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The Economist: O modelo econômico da China mantém um fascínio perigoso

Apesar das dificuldades atuais do país, os autocratas de outros lugares têm muito a admirar

Por The Economist

Há vinte anos, Joshua Cooper Ramo, um consultor, escreveu pela primeira vez sobre o “consenso de Pequim”. O consenso de Washington sobre liberalização financeira, moedas flutuantes e abertura ao capital estrangeiro era, segundo ele, coisa do passado. A China estava sendo pioneira em sua própria abordagem de desenvolvimento baseada em princípios de igualdade, inovação e um foco incansável na soberania e na segurança nacional. Isso atrairia muitos países em desenvolvimento.

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Nos anos que se seguiram, os líderes chineses, em sua maioria, negaram qualquer ambição de exportar um modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado. Mas, às vezes, eles são mais descarados. No ano passado, por exemplo, Xi Jinping argumentou em um discurso para autoridades do Partido Comunista que o modelo econômico do país “quebra o mito de que modernização é igual à ocidentalização” e que seu crescimento estava expandindo as “opções para os países em desenvolvimento”.

Líderes do passado e do presente no mundo em desenvolvimento, desde Imran Khan, do Paquistão, e Mahathir Mohamad, da Malásia, até Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul, expuseram os benefícios de pelo menos alguns aspectos do modelo. E desde que Cooper Ramo escreveu pela primeira vez sobre o consenso de Pequim, a economia chinesa quadruplicou de tamanho em termos reais em dólares, aumentando a influência diplomática e militar do país.

Mais recentemente, no entanto, a economia da China sofreu um revés. Sua recuperação da covid-19 tem sido fraca, limitada por uma crise imobiliária, que fez com que o investimento no setor caísse quase um quarto em termos nominais desde 2021. Os esforços para impulsionar a manufatura geraram confrontos com as potências ocidentais, cujos líderes acusam a China de praticar dumping de produtos com preços baixos.

Esforços da China para impulsionar a manufatura têm gerado confronto com as potências ocidentais, cujos líderes acusam a China de praticar dumping de produtos com preços baixos Foto: AP / AP

Dado esse contexto sombrio, certamente a demanda pelo modelo chinês está caindo? Não é bem assim. Como disse Kristalina Georgieva, diretora do FMI, em uma entrevista recente à televisão estatal chinesa: “Eu viajo pelo mundo e vejo modelos de desenvolvimento que saíram da China replicados em outros lugares”.

Para analisar até que ponto isso é verdade, produzimos um índice que mede a semelhança de outras economias com a da China. Em grande parte, ele confirma sua conclusão. Além disso, há motivos para acreditar que a influência da China continuará a crescer.

O que é exatamente o modelo chinês? Algumas de suas características mais conhecidas também podem ser encontradas em outras histórias de sucesso do Leste Asiático, incluindo Japão, Coreia do Sul e Taiwan. As economias dos quatro países são orientadas para a exportação e o investimento. Por sua vez, a China tem tido um superávit na conta-corrente há três décadas.

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Sua formação bruta de capital fixo, uma medida de investimento, chega a 42% do PIB, uma das maiores participações do mundo. Uma conta de capital amplamente fechada impede que os cidadãos movimentem dinheiro no exterior. A repressão financeira, a prática de manter as taxas de juros artificialmente baixas, garante financiamento bancário barato para os setores favorecidos pelo Estado.

Mas há outros elementos mais claramente chineses. A Coreia do Sul e Taiwan passaram de um regime autocrático para um regime democrático, embora fossem mais pobres do que a China hoje. Em Pequim, não houve liberalização política, e o poder econômico do Estado é utilizado com entusiasmo para fins políticos, inclusive por meio do uso de empresas estatais. Isso é particularmente verdadeiro no setor financeiro. Apesar do crescimento da iniciativa privada desde a década de 1980, as autoridades mantiveram um controle rígido sobre o sistema bancário, com mais de 50% dos ativos bancários ainda detidos por credores estatais.

O desenvolvimento do país também dependeu do uso de zonas econômicas especiais (Sezs), áreas que oferecem a empresas e indivíduos regras mais liberais de impostos e investimentos. Essas zonas não se originaram na China, mas as mais bem-sucedidas, como as vastas zonas em Shenzhen e na Ilha de Hainan, serviram de inspiração para imitadores em todo o mundo. O número de Sezs explodiu. Hoje, somente as Filipinas abrigam mais Sezs do que havia em todo o mundo em 1995.

Os criadores de tendências de Pequim

Usando essas sete medidas - o saldo da conta-corrente de um país, a abertura de sua conta de capital, a escala de seu investimento, a parcela das exportações que são bens manufaturados, o tamanho do sistema bancário estatal, seu nível de democracia e o número de grandes Sezs por pessoa - calculamos o quanto outras economias têm em comum com a China.

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O mais semelhante de todos é o Vietnã, que tem uma economia de exportação e manufatura intensiva governada por seu próprio Partido Comunista. A Austrália e o Reino Unido, nenhuma das quais é governada por comunistas, estão entre as que estão na parte inferior da classificação. A economia da Grécia é a menos parecida com a da China.

As posições de outros países talvez sejam mais surpreendentes. Embora o desenvolvimento inicial da Coreia do Sul seja frequentemente comparado ao da China, os dois países já divergiram. De fato, a China agora tem mais em comum com Bangladesh e Turquia, ambos países que visam promover as exportações, mas que têm políticas mais democráticas.

A Índia e a Etiópia também se assemelham à China, em parte devido a seus sistemas bancários estatais. Enquanto isso, a conta de capital fechada de Angola faz com que o país suba na classificação. Todos esses países também têm Sezs.

Em vez de um modelo econômico padronizado, o que a China oferece aos líderes dos países em desenvolvimento é a garantia de que eles não precisam se tornar mais democráticos para crescer. Como diz Charles Robertson, da Fim Partners, uma empresa de investimentos em mercados emergentes e de fronteira: “Para uma grande parte do sul global, o sucesso da China é imensamente atraente porque mostra que os ocidentais brancos não têm todas as respostas”.

Mesmo que o crescimento oferecido agora pareça menos certo do que antes, a barganha ainda parece boa para muitos autocratas. Países como Angola, Etiópia e Tanzânia são liderados por partidos dominantes que surgiram de movimentos de libertação nacional e há muito tempo gostam da intervenção do Estado, da gestão rigorosa do comércio e do controle político do crédito. A China oferece a eles menos um modelo e mais uma desculpa, diz Ricardo Soares de Oliveira, da Universidade de Oxford.

Além disso, a promoção de seu modelo pela China aumentou a velocidade nos últimos anos. Elizabeth Economy, da Hoover Institution da Universidade de Stanford, argumenta que essa atividade reflete um desejo maior de promover as empresas chinesas no exterior. O Departamento de Ligação Internacional do Partido Comunista promoveu laços com as elites do mundo em desenvolvimento.

Sua primeira escola de treinamento no exterior para burocratas estrangeiros, na Tanzânia, começou a aceitar alunos em 2022. Mesmo que as dificuldades econômicas da China tenham se tornado mais óbvias no último ano, os elogios ao seu modelo de desenvolvimento continuaram a ser feitos por líderes estrangeiros, incluindo Shavkat Mirziyoyev, do Uzbequistão, Vladimir Putin, da Rússia, e Yoweri Museveni, de Uganda.

Ao contrário do consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial, o consenso de Pequim não conta com o apoio de nenhuma instituição internacional. Os empréstimos da China também vêm com menos condições políticas. Mas é amplo e concentrado em setores típicos do modelo chinês. Entre 2019 e 2023, cerca de 76% dos desembolsos da China no exterior e da atividade de construção, no valor de US$ 541 bilhões (R$ 2,88 trilhões), foram em apenas quatro setores: energia, metais, propriedade e transporte.

Da mesma forma, Yu Zhang e seus colegas da Universidade de Aviação Civil da China identificaram 103 zonas fora da China administradas pelo Ministério do Comércio da China, com investimentos facilitados por essas zonas com foco em setores associados ao modelo chinês. Como resultado, os países anfitriões podem perceber que suas economias estão se tornando mais chinesas.

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A adoção do consenso de Pequim é uma boa ideia? Embora o Vietnã, Bangladesh e a Etiópia tenham introduzido políticas semelhantes às da China, eles ficaram muito aquém do crescimento chinês. Enquanto isso, países como a Geórgia e a Polônia demonstraram que o crescimento rápido é possível em sistemas menos autoritários. Yasheng Huang, do Massachusetts Institute of Technology, observa que as economias em desenvolvimento poderiam aprender muito mais com a experiência de liberalização econômica da China logo após o início das reformas de Deng Xiaoping em 1978 do que com seu desempenho mais recente.

Durante a década que se seguiu, a renda pessoal dos chineses aumentou mais rapidamente do que o PIB, o empreendedorismo rural cresceu e o país oscilou entre um superávit e um déficit na conta-corrente. “A China não tinha um modelo de crescimento mercantilista na década de 1980″, diz Huang.

Os países que priorizam a expansão do Estado, da infraestrutura, das exportações e da indústria pesada podem se deparar com dificuldades. Huang cita o Paquistão como um exemplo. Sua taxa de alfabetização ainda está abaixo de 60%, mas o governo está concentrando investimentos em energia, ferrovias e no Corredor Econômico China-Paquistão, uma rede de projetos de infraestrutura que cruzam a fronteira entre os dois países. Em outros lugares, também, a economia chinesa ainda é vista com admiração, principalmente pelas elites que têm pouca intenção de liberalizar. Apesar das dificuldades da China, o consenso de Pequim continua firme. / TRADUÇÃO GUILHERME RUSSO

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