepe (BONSIEPE, 1997) e de Tomas Maldonado
(MALDONADO, 1991).
29
2. Idéias sobre Gambiarra
A Questão da G mbi rr
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
O que significaria gambiarra em seu uso corrente no Brasil? Segundo Houaiss, o registro
oficial mais antigo do termo seria do Diccionario Contemporaneo da Lingua Portuguesa (1881), de
Francisco Júlio Caldas Aulete. No entanto, em nenhum outro dicionário antigo pesquisado foi
encontrado o termo gambiarra. Citamos alguns deles: o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa
(1889), de Antônio Joaquim de Macedo Soares; Novo Dicionário Nacional (1928), de Carlos
33
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1
NASCENTES, Antenor. Dicionário Básico do Português no Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1949;
FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Contemporâneo. [1953] Porto Alegre: Editora Globo, 1970.
2
NAVARRO, Fred. Dicionário do Nordeste - 5000 palavras e expressões. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
3
HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Objetiva, 1999.
34
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Atualmente, o termo gambiarra tem recebido interpretações que o configuram como uma
atitude de improvisação, criatividade, solução alternativa, conserto improvisado. Uma boa
referência popular e contemporânea sobre os significados, aos quais o termo gambiarra tem sido
atribuído, pode ser encontrada na Internet. Em mecanismos de busca e sites de relacionamento
virtual são prolíferas as diversas intepretações. Em apenas um site específico de comunidades
virtuais, foram vistos 107 grupos relacionados ao tema. Veja alguns exemplos:
Essa interpretação informal vem sendo também incorporada pelo erudito. Um indicador
é a existência recente de algumas obras artísticas relacionadas. Dentre alguns exemplos, a
5
exposição “A Poesia da Gambiarra” com obras do artista paraense Emmanuel Nassar – já
apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ em 2003 e o Instituto Tomie Othake – SP em
2004; a exposição da “Série Gambiarra” de fotografias de Cão Guimarães apresentadas no in-Site-
05 em San Diego, Estados Unidos, e no Arco’06 – Feira Internacional de Arte Contemporânea de
Madrid; e a exposição “Gambiarra – The New Art from Brazil” apresentada no Firstsite Gallery
em Colchester, Inglaterra; onde se apresentou a seguinte definição:
4
Fonte: www.orkut.com (acesso em 27 de outubro de 2005)
5
NASSAR, Emmanuel. A Poesia da Gambiarra. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003
35
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6
Fonte: www.gasworks.org.uk/shows/brazil/ (acesso em 03 de Março de 2005)
36
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Fig. 05 – Fotografias de Cão Guimarães expostas na “Feira de Arte Contemporânea Arco’06” em Madri.
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Estas definições vêm de encontro aos conceitos de bricolagem. Segundo Houaiss (1999),
o termo bricolagem, de uso também mais corrente em Portugal, deriva do termo francês bricolage,
significando “trabalho intermitente” 7. Para Lévi-Strauss (1977), o verbo bricoler originou-se das
situações de acaso em jogos como de bilhar e equitação, para evocar um movimento incidental.
Essa proposição levou David Snow (apud SANTOS, 2003) a sugerir o uso metafórico do
termo bricoleur para designar qualquer indivíduo que inventa soluções não convencionais, mas
pragmáticas, para problemas urgentes 8. No Brasil, costuma-se muitas vezes usar a expressão
“jeitinho brasileiro”, derivada da idéia de “dar um jeito”, para explicar este tipo de situação,
fazendo jus a um comportamento típico que o povo brasileiro adota frente às vicissitudes ou
adversidades do cotidiano.
7
Bricolagem s.f. trabalho ou conjunto de trabalhos manuais feitos em casa, na escola etc., como distração ou
por economia. USO gal. mais corrente em Portugal. ETIM fr. bricolage 'trabalho intermitente', der. de bricoler
(1480) 'movimento de ir e vir', de orig.contrv. HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. Editora
Objetiva. São Paulo, 1999.
8
SNOW, David. Material Survival Strategies on the street. Homeless People as Bricoleurs. In: Baumohl, J.
(ed). Homelessness in America. Phoenix, Oryx Press 1996.
38
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definições muito próximas. Vista esta condição, é oportuno indagar: em vez de usarem o termo
bricolagem, por que muitas pessoas estariam utilizando o termo gambiarra? Será que, se não existisse
a expressão jeitinho brasileiro, o termo gambiarra estaria ainda assim sendo usado desta maneira?
Em vista destas condições, gostaríamos o presente estudo relaciona estes tipos de prática
com a atividade do design. Essa abordagem parte da análise do universo dos artefatos
improvisados e propõe reflexões e questionamentos que se dão nas esferas cultural, sócio-
econômica e ambiental. Nossa análise começa na compreensão dos tipos de intervenção que
levam os objetos a se configurem desta maneira.
39
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
40
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Fig. 06 – Neste exemplo, temos um ciclista que utilizou uma mochila como meio de transportar seu cachorro.
Fig. 07 – Neste outro exemplo, um pregador é usado para prender uma pauta musical nas costas de um músico.
41
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Fig. 08 – Neste exemplo, temos uma banheira utilizada como contêiner para comportar bebidas e gelo.
Fig. 09 – Neste outro exemplo, um suporte de fichário é usado para pendurar utensílios domésticos.
42
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Fig. 10 – Para que sua função (tocar discos de vinil) fosse mantida, uma vitrola foi consertada, com a inclusão de
uma peça.
Fig. 11 – Neste outro exemplo, um chinelo recebe uma “sobrevida” com o uso de clipes para prender a alça de
apoio.
43
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Fig. 12 – Aqui, um cano de PVC sofreu intervenções físicas, para se transformar em uma flauta.
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Fig. 14 – Neste exemplo, objetos como colheres receberam peças extras, para que pudessem ser utilizados por
pessoas portadoras de deficiência física.
Fig. 15 – Neste outro exemplo, uma lata de refrigerante com uma membrana elástica é colocada no lugar da agulha
da vitrola. Uma pequena ponta da lata encosta no disco e envia vibração mecânica, fazendo com que a membrana se
transforme num pequeno auto-falante.
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Fig. 16 – Através da necessidade de manter um caderno de anotações e prender outros pertences, este ciclista
desenvolveu um artefato sobre sua bicicleta utilizando peças gerais.
Fig. 17 – Outro Exemplo. Um “lavabo” desenvolvido por um vendedor ambulante para atender a necessidade
higiênica de sua clientela.
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1. Existência de uma Necessidade: O que você precisa? Por quê? Para quê?
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1. Estado de Pobreza
50
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* É muito comum encontrar artefatos improvisados pela população de baixa ou nenhuma renda.
1
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. As Cidades de Plástico e Papelão Tese de Livre-docência, São
Paulo, FAU-USP, 2003, p. 75.
51
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2. Meio de Vida
2
GUSMÃO, Gabriela. Rua dos Inventos: Desenho Industrial e Responsabilidade Social. In: Perspectivas do
ensino de design na pós-graduação, 2001, São Paulo, p. 190.
52
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Fig. 19 – Um recurso improvisado muito utilizado hoje por vendedores ambulantes. O ambulante aproveita a visibilidade,
proporcionada pelo retrovisor, para expor seu produto.
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Fig. 20 – Com um balde de alumínio, uma alça de panela e uma lata de ervilha, temos um display e fogareiro para
vender amendoins no trânsito. Destaque também para o formato cônico das embalagens de amendoim.
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Fig. 21 – Neste exemplo, temos um vendedor ambulante que desenvolveu um artefato improvisado. Este objeto proporciona
uma função de rápido recolhimento dos produtos que vende, para o seu sustento próprio (aparentemente “ilegais”), a fim de
fugir da fiscalização.
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3. Condições Adversas
As adversidades existem em qualquer lugar. Elas podem acontecer com qualquer pessoa,
independentemente de sua condição social ou poder aquisitivo. Mas para as pessoas com
condição de vida mais precária existe uma propensão muito maior a situações indesejáveis. Neste
sentido, Victor Papanek (1992) considera que as pessoas que enfrentam as maiores condições de
adversidade possuem a tendência a se qualificarem como os melhores designers.
3
PAPANEK, Victor, Arquitetura e Design - Ecologia e Ética. [The Green Imperative] Lisboa: Edições 70, 1995,
p. 250. Trecho extraído de entrevista a revista Tools (PAPANEK, Victor. The best designers in the world? In:
Tools, v.3, n. 3, 1992)
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Pelas trilhas e montanhas da Vila de Paranapiacaba – Santo André - SP, o ativista ecológico
Antônio do Caneco Verde, popularmente conhecido como “Caneco”, segue sua rotina ativista na
defesa do meio ambiente. Caneco recolhe lixo deixado pelos turistas, promove caminhadas para
conscientização, e treina voluntários que colaboram neste recolhimento do lixo nas trilhas.
Nas noites de fim de semana, Caneco percorre as diversas trilhas para resgatar pessoas
que não encontraram o caminho de volta, ficando presas com a chegada da escuridão. Para ajudá-
las a encontrar uma direção, Caneco monta e lhes entrega um artefato muito simples: uma
lanterna de lata, baseada nos recursos locais disponíveis (lixo deixado pelos visitantes),
orgulhosamente batizada de “laterna”.
A “laterna” é criada a partir de uma lata de metal reaproveitada (como as latas que
vendem pêssegos em conservas ou maior). No centro do seu interior, um pedaço de vela é preso
com a própria cera derretida. No fundo da lata, para evitar o impacto do vento que apaga a vela,
são feitos furos que proporcionam escoamento do ar. Finalmente, um arame simples é preso nas
extremidades da lata, servido como alça de suporte para que o usuário não queime a mão. A
quantidade de iluminação é considerada muito boa, pois a abertura frontal da lata ajuda a
direcionar a luminosidade da vela, que é intensificada graças ao material reflexivo da lata.
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Fig. 22 – O objeto acima, popularmente conhecido como “laterna”, é um artefato criado em uma condição adversa.
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4. Vicissitudes
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5. Diferencial Estratégico
4
Fonte: http://inventabrasilnet.t5.com.br/anelgreg.htm (acesso em Março de 2005)
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 25 – Rádio automotivo instalado de maneira alternativa ao padrão (afundado e com tampa falsa) para evitar furto.
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6. Consertos Improvisados
Muitos objetos, com o passar do tempo, e devido aos impactos da sua utilização, acabam
quebrando, desgastando, perdendo peças, enfim, sofrendo alguma avaria. Muitos deles não se
encontram em condições de um conserto que restabeleça suas propriedades originais - o destino
natural seria o lixo. Em vista de uma tentativa de reaproveitamento, vários consertos são feitos de
maneira improvisada, proporcionando freqüentemente um aspecto visual diferenciado, às vezes
curioso ou agradável, às vezes não.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
5
Fonte: http://www.robotsmovie.com/intl_splash.php?country=BR (acesso em Fevereiro de 2006)
66
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8. Redução de Custos
Existem situações nas quais utilizar uma solução convencional implica o investimento de
muito dinheiro. Este já seria um primeiro motivo para a opção por uma solução alternativa. A
situação é intensificada quando o procedimento normal representa um valor exagerado ou
injusto. Ao exemplo desta questão, devido ao elevado custo de um cartucho de impressão novo, o
procedimento de recarga de cartucho tem sido cada vez mais adotado. Os custos de um cartucho
novo chegam a quase metade do valor da própria impressora. Até hoje, os fabricantes deste
produto desencorajam a prática da recarga, definindo-a como uma prática “marginal”, apesar de
seus visíveis benefícios ecológicos (reaproveitamento e a permanência do cartucho), além da boa
economia proporcionada para o usuário final.
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Fig. 31 – Solução não convencional usada na construção de um muro: um cano de PVC utilizado para a leitura do
registro de consumo elétrico.
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6
Há muitas propostas alternativas relacionadas ao design para reverter esta prática. Veja MANZINI, Ezio e
VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. Os requisitos ambientais dos Produtos
Industriais. São Paulo, EDUSP, 2002.
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Fig. 35 – Neste exemplo, uma peça extremamente frágil danificada pelo simples uso. Essa condição
favorece aos consertos improvisados.
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7
“Químicos reciclam pedaços do cotidiano” In: Folha de São Paulo / Folha Ciência, 23 de Setembro de 2003.
8
http://inventabrasilnet.t5.com.br (acesso em Março de 2005)
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Muitos dos casos descritos até aqui podem considerar-se exemplos de “necessidades
específicas”. Sabemos que qualquer artefato industrial é fabricado em grandes quantidades. Uma
necessidade exclusiva não é referência para a fabricação de um produto industrial, pois iria torná-
lo economicamente inviável. Imaginamos que devido a esse fator, existam muitas necessidades
para as quais simplesmente não existe uma solução na forma de produto.
No Rio de Janeiro há uma
Organização Não Governamental que
atua com pessoas portadoras de algum
tipo de impedimento proporcionado
por dificuldades de locomoção,
movimentação, ou características
físicas minoritárias. O trabalho desta
ONG, conhecida como Centro de Vida
Independente do Rio de Janeiro (CVI-RJ) 9,
é ajudar estas pessoas com anomalias
físicas a terem condições próprias para
uma vida independente, superando
suas limitações e adquirindo
autonomia para tomar as próprias decisões. Dentre outras iniciativas, destacamos a Oficina de Vida
Independente, coordenada por Renata Eyer, designer e professora da Pontifica Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ). O propósito desta oficina é elaborar artefatos específicos. Cada
indivíduo recebe uma atenção direcionada, pois existem diferentes tipos de deficiência, e se não
bastasse tal especificidade, suas maneiras com que cada um lida com a situação, dão-se de uma
forma particular.
Vilma de Souza, 39, secretária do CVI-RJ, é uma das pessoas com características
incomuns: ela não possui nenhum dos braços. Mas realmente incomum, é a sua atitude. Em
resposta a sua suposta “limitação”, para poder datilografar no computador, Vilma desenvolveu a
destreza de digitar com a própria língua. As reações e respostas que pessoas portadoras de
deficiência costumam ter frente a suas dificuldades geralmente são imprevisíveis.
9
Consulte o site do CVI: www.cvi-rio.org.br
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 41 – O que fazer se não existem produtos para necessidades que não são comuns à
maioria das pessoas?
Fig. 42 – Um dos artefatos criados pela designer Renata Eyer: designers não projetam apenas
artefatos industriais.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Quem trabalha em uma destas três áreas sabe os grandes desafios que são enfrentados a
cada dia. A demanda por composição de cenário e necessidade instantânea de artefatos e soluções
materiais proporcionam à equipe de produção um ritmo de trabalho quase frenético.
No cinema, numa época anterior à tecnologia dos computadores avançados, para criar
efeitos especiais, eram usadas as mais diferentes estratégias. A fita crepe, por exemplo, é
considerada um elemento essencial para a realização destas atividades. As expressões “trucagem”
e “traquitana” são também muito comuns, e se referem à “técnica” de improvisação, de
criatividade, de artimanha, do ato de buscar e utilizar de maneira versátil os recursos materiais
disponívies.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 43 – Peça de Teatro encenada como parte de Trabalho Final de Graduação do aluno Sérgio Ortiz no
prédio da FAU-USP, onde se utilizou diversos objetos descartados para compor o cenário.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
O que fazer com os resíduos sólidos, entulhos ou ferro-velho? O lixo é um dos maiores
problemas da atualidade; e, claro, qualquer alternativa que se proponha a contribuir para a
eliminação dessa problemática é bem-vinda. Em meio a grandes propostas de coleta seletiva e
reciclagem industrial, encontramos atitudes simples de reaproveitamento, inspiradas e feitas a
partir da existência de objetos relegados no espaço urbano.
Conforme comentado anteriormente, a prática da gambiarra depende da disponibilidade de
recursos materiais. Ao observarmos algumas soluções, nos vem à mente duas possibilidades ao se
pensar nesta relação entre recursos materiais e a idéia (concepção) de como utilizá-los.
A primeira possibilidade: A origem está na idéia, no conceito, no raciocínio mental, e a
partir disto, busca-se os recursos materiais disponíveis que melhor se enquadrem ou representem
para constituir o artefato.
A segunda possibilidade: A existência ou disponibilidade de algum recurso material
inspira (a partir de sua classificação material, tipologia ou forma, função ou significado) a criação
de um novo artefato.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 44 – Do lixo para o lixo: Pá para recolher poeira feita com lata reaproveitada.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 49 – Neste exemplo, o excesso de neve (suposto problema) transformou-se em uma oportunidade para se criar
uma solução não convencional de resfriamento de bebidas.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 50 – Muitos resíduos possuem características que podem proporcionar excelentes soluções.
Fig. 51 – Garrafas PET foram reaproveitadas para compor o muro desta casa em Taboão da Serra, SP.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 53 – No livro Manual do Arquiteto Descalço, encontram-se diversas idéias criativas para a confecção de
ferramentas úteis para construção, utilizando os próprios recursos e resíduos de obra. Veja LENGEN, Johan Van.
Manual do Arquiteto Descalço. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2004.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
O termo jeitinho brasileiro, constantemente usado para definir uma característica típica na
cultura brasileira, revela uma propensão cultural que o povo brasileiro possui para buscar
soluções alternativas.
Numa narração histórica, em seu livro Interpretação da realidade brasileira, de 1973, João
Camilo de Oliveira Torres relata um fato inusitado ocorrido na época da Segunda Guerra
Mundial. Na campanha de Apeninos, um fenômeno intrigou o corpo médico que acompanhava
os exércitos brasileiro e norte-americano. Apesar da condição de extremo frio naquele inverno
europeu, o exército brasileiro, teoricamente mais suscetível aos impactos da condição climática,
apresentava curiosamente menor baixa que o exército norte-americano. Descobriu-se que os
soldados brasileiros forravam suas botas com jornal, para esquentar os pés, enquanto os
americanos, apesar de seu sofrimento, nada faziam a respeito, esperando instruções específicas do
serviço médico 10.
10
Fonte: BARBOSA, Livia. O Jeitinho Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 19.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 55 – Além das misturas inusitadas da culinária, o tradicional jeito de ser brasileiro:
“Se chegar mais gente pra almoçar, não tem problema... Põe mais água no feijão!”
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 56 – Na falta de um funil, utilizou-se um guardanapo enrolado para derrubar grãos torrados em um pote.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 58 – Uma solução improvisada digna de uma das maiores “paixões nacionais”: a “loirinha gelada”.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Existem casos em que é nítido um artefato improvisado não ser criado por questão
financeira, necessidade específica, ou falta de alternativas, mas apenas por uma razão artística ou
de diversão. São artefatos que mudam de função e de significado; poderíamos entender essa idéia
como uma “poesia de artefatos”. No entanto, diferentemente da idéia da arte pela arte 11, ou do
simples intuito decorativo, nesta situação os objetos são usados para um fim prático, e, assim,
podem se tornar muito úteis. Nesse sentido, seria interessante propor uma discussão entre os
significados da gambiarra versus o conceito de kitsch, ou o chamado estilo kitsch 12. Seguindo o
raciocínio, parece que o artefato improvisado constitui uma idéia que é exatamente o contrário do
que se entende como um “gadget”.
11
Vide GULLAR, 1965, p. 25 e BARDI, 1991, p. 25
12
Vide MOLES, Abraham. O Kitsch. (Psychologie du Kitsch – L’Art du Bonheur) [1971] São Paulo: Editora
Perspectiva, 1986.
94
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
acaso. A sua constituição física não segue nenhum padrão, conceito ou identidade caracterizável.
No entanto, mesmo não seguindo qualquer parâmetro, seu resultado pode conter um efeito
estético de alto impacto, devido à pluralidade e possibilidade de formas, ou seu nível de
complexidade estrutural.
De acordo com o raciocínio de Lina Bo Bardi, não poderíamos interpretar a gambiarra
como um artesanato, definição que talvez não se aplique à particularidade brasileira13, mas como
uma arte popular.
Fig. 59 – Este artefato, uma lâmpada elétrica transformada em Fig. 60 – Luminária feita com garrafa de vinho.
lamparina, contraria toda ordem cronológica da revolução
industrial.
13
Vide MAGALHÃES, 1985, p. 181 e HOLANDA, 1936, p. 28 e 31.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
O estilo de vida bucólico tem sido adotado por muitas pessoas em resposta ao frenesi da
vida moderna. Fora das áreas urbanas, com alta densidade demográfica, encontram-se uma série
de artefatos que simbolizam bem a idéia de uma solução simples, baseada nos recursos locais
disponívies. Muitos dos recursos materiais utilizados são, na verdade, restos de artefatos
industriais. A impressão que se tem nestes lugares, é de que tudo pode ser reaproveitado de
alguma maneira.
98
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Fig. 65 – Tramela: toco de madeira usado como fechadura para portas, janelas e tampas.
99
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Fig. 68 – Brinquedo feito com latas de alumínio. Fig. 69 – Brinquedo típico de fazenda: pneu
usado como balanço.
100
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Fig. 70 – Tesoura usada no lugar de parafuso. Fig. 71 – Uma solução alternativa para guardar
vassouras.
101
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Fig. 74 – Na região da Serra da Mantiqueira encontram-se muitos exemplos do hábito despretensioso de viver, ao exemplo
desta variedade de recursos reaproveitados para compor vasos de planta. Alguns exemplos podem ser encontrados em
FERRAZ, Marcelo Carvalho. Arquitetura Rural na Serra da Mantiqueira. São Paulo: Empresa de Artes, 1992.
102
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103
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14
BANEK, Reinhold e SCOVILLE, Jon. Sound Designs. Berkeley: Ten Speed Press, [1995], 1980
15
OHTAKE, Ricardo. (org.) Instrumentos Musicais Brasileiros. São Paulo: Rhodia, 1988
104
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Fig. 82 – Artefato para guardar mangueira, criado a partir de uma roda automotiva.
109
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21. Design
Apesar de, a princípio, design de produto ser uma atividade ligada à produção industrial,
existem cada vez mais exemplos de produtos projetados por designers, os quais melhor
caracterizariam um artefato improvisado.
Trata-se de uma iniciativa construtiva, pois muitos designers estão se preocupando com
questões de desenvolvimento sustentável, e não apenas se adequando aos novos padrões do
mercado. Estes designers estão propondo verdadeiras atitudes neste sentido.
Diante das dificuldades de se estabelecer um programa eficiente de implementação do
design em indústrias, muitos designers têm enxergado um caminho na relação com o artesanato. A
partir dessa tendência, a jornalista e crítica de design Adélia Borges organizou no Instituto Cultural
Itaú – São Paulo - SP, em 1999, uma exposição denominada “Os Novos Alquimistas”. Para
Borges, esta relação entre design e artesanato trata-se de um “namoro promissor” 16.
Esta impressão de Borges tem sido destacada por outros pensadores do design brasileiro
como Aloísio Magalhães e Lina Bo Bardi. Convém mencionar também, algumas idéias de Ferreira
Gullar sobre o assunto:
16
BORGES, Adélia. Designer não é Personal Trainer e outros escritos. São Paulo: Edições Rosari, 2003
110
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
A liberdade do artista foi sempre “individual”, mas a verdadeira liberdade só pode ser
coletiva. Uma liberdade ciente da responsabilidade social, que derrube as fronteiras
da estética, campo de concentração da civilização ocidental.
Procurar com atenção as bases culturais de um País, [...] quando reais, não significa
conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas
originais. [...] O Desenho Industrial e a Arquitetura de um país baseados sobre o nada
são nada. Num País que [...] sobre um “Pseudo-Industrial Design”, desfralda um
pressuposto ingresso no convívio das grandes nações [...] (BARDI, 1994, p. 14 a 24)
Tudo que perde a função vira arte. [...] A arte pela arte coincide sempre com a crise
dos valores de uma civilização. Essa arte surge como um refúgio, uma compensação:
é o que se pode fazer quando não se pode fazer o essencial: é a idealização da
impotência. (GULLAR, 1965, p. 25)
111
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 84 – Este puff de Flávio Verdini foi criado a partir de um cesto de máquina de lavar roupa.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 87 – A simbólica Cadeira Favela dos Irmãos Campana, inspirada na estética da periferia das grandes cidades.
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Fig. 89 – A Luminária Toio, de Achiles Castiglione (1962), que utilizou lanterna de automóvel.
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Fig. 90 – A Luminária Boliche de Rodrigo Boufleur e Rafael Bispo, criada a partir de uma bola de boliche defeituosa.
115
3. Relações entre Design
e Gambiarra
A Questão da G mbi rr
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
119
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
acaba ficando de lado. Mais séria ainda é a segregação que se impõe frente a essa postura. Parece
que o termo design já foi muito usado como um artifício para se instituir uma elite exclusivista -
tendência que segue na direção contrária à característica e à capacidade que tem sido aclamada ao
3
povo brasileiro de agregar, misturar, permitir a co-existência de modelos culturais. Nesse
sentido, o pensamento modernista cometeu o equívoco ao relegar todo tipo de atividade que
não se enquadra no que se quer considerar como design. Se é ou não design, vistas as condições da
nossa atualidade, antes nos interessa saber seu valor, sua função e suas possíveis contribuições
para a sociedade. Enfatizar a diversidade é hoje uma questão fundamental.
Segundo Thomas Kuhn (1975), para qualquer ramo científico ou área de conhecimento,
existem as atividades que se enquadram no seu paradigma, e as que são marginais a ele. Neste
sentido, a produção de artefatos pode acontecer de uma maneira considerada por alguns como
formal e adequada, ou de uma maneira informal e inadequada. Assim como a produção artesanal
se tornou marginal a partir do processo de industrialização, entendemos que a idéia da gambiarra
poderia se tornar uma forma marginal de desenvolver artefatos a partir do momento que se
institui um conceito design.
3
Esta imagem atribuída ao povo brasileiro tem sido enfatizada por músicas, filmes, e outros veículos culturais e
de mídia. Veja, por exemplo, a campanha “ginga campeã” vinculada na copa de 2006 por uma marca de cerveja
brasileira, na qual indivíduos díspares, sem distinção de condição social, “estilo de vida” ou modelo cultural,
participam em condição igualitária de uma “roda de capoeira” homenageando o futebol brasileiro.
Veja: www.abert.org.br/D_mostra_clipping.cfm?noticia=31365 (acesso em Junho de 2006)
4
MOTTA, Flávio L. Desenho e Emancipação. In: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Desenho industrial e comunicação visual. São Paulo: FAU-USP, 1970
5
Ibidem
6
Ibidem
120
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Essa idéia vai de encontro à separação entre arte e tecnologia sugerida por Flusser (1993)
em The Shape of Things. Neste sentido, as discussões que surgiram no início do século XX, a partir
dos conflitos da Werkbund 7 proporcionaram a contextualização do grande paradigma do design,
idéia ou caminho que representaria uma ligação entre “arte e indústria”. Mas antes, considerando
que os termos tecnologia e arte possuem a mesma origem etimológica, constituindo uma
redundância em certa ótica e partindo do pressuposto de que as questões fundamentais da
atualidade sejam outras, talvez todas estas discussões em torno do princípio “arte e indústria”
perderiam sua importância central. Quando passamos a refletir em torno dos problemas de
sustentabilidade, será que ainda se deve conceder a mesma prioridade à ideologia industrial?
“O industrialismo pode ser definido como ideologia segundo a qual tudo (inclusive o
meio ambiente e a vida social) deve submeter-se às exigências da produção industrial
em grande escala.” (THIOLLENT, 1994 apud SOARES, 1999)
Segundo a maioria das referências já citadas, somente podemos atribuir o termo design a
uma atividade relacionada ao processo de produção industrial. Mas, que importa e a quem
interessa a manutenção estrita deste paradigma frente ao contexto pós-industrial que se anuncia,
vista a conjuntura de situações e a qualificação dos problemas que vivemos hoje? Por esta razão,
conforme alguns estudos citados na introdução, surgem cada vez mais idéias questionando a
possibilidade de se pensar design além do limite industrial. Neste sentido, queremos refletir em
torno do tema gambiarra.
121
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
122
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Para Denis (1998), esta condição caracteriza o design industrial como condição de atribuir
significados a um objeto 8. Ela permite que tais artefatos se constituam em série, seguindo um
padrão, e recebendo sempre as mesmas características: composição, forma e significados. Aqui,
visa-se não só produzir, mas reproduzir um artefato, ou seja, propõe-se a repetição deste. Nesta
circunstância, os significados tornam-se basicamente inerentes ao artefato, visto que são
embutidos no momento de sua constituição. Devido à sua característica serial, estes significados
são amplamente reconhecidos 9. A prática da gambiarra também envolve a concepção de artefatos,
mas isso acontece concomitantemente à constituição, e muitas vezes ao uso de um artefato. No
entanto, ela se define melhor pela adequação de significados, devido a estas interações
acontecerem ao mesmo tempo. Todo o processo é completamente relacionado ao uso final.
Nesta circunstância, os significados tornam-se aderentes ao artefato. Eles são assimilados por
quem os desenvolve e utiliza; porém, por serem contextuais, não são necessariamente
reconhecidos ou mantidos por outras pessoas. Enfim, enquanto a prática do design indica uma
ação denotativa, a prática da gambiarra revela um processo de caráter conotativo sobre os
artefatos desenvolvidos.
8
DENIS, Rafael Cardoso. Design, Cultura Material e Fetichismo dos Objetos. In: Arcos, Rio de Janeiro, vol. 1,
1998
9
DENIS, Rafael Cardoso. Putting the magic back into design: from object fetishism to product semantics
and beyond. In: Art on the line, 2004
123
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Refletindo a partir da maneira como são constituídos os artefatos, diante destas diferenças
fundamentais em cada prática, conclui-se a existência de duas realidades, que tendem a se
distinguir de uma maneira concisa:
- Uma realidade que envolve a prática da gambiarra e o tipo de resultado que se obtém, a
qual se define predominantemente pela participação de um único indivíduo (onde não se aplica e
não faz sentido a dimensão institucional), num único momento, com um único objetivo,
resultando em um único artefato; uma realidade que se contextualiza predominantemente pelo
singular.
10
Apesar de o design industrial já existir no plano intelectual como uma idéia ou um projeto (DORFLES, 1968),
este conceito não faria menor sentido se não fosse efetivamente aplicado.
11
Dificilmente um designer constitui todas as características de um produto sem qualquer interferência. Vide aqui
os princípios e conceitos sobre Design & Gestão em BONSIEPE, Gui. Design: do material ao digital.
Florianópolis: FIESC/IEL, 1997, p. 20.
12
Ibidem, p. 22
13
“O desenho industrial, na expressão consagrada, em verdade, é conseqüência da separação que começa a
se dar entre projeto e execução” (KATINSKY, 2005, p. 8)
124
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
- Uma realidade que envolve a prática do design industrial e o tipo de resultado que se
obtém, a qual envolve um contexto coletivo, evoluído pela divisão de momentos, realizada para
atender a objetivos diversos, e que propõe como resultado a constituição de artefatos em massa;
uma realidade que se contextualiza predominantemente pelo plural.14
Antes que a caracterização destas duas realidades possa conduzir a uma interpretação
errônea, que fique claro que plural aqui, não significa necessariamente diversidade e variedade;
assim como singular não se refere aos interesses individualistas, à garantia do privilégio por parte
de poucos, ou à prioridade do particular diante do público. Refere-se predominantemente a um
contexto social, em que se destaca a importância de cada individuo diante da abordagem
institucional abstrata ou da burocracia, onde pouco importa os personagens nela contidos.15
14
A distinção entre as realidades que caracterizam predominantemente cada prática, e que se define pela
dicotomia entre o singular e o plural, não se trata de uma análise definitiva e válida para qualquer situação. Neste
mesmo estudo encontram-se exemplos que poderiam contradizer esta proposição. No entanto, baseia-se numa
tendência em termos gerais, e que, aqui, nos serve para orientar reflexões em torno das possíveis relações entre
design e gambiarra e também alguns questionamentos quanto à prática do design industrial.
15
Vide conceitos de Paul Cardan (1977) sobre burocracia (apud MOTTA, Fernando C. Prestes. O que é
Burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 7).
125
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Tendo em vista esta primeira distinção estabelecida formalmente entre design industrial e
gambiarra, quais são, então, as situações, interferências, impactos, benefícios e malefícios que essa
dicotomia (plural e singular) pode proporcionar ao universo da produção de artefatos? O que isso
representa para a nossa sociedade, nossa situação econômica, e para o meio ambiente?
Entendemos assim que esta é uma condição emancipacionista. Ela proporciona uma
verdadeira independência do indivíduo-usuário, para que determine livremente as características
de um produto, o que proporciona grande flexibilidade, além de também garantir seu objetivo de
18
cumprir uma função real . Por outro lado, permite também uma possível atitude
inconseqüente, talvez individualista e egocêntrica, já que o usuário, por exercer o total controle
16
“O Desenho é visto como suporte de expressão e é normalmente desprendido da produção” BONSIEPE, Gui.
Design: do material ao digital. Florianópolis: FIESC, 1997.
17
Devido às diferenças cognitivas e às reais necessidades práticas, as funções previstas para um artefato no
momento do projetá-lo podem ser bem diferentes das funções no seu uso final.
18
Sabemos que o assistencialismo não é uma boa política de desenvolvimento. Este talvez seria um dos
caminhos possíveis para uma autonomia tecnológica. É interessante citar aqui a relação desta idéia com os
conceitos de “Tecnologia Apropriada”: tecnologia desenvolvida no local, pela comunidade local, a partir de
insumos locais. In: BONSIEPE, Gui. A Tecnologia da Tecnologia. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1983, p.
20.
126
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
sobre o produto que usa e desenvolve, pode constituí-lo apenas considerando sua importância
em cumprir uma função imediatista e nada mais.
A prática do design industrial, por situar-se num contexto mais abrangente, que envolve a
participação de várias pessoas, proporciona um raciocínio mais apurado em torno da constituição
do produto, além de uma reflexão antecipada a respeito dos impactos e conseqüências futuras.
Mas é importante lembrar que a condição institucional, dentro da qual o design industrial se situa,
19
não é necessariamente democrática. O design industrial não é uma prática autônoma .
Institucionalmente ela está subordinada às decisões da empresa, a qual pode se utilizar dele para
atender prioritariamente seus interesses e objetivos corporativos. O design também está restrito
pelo paradigma da viabilidade industrial, portanto qualquer alternativa que é inicialmente
proposta, por mais importante que seja para o benefício comum da sociedade, nem sempre pode
ser realizada. É então a partir destes avais iniciais que a prática do design industrial acontece, feita
ela por designers ou não 20. É possível perceber que ambas as práticas são vulneráveis a atitudes
inescrupulosas, e podem ser utilizadas para atender ensejos que prejudicam ou que não
convenham ao bem comum. Tudo depende, na verdade, da boa ou má fé de quem as usa.
Existe também uma outra condição estabelecida pelo modelo do design industrial. Os
padrões são resultados de uma sistematização, uma metodologia de projeto - procedimentos que
a princípio não são utilizados na prática da gambiarra. Essa maneira de conceber um produto faz
com que o design industrial não enfatize apenas o resultado, mas também o processo 21. Existe aí
uma análise criteriosa: como negar o trabalho meticuloso de projetar um sistema de sinalização,
ou um conjunto de móveis modulares? Esse paradigma estabelece um conjunto de regras e
regulamentos, os quais costumam impor um caráter rigoroso em seus métodos. O rigor é um
dos atributos que confere credibilidade a esta atividade, e, aliando a imagem de tecnologia, beleza
e sofisticação que costumam acompanhar o termo, estes conduzem a uma boa reputação e,
portanto, um reconhecimento social diferenciado. Esses fatores contribuem para assimilar tudo
que tenha “design”, como algo genuíno e de benefício certo. Nota-se aqui que a prática do design
industrial usufrui de um consentimento muito maior, o que nos leva a entender, portanto, que as
expectativas em relação ao resultado desta atividade, e suas responsabilidades sociais envolvidas
tendem a ser proporcionalmente maiores. A conjuntura na qual o design industrial se insere, devido
19
MALDONADO, Thomas. El diseño industrial reconsiderado. [1976] Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1991,
p. 12. Veja também os conceitos de Design & Gestão em BONSIEPE, 1997, p. 22.
20
BONSIEPE, 1997, p. 22.
21
Veja LÖBACH, Bernd. Design Industrial. [Industrial Design. Grundlangen der Industrieproduktgestaltung,
[1976] São Paulo: Edgard Blücher, 2001
127
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
ao caráter mais efetivo e permanente dos artefatos que produz, proporciona um potencial de
impacto ambiental muito mais considerável e relevante que a conjuntura contextualizada pela
prática da gambiarra, com seu caráter mais efêmero e volátil.
Diante da crise ambiental em que vivemos hoje, não há como não pensar o design a partir
desta ótica. Dentre as primeiras referências de manifestações diante desta questão, data-se em
1969 a recomendação da International Coucil of Societies of Industrial Design (ICSID) de priorizar a
qualidade de vida em relação à quantidade de produção22. Nesta época, momento em que se
perpetuava o movimento da contracultura, Victor Papanek, deixava um marco referencial, do que
entendemos como um design alternativo, um design baseado em projetos simplificados, de baixo
custo, acessíveis - mas com alto grau de solução. A partir de então, percebe-se que essa idéia não
influenciou significativamente nosso comportamento de consumo e produção23, porém, frente
aos infortúnios e prejuízos ambientais que se acumulam, uma diversidade de alternativas tem sido
pensada na tentativa de reverter a tendência de desastre futuro – por exemplo, produtos que são
projetados para cumprirem funções posteriores ao seu uso inicial 24, ou até mesmo desmontados
(design for disassembly) para reutilização de peças.
Uma das principais medidas do processo de design para reciclagem constitui a elaboração
do planejamento da reciclagem do produto, e a conseqüente inclusão de seu requisitos na
lista de especificações para o projeto de produto. (WAGNER, 1994 apud SOARES,
1999)
Ainda assim, seja ou não plausível a idéia, o design industrial tem sido usado como uma
ferramenta para estimular o aumento do consumo; conseqüentemente, o descarte; e mesmo as
25
propostas de reciclagem não são suficientes para solucionar a questão . Qualquer nova
alternativa que dê uma real contribuição ao equilíbrio ambiental, seja de forma direta ou indireta,
é sempre bem-vinda.
Dentre as diversas interpretações do termo, a gambiarra, entendida aqui como uma técnica
de reparo improvisado ou adaptação, pode representar uma contribuição ecológica. Essa prática é
responsável por proporcionar a um objeto um novo ciclo de uso, encurtando um caminho que
22
DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução a história do Design. São Paulo: Edgard Blücher, 2001, p. 217.
23
“Reação da economia chega ao cesto de lixo – Com crescimento da renda e do consumo, volume coletado
pelas prefeituras cresce até 10% em julho”. In: Folha de São Paulo / Dinhero – 29 de Agosto de 2004
24
Veja um exemplo em: WALKER, Stuart. Desmascarando o objeto: reestruturando o design para a
sustentabilidade. Revista Design em Foco, v. II, no. 2, Universidade do Estado da Bahia, 2005.
25
Reduzir a geração de resíduos sólidos ainda é a estratégia mais eficiente. Veja informações sobre o conceito
“3 R’s”, e as opiniões de especialistas na problemática do lixo: Patrícia Blauth (www.menoslixo.com.br) e Beth
Grimberg – “Coleta Seletiva e o Princípio dos 3 R´s” - Dicas Pólis 109
(disponível em: www.polis.org.br/publicacoes/dicas/dicas_interna.asp?codigo=122).
128
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
tal material eventualmente seguiria num processo tradicional de reciclagem, e, até mesmo,
contribuindo para a economia de energia, entre outras vantagens. Um reparo feito em uma
motocicleta, usando-se materiais alternativos, poupa a ida do motociclista a uma oficina,
proporcionando economia de combustível, de tempo, de trânsito, de peças, de movimentação
financeira, entre outras economias. Tudo se resolve no local, não havendo a necessidade
dispendiosa de protelar a solução do problema. Por outro lado, o uso de uma gambiarra, no
mesmo caso, pode também potencializar um efeito contrário. Uma adaptação precária pode
provocar um aumento no consumo de combustível, ou, por exemplo, um maior desgaste dos
pneus - fatores que poderiam eventualmente representar danos maiores que a própria
contribuição ao meio ambiente.
É notório que ambas as práticas podem servir como meio de beneficiar ou prejudicar a
estrutura ambiental. Mas se utilizarmos índices comparativos como uso de recursos disponíveis
vs. exploração de recursos não renováveis, produção de resíduos sólidos (descarte) vs.
diminuição no desperdício material, será muito clara a diferença na intensidade de impactos -
até mesmo porque a prática da gambiarra funciona como um meio de reaproveitamento direto de
outros artefatos pré-existentes. Já no design industrial, utilizam-se na maioria das vezes recursos
naturais primários. Vejamos, então, quais as razões que condicionam a drástica diferença no
impacto ambiental provocado por cada prática.
129
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Retornando à reflexão que distingue as duas realidades que configuram cada prática,
vamos perceber que a separação de etapas na conjuntura institucional que envolve a prática do
design industrial levanta uma questão crucial, talvez o ponto de maior antagonismo entre fazer
design e fazer gambiarra. No contexto que envolve o design industrial, o “ciclo de vida do produto” é
subdividido em diversas etapas, que poderiam ser agrupadas em duas fases principais: a fase da
concepção, produção e distribuição, e a fase do consumo, uso e descarte. A linha que separa estas
duas fases é o momento da comercialização do produto - condição que aparentemente não
existe no contexto que envolve a prática da gambiarra. Neste momento, existe uma importante
transformação semântica do produto: ele passa a ser conhecido como mercadoria.
Podemos, então, diante deste quadro de fatos novos, definir o desenho industrial como o
projeto de mercadorias – tanto aquelas que já eram há muito conhecidas, como jarros,
copos, vasos, mas que poderão ser repensadas em função de novos materiais ou novos
processos de fabricação, quanto produtos novos, resultado da ampliação de um mercado
exigente de sua expansão. (KATINSKY, 2005, p. 10)
Um dos fenômenos mais curiosos em relação a esta condição de mercadoria é que sua
existência e disponibilidade passam a gerar novas necessidades (em geral, desejos
inconscientes), impulsionando o consumo, e também provocando o aumento na quantidade de
descarte – muitas vezes condicionada pela substituição de um produto por outro mais novo sem
a real necessidade. Um exemplo claro dessa condição hoje é a frenética substituição de aparelhos
celulares.
Há uma questão muito interessante proporcionada pelo consumo. Dentre algumas razões,
diversas pessoas priorizam a posse do produto em detrimento ao uso e sua utilidade. Por isso, a
comercialização dos produtos de hoje parece estar muito mais orientada aos desejos de
consumo que às reais necessidades de uso. A mídia é o principal responsável por estabelecer
padrões e estilos de vida, e, com isso, o perfil de consumo é determinante na constituição de lojas
segmentadas e campanhas de marketing; estruturando um verdadeiro “circuito de consumo”, e
orientando toda a produção a partir deste modelo. Essa questão é fundamental, pois aqui a
prática do design é usada numa aplicação que subverte e contraria um dos seus objetivos iniciais -
o qual motivou o estabelecimento da relação entre as duas práticas. Ao invés de servir como
ferramenta para desenvolver artefatos que sejam soluções para necessidades materiais, ocorre o
130
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
contrário: cria-se disponibilidade de artefatos, para que, assim, através do desejo, torne-se uma
necessidade de consumo. Esse é um questionamento clássico 26. Victor Papanek, já no início da
década de 70, lançava o livro Design for the Real World, justamente como um manifesto de repulsa a
esse comportamento néscio.
Essa pergunta nos motiva algumas hipóteses.28 Dentre muitas causas prováveis, a que
mais indaga é a existência de necessidades específicas. Apesar de tanta oferta, de tanta
variedade, ainda há a possibilidade de não existir um produto para uma necessidade específica.
Isso se deve a dois prováveis motivos: o primeiro é o de que o universo corporativo parece
concentrar suas atenções no desejo de consumo ao invés de direcionar sua produção para as reais
necessidades de uso, talvez porque o desejo de consumo impulsione muito mais a
comercialização de produtos. O segundo motivo é uma condição básica de comercialização: para
que um produto seja produzido, é necessária a existência de um “mercado”, o qual deve ter
demanda de consumo suficiente para viabilizar a definitiva produção.
26
Vide o capítulo sobre consumo em BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1973; e FRY, Tony. Contra uma teoria essencialista de necessidade: algumas considerações
para a teoria do design. In: Design em Foco v. II, no. 1, Universidade do Estado da Bahia, 2005, pp. 63 - 77.
27
A difusão (variedade de produtos) é considerada estratégia fundamental de competitividade na área de
marketing. Veja KOTLER, Philip. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e
controle. São Paulo: Atlas, 1999
28
Gostaríamos de destacar as complexas razões culturais, que segundo David Stairs, justificam “a persistência
do vernacular”. Veja STAIRS, David. Okuwangaala: The Persistent Vitality of the Vernacular. In: Design
Issues: v. 18, no. 3, Massachusetts Insitute of Technology, 2002
131
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Enfim, seja por motivos financeiros (característica da população dos países menos
favorecidos), seja nos momentos em que enfrentamos as contingências da vida (desde um carro
quebrado numa região inóspita, uma falta temporária de eletricidade) ou por sermos seres
individuais, portadores de características singulares e muitas vezes específicas, o design industrial
(na forma tradicional que o conhecemos), pelo próprio paradigma em que se encontra, é apenas
apto a desenvolver produtos na forma de mercadorias, sendo incapaz de trazer contribuição na
solução de todas as necessidades materiais existentes.
Esse fato serve de alerta para aqueles que ingenuamente acreditam que a prática do design
industrial aliado às ilusões da alta tecnologia se constitui na grande solução, ou seja, o caminho
mais apropriado para desenvolver melhores artefatos para a sociedade. A existência de práticas
como a gambiarra é exemplo de que o ser humano possui a tendência de relativizar, subverter,
questionar qualquer paradigma estabelecido - o que é na verdade uma grande virtude, pois é
prova de sua contínua evolução. Esses são os “tempos de grossura” que colocam o design industrial
num impasse. Nenhum momento melhor do que uma era pós-moderna para se atentar a este
fato.
Não vamos, por outro lado, pensar que de nada vale a prática do design industrial. A
emersão destas análises a deixou em cheque, mas não em cheque-mate. Apesar dos malefícios que o
contexto industrial visivelmente proporciona, não é necessário ressaltar que as contribuições do
design para a humanidade e o seu papel social são inegáveis; e tendem a aumentar na proporção
que se expande esta atividade para além do limite industrial. Vemos aqui a gambiarra como uma
prática legitimada pelo seu próprio desenvolvimento popular, em resposta a situações peculiares,
que, apesar de específicas, representam um grande volume na sua totalidade, e que, ao nosso
ver, são de importância fundamental para a evolução do ser humano. Uma certeza que podemos
ter é a de que uma prática não substitui a outra. Essa iniciativa de enxergar a gambiarra através do
design, – e por que não vice-versa: enxergar o design através da gambiarra – pode, quiçá, difundir
questionamentos e idéias a qualquer pessoa que se proponha a usar e desenvolver artefatos,
trazendo possíveis contribuições a nossa sociedade e ao futuro do planeta.
132
4. Considerações Finais
A Questão da G mbi rr
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
4. Considerações Finais
Aloísio Magalhães, considerado hoje uma das personalidades mais significativas do design
brasileiro, deixou como herança uma motivadora pergunta: O que o Desenho Industrial pode fazer pelo
país?1 Consideramos esta pergunta como um dos elementos norteadores para o ramo da pesquisa
acadêmica de design no Brasil. Mas, acreditamos que, para buscar respostas a esta questão, antes
de se propor alternativas, é necessário entender melhor a cultura material deste país. Neste
sentido “a questão da gambiarra” se insere, visto que se trata de um tema pouco analisado. A
gambiarra é um fenômeno que parte da estrita relação entre usuário e objeto, mas que,
conseqüentemente, envolve questões mais amplas, culminando em problemáticas que se tornam
cada vez mais notórias numa realidade como a brasileira, na qual a disparidade social é um fator
decisivo; e num mundo pós-moderno, povoado de contradições e aberrações, dito pós-industrial,
porém, com sua cultura material ainda muito calcada no paradigma da produção industrial.
A cada dia cresce o interesse por manifestações de design alternativo. Este fato é o
termômetro que nos leva a entender que o formato tradicional do desenho industrial se prova
insuficiente. “O design industrial como viemos a conhecê-lo, deveria deixar de existir. Design deveria
ser uma ferramenta inovadora, altamente criativa e transdisciplinar para as verdadeiras
necessidades do homem.” (PAPANEK, 1971, p. 15). A questão é que o homem, desde o início
da sua existência, vem produzindo transformações materiais. “Tudo que fazemos o tempo todo é
design. [...] O design profissional “saqueou” as tradições do design não-profissional. [...] O design
não-profissional precediu e co-existe ao design profissional” (PACEY, 1992). É fundamental para
a área de design estudar a variedade de fenômenos da cultura material. Existem, de fato, diversas
maneiras para explicar como um artefato é constituído, e se torna extremamente simplório
reduzir o universo dos artefatos a uma dicotomia do que é e o que não é design.
1
MAGALHÃES, Aloísio. O que o Desenho Industrial pode fazer pelo país? In: Revista Arcos, Rio de Janeiro,
vol. 2, 1999
135
A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Por que ao se falar de arte, design, artesanato e seus artefatos, sempre se propõe remetê-los
a um estilo definido? Não se pode propor uma abordagem onde o que menos importa é a
questão do estilo? Será que é realmente importante e necessário seguir ou buscar uma unidade,
similitude, padrão, concordância, conformidade na produção de artefatos?
3. Tecnologia
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
4. A Questão do Lixo
Pelo “andar da carruagem”, num futuro não muito distante, onde o lixo se consolidará
como a matéria-prima predominante, será que práticas alternativas como as que aqui intitulamos
por “gambiarras” se tornarão um procedimento vital e indispensável ?
5. Produção Pós-Industrial
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A Questão da Gambiarra: Formas Alternativas de Produzir Artefatos e suas Relações com o Design de Produtos - Rodrigo Boufleur
Os estudos citados nesta pesquisa deixam muito claro que a cultura material do presente –
o que se produz, o que se consome – deve ser reestruturada. Neste sentido, a prática do design
tem grande responsabilidade. Gostaríamos de destacar entre os caminhos possíveis para esta área,
o de observar, de tirar lições do cotidiano, especialmente das práticas populares; de cada vez
mais ampliar e valorizar a prática do design participativo; e finalmente, atentar-se mais às
questões culturais, socioeconômicas e ambientais.
8. Design Idiossincrático
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Lista de Imagens
Ilustrações: Todas as ilustrações foram especialmente desenvolvidas para esta dissertação por
Vinicius Oppido, exceto as ilustrações usadas nas páginas 19, 31, 104, 107, 117 e 135, as quais são
de autoria de Marcelo Bicalho.
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