Novo imposto mínimo mundial sobre lucros de multinacionais terá implementação progressiva até 2025
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Um novo e inédito mecanismo internacional contra os paraísos fiscais e a concorrência tributária entre os países entra em vigor neste mês de janeiro de 2024. Um “imposto mundial mínimo” de 15% sobre os lucros das multinacionais começa a ser cobrado pelos 140 signatários.
Lúcia Müzell, da RFI
O imposto representa um avanço ao acabar com a exoneração praticada nos paraísos fiscais e elevar o índice praticado em lugares como a Irlanda, destino preferencial das companhias digitais na Europa, ao aplicar apenas 12,5% em impostos.
A taxa mínima será cobrada inclusive das empresas que não estão fisicamente implantadas no seu território, mas onde registram receitas. No alvo, estão as companhias que faturam mais de € 750 milhões – ou menos de 10 mil empresas no mundo.
Esta foi uma maneira de aumentar a arrecadação das grandes companhias de tecnologia. Uma empresa alemã domiciliada nas Bahamas, onde é isenta de impostos, passa a pagar o mínimo de 15% nas operações realizadas na Alemanha, signatária do acordo.
O texto foi costurado por mais de uma década pela OCDE e adotado no âmbito do BEPS (sigla em inglês para Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros), iniciativa conjunta com o G20, em outubro passado.
“É um acordo definido pelos próprios países. Será um conjunto de regras nacionais, que têm os mesmos princípios de cálculos, e ele depende também da adoção das regras pelos demais países, ou seja, todos terão interesse em verificar se os outros estão fazendo conforme os modelos das regras. Essa colaboração é essencial para o projeto”, aponta Felicie Bonnet, chefe interina da divisão de fiscalidade internacional da organização, com sede em Paris.
“Nós observaremos se a implementação vai acontecer como previsto e que a coordenação prevista entre eles, sobre as regras, funcionará na prática”, indica.
EUA e China de fora
Entre os signatários, estão União Europeia – incluindo Luxemburgo e também a Suíça, apontados como paraísos fiscais na Europa ao lado da Irlanda –, Reino Unido, Canadá, Japão, Austrália, Malásia e Coreia do Sul, de um total de 50 que já passaram a aplicar o texto no âmbito nacional. No entanto, as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, por enquanto estão de fora.
“O acordo tem impacto mesmo se todos os países não o aplicam. Basta que uma massa crítica de países o faça e ele se torna efetivo, e hoje temos essa massa”, afirma o economista Pascal Saint-Amans, que acaba de deixar a direção do Centro de Política Fiscal da OCDE. “Os mecanismos do acordo são bem diabólicos, ao preverem que, até se países importantes como a China e os Estados Unidos não o adotam, as multinacionais deles serão submetidas ao imposto mínimo mundial. A única questão em jogo será quem vai arrecadar este imposto: se não for os americanos, poderão ser os europeus no lugar deles”, afirma.
A expectativa da OCDE é que a medida leve à arrecadação de US$ 220 bilhões por ano em benefício dos Estados. A organização espera que a adoção do novo imposto ocorrerá progressivamente entre 2024 e 2025, com prazo mais lento principalmente nos países em desenvolvimento.
“Os países em desenvolvimento têm interesse em colocá-lo em prática por diversas razões. Eles podem ter, por exemplo, índices de imposto que já são, em tese, superiores a 15%, mas que na prática são menores devido a isenções e benefícios fiscais oferecidos às multinacionais, de modo que elas não pagam impostos”, observa Bonnet.
Brasil se prepara para implementar
Em novembro, o Ministério da Fazenda do Brasil indicou que a Receita Federal estava “se organizando” para implementar o acordo. José Sarquis, embaixador da missão do Brasil junto à OCDE, explica que o país está na fase de “considerações” e vê o processo “de modo muito construtivo”.
“Tradicionalmente, havia uma diferença de abordagem no direito tributário doméstico e no internacional, entre as práticas de países mais desenvolvidos e os em desenvolvimento. Com o tempo, essas práticas estão se aproximando e convergindo. As perspectivas dos países em desenvolvimento passam a ser melhor incorporadas na agenda internacional e nas discussões da OCDE e do G20, até porque muitas delas caminham juntas”, salienta.
“Na frente da transparência e da troca de informações tributárias entre as autoridades, o Brasil tem sido um dos maiores ganhadores dessa iniciativa pioneira. Ela permite que o Brasil traga para a sua base de arrecadação bilhões de dólares, ao coibir práticas de sonegação que levam à erosão e a evasão fiscal”, aponta Sarquis.
Guerra fiscal e de subsídios entre os países
Observadores advertem que a concorrência fiscal entre os países pode continuar, com o novo imposto sendo compensado com isenções fiscais ou subsídios para as empresas. Mas para Saint-Amans, essa alternativa nunca é simples, do ponto de vista político.
“Dar subvenções a uma empresa que lucra centenas de milhões num país onde ela sequer tem muita presença física não seria muito bem-visto pelas empresas locais. Ou seja, as atenuações ao imposto mundial existem, mas na realidade elas são pouco significantes”, explica.
O embaixador Sarquis salienta que o G20, do qual o Brasil exerce a presidência rotativa este ano, desempenha um papel “fundamental” para coibir desequilíbrios e “distorções” entre os países, conforme o grau de desenvolvimento – sobretudo num momento de tensões geopolíticas como o atual. Os países ricos, detentores da maioria das grandes corporações e em especial as digitais, insistem a manter a tributação a partir da origem do capital – e não onde ocorre o consumo dos seus produtos.
“Nós vivemos hoje num contexto em que há tendências protecionistas que reemergem de diferentes formas – uma delas são os subsídios. Mas eu acho que o risco existe com ou sem o entendimento internacional sobre uma tributação mínima”, avalia o diplomata. “Encontrar o equilíbrio internacional que permita fazer a transição de regras que eram muito favoráveis aos países mais desenvolvidos para regras que sejam equilibradas não é fácil.”
Desde os anos 1980, a guerra fiscal entre os países para atrair as empresas fez a tributação mundial cair pela metade. Estimativas apontam que as multinacionais – em especial as americanas – direcionam até 40% dos seus lucros para países onde os tributos são menores, o que representa um buraco de US$ 500 bilhões de impostos não recolhidos no mundo.
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