A imensidão de cores não deixa que a pequena floricultura num canto escondido do edifício Copan passe despercebida no centro de São Paulo. Em meio ao imponente imóvel de concreto armado, o aroma floral atrai moradores da cidade cinza. Foi com essa intenção que, há pouco mais de três anos, Cristina Omura fundou a Existe Flor em SP.
“Sou uma pessoa muito planejativa”, brinca a publicitária de 42 anos, fazendo um trocadilho e um neologismo com as palavras “planejadora” e “ativa”. Filha de imigrantes japoneses, Omura nasceu e cresceu no Itaim Paulista, periferia de São Paulo. Depois de 23 anos atuando no mercado corporativo, entre grandes agências e multinacionais, ela se desligou da empresa onde atuava como diretora-geral para seguir um sonho antigo: investir na felicidade a longo prazo.
Formada em publicidade e propaganda, marketing e pós-graduada em comunicação, ela atingiu cargos de liderança em empresas importantes, mas sabia que a carreira teria uma limitação. “Não queria que isso chegasse”, admite. Aos 20 anos, decidiu que teria que pensar no que poderia fazer, ainda jovem, para passar o resto da vida usando o seu talento para ter prazer e felicidade.
De todas as coisas que ela planejou ao longo dos anos, nunca havia pensado em empreender. Muito menos com flores. “Sou de família japonesa imigrante, a nossa base foi agrícola. Meus pais e avós gostavam muito de planta, especialmente minha mãe. Desde criança, ela me levava a todas as feiras e exposições de flores, e eu não gostava”, relembra.
Há 11 anos, a mãe de Omura faleceu e ela se viu responsável pelo seu legado floral. “Mas não tinha talento, tato”, relata. Ao ver as plantas da mãe morrerem, decidiu estudar para saber como cuidá-las. Com o tempo, o cuidado virou hobby. “Era uma válvula de escape para o trabalho estressante”, diz.
Durante um ano, reservou os fins de semana e as madrugadas para desenvolver o plano de negócio. “Isso aconteceu em 2020, então estávamos no lockdown da pandemia de coronavírus. Estava de home office, então tive mais tempo para planejar. Estudei paisagismo, design, botânica”, conta.
Assim, o hobby virou negócio e o desejo dos 20 anos se concretizou aos 38, em março de 2021. A paulistana investiu R$ 84 mil para lançar a empresa.
A montagem da loja durante a pandemia foi feita sem mão de obra e com escassez de matéria-prima. “Foi um valor muito abaixo do mercado. Eu fiz tudo sozinha, com ajuda da minha família. Desenhei o armário, comprei o que estava disponível”, conta.
Floricultura não vende rosas vermelhas
“Desde o começo, queria que as pessoas na minha loja tivessem acesso às coisas incríveis que minha mãe me mostrou em vida”, diz Omura. A empreendedora se incomodava com a falta de repertório nas floriculturas tradicionais: sempre rosas vermelhas, lírios e girassóis. Por isso, evitou as flores conhecidas e se propôs a comercializar as mais exóticas.
“O Brasil tem biomas imensos, é um dos maiores produtores de flores do mundo. Quero que as pessoas conheçam essa variedade de espécies. A natureza é maravilhosa, são tantas cores, texturas e formatos diferentes”, justifica.
A loja oferece entre 20 a 30 espécies de flores diferentes por semana. Além das avulsas, vendidas a partir de R$ 4, Omura oferece buquês personalizados. “Eu fielmente acredito que flor não tem que ser a mesma para todo mundo”, explica.
Por meio de um questionário online, o cliente escolhe o modelo do buquê e responde a algumas perguntas que indicam qual é a ocasião, personalidade de quem vai receber, as cores de que ela gosta, o sentimento e a mensagem que se quer transmitir.
As respostas são interpretadas e o conjunto de flores, montado em seguida. O cliente recebe uma foto do buquê para aprovação, acompanhado da explicação do seu significado. Os buquês podem ser adquiridos a partir de R$ 65. O arranjo de flor mais caro da loja custa R$ 255.
As flores dependem da estação. Já a planta mais comprada na loja é o antúrio – não o vermelho clássico, mas uma versão rara de tamanho mini e de cor rosa clara ou lilás. Depois, a maranta pavão, uma das centenas de variações da planta típica da Mata Atlântica. As plantas começam em R$ 25.
A curadoria das flores e plantas considera aquelas que são possíveis de se criar dentro de apartamento, e também o perfil típico dos moradores de São Paulo, sem tempo para perder. Então não demandam muito cuidado e irrigação.
Para ela, ver as pessoas interessadas nas plantas e flores da loja é uma demonstração do sucesso do negócio. “Só pela visitação, já fico feliz. Meu objetivo é fazer as pessoas conhecerem coisas novas”, diz.
A floricultura não depende de datas sazonais, destaca. Apesar do maior fluxo em maio, junho e dezembro, com o Dias das Mães, Dia dos Namorados e fim de ano, Omura também vende presentes personalizados e objetos como ecobags, vasos, copos e acessórios para jardinagem.
A empreendedora também oferece serviços para empresas, como paisagismo corporativo, instalações botânicas para marcas, montagem de cenários de fotos e vídeos para propagandas e de vitrines de lojas, e pequenos eventos em restaurantes. “É linear, rende todo mês”, destaca.
Negócio virou ponto de conexão entre pessoas na pandemia
Nascido na pandemia, o negócio era, muitas vezes, uma ponte de conexão única entre as pessoas durante o período de isolamento social.
“As pessoas não podiam sair de casa, visitar, celebrar o nascimento do outro, o aniversário, a promoção no emprego, as conquistas, as tristezas, muita gente perdia entes queridos… e as flores e plantas eram um ponto de contato através do sentimento. Como já formatei o modelo nessas condições, sabia que esse seria o meu papel.”
Cristina Omura não revela o faturamento da empresa, mas afirma que nos primeiros cinco meses de funcionamento conseguiu recuperar o investimento inicial. Nos três anos de existência, o negócio tem crescido continuamente.
Lucrar com o mercado de floricultura, no entanto, é um desafio, considera a empreendedora. “Gasta-se muito em produto, em perda, mão de obra, matéria-prima. O lucro líquido não é alto. Quando crescemos, triplicamos o trabalho”, afirma.
Com mais três funcionários, sem condições de ampliar a equipe pelo tamanho reduzido da loja, ela trabalha em período integral de segunda a sábado, exercendo diversas funções ao mesmo tempo: da gestão operacional e financeira e atendimento de clientes à faxina da loja.
A publicitária não tem planos de abrir filiais, de expandir o negócio, nem de ficar rica. O seu objetivo para os próximos anos é o de conseguir aumentar ainda mais o portfólio de flores e plantas, melhorar as condições dos funcionários e trabalhar menos.
“A vida da empreendedora solo é muito puxada. Meu desejo é de ter pequenos luxos, como ter uma empresa que faça a minha comunicação, ter entregadores próprios e não abrir a loja um dia na semana. Valor para mim é isso”, argumenta.
Localização no Copan é estratégica e sentimental
O espaço de 100 metros quadrados da Existe Flor em SP fica no pavilhão principal do Copan; metade reservada para a loja, a outra para área de estoque, de descanso da equipe e estúdio de fotografia.
“O centro é um lugar de São Paulo pouco arborizado. No Copan, a floricultura é o verde nascendo no concreto, um ponto de cor, de cheiros e coisas boas que as pessoas acabam descobrindo. Metade da minha vida foi no centro, é onde moro hoje. Me reconheço aqui.”
A escolha também foi estratégica: a localização permite que o negócio esteja próximo das vias de principal acesso ao comércio tanto por transporte público, quanto pelas transportadoras, e de bairros de classe média a alta.
Faturamento vem do online mesmo sem investimento em rede social
Apesar do carinho da dona pelo espaço físico, o faturamento da loja é praticamente todo proveniente das vendas online. “Montei meu negócio por delivery na pandemia e cresci assim. Não preciso do fluxo físico”, revela a empreendedora.
As vendas são realizadas pelo Instagram e pelo WhatsApp da floricultura. Os envios são feitos para São Paulo.
Nas redes sociais, o conteúdo é orgânico. Nessa parte, Omura decidiu deixar os aprendizados da publicidade de lado. “Não tenho estratégia, não invento um centavo sequer em mídia paga, muito menos em influenciador, e não sou refém de números no Instagram. Como sou eu que faço tudo, posto quando posso”, revela.
A única regra que segue é a de postar ao menos um story por dia. No feed, ela prioriza imagens agradáveis. “Vivemos coisas muito sombrias, quero que a conta seja uma válvula de escape, com coisas bonitas de se ver”, diz. De acordo com ela, o público de quase 10 mil seguidores é fiel, são raros os que deixam de seguir a página.
Bem no início, quando Omura estava montando o conceito do negócio, escreveu em meio às suas anotações: “Existe cor, existe amor, e existe flor em SP”. Daí surgiu a ideia do nome, um trocadilho com a canção “Não existe amor em SP”, do cantor Criolo, também nascido e criado na periferia paulistana.
“Eu vejo o contrário, tem amor sim, por todos os lados. Essa cidade abrigou muita gente como minha família, imigrantes. Se hoje tenho tudo o que tenho, é porque essa cidade acolheu a minha família há décadas e a deu a oportunidade de trabalhar e construir uma vida aqui”, considera.
Avaliações de clientes
A Existe Flor em SP tem cinco estrelas no Google, a classificação máxima da plataforma. O resultado é com base em 31 avaliações. A maioria dos comentários exalta especialmente o atendimento recebido na loja.
Fugir da tradição é interessante, mas arriscado, considera consultor
Para Sizinio Augusto Guimaraes Neto, consultor de negócios do Sebrae-SP, a estratégia de vender flores que fogem das tradicionais faz sentido, mas precisa ser bem planejada e executada para funcionar bem.
“Faz todo sentido apresentar outras espécies nativas ou não (importadas ou inovadoras); a questão é tornar o movimento suave”, sugere. Neto recomenda inserir, aos poucos, novas plantas e flores e educar o público e os clientes acerca dos diferenciais característicos de cada bioma, o que chama de “construir e comunicar narrativas”.
Na visão do consultor, deixar as flores tradicionais totalmente de lado pode ser arriscado. “Lembre-se, ainda que existam produtos autorais, diferenciados, é necessário garantir que haja o ‘pão francês’, a commoditie contributiva para suportar os custos da operação. Produtos diferenciados carregam valor agregado e devem contribuir, de maneira mais intensa, com os resultados do negócio.”
Para quem deseja empreender no ramo, ele indica considerar e mapear previamente polos de produção, de fornecedores e distribuidores, além de clientes. Identificar atributos de qualidade do produto também. “O índice de matéria seca (composição da planta tirando a água) maior implica em maior vida útil do produto”, exemplifica.
Agregar serviços ao cliente e trabalhar parcerias e colaborações com outras marcas pode ainda ser uma boa estratégia para alavancar o negócio. “Há necessidades não atendidas pelo mercado, com todo o simbolismo e proposta de valor embutidos no gesto de presentear com flores”, considera Neto.
Ele acredita ser fundamental definir estratégias para aproveitar o potencial do mercado de presentes, como acrescentar às flores caixas de bombons, bebidas, chocolates, e aproveitar as datas comemorativas para oferecer produtos personalizados — táticas usadas pela Existe Flor em SP.
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