CPI da Covid: o que Pazuello disse em dois dias de depoimento
O depoimento do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid durou dois dias e foi concluído no fim da tarde da quinta-feira (20/05).
Na avaliação do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello "mentiu muito" ao longo do depoimento. O general, por sua vez, negou que tenha faltado com a verdade.
Em entrevista coletiva após o depoimento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM) afirmou que Pazuello foi à CPI com intuito de "proteger" Bolsonaro.
"Ele se utilizou do habeas corpus não para defender a ele próprio, mas sim o presidente da República. Eu o aconselhei que aqueles que estão ao lado dele nesse momento, não ficarão com ele no futuro."
O senador também afirmou que o relatório final da CPI deve recomendar que Pazuello seja investigado por homicídio. "Pelos menos esses três crimes: homicídio culposo, homicídio doloso e crime contra ordem sanitária. Ele tinha a obrigação de agir e não agiu", afirmou Rodrigues em relação ao colapso no sistema de saúde de Manaus (leia mais abaixo).
A BBC News Brasil reuniu oito pontos importantes dos dois dias de depoimento do general do Exército à CPI que investiga ações e possíveis omissões do governo Bolsonaro durante a pandemia.
1. Bolsonaro 'nunca deu ordens diretas'
Na quarta-feira, primeiro dia de depoimento, Pazuello disse que Bolsonaro "nunca deu ordens diretas para nada" enquanto ele foi ministro. "Em momento algum o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer nada diferente do que eu estava fazendo. As orientações foram fazer a coisa acontecer o mais rápido possível."
Em outubro do ano passado, no entanto, Pazuello afirmou em um vídeo que sua relação com o presidente era "simples": "Um manda e o outro obedece", disse.
Ontem, na CPI, Pazuello alegou que a fala era um "jargão simplório para discussões de internet" e que se encontrou "menos do que gostaria" com o presidente durante a condução do enfrentamento à pandemia que já matou 444 mil brasileiros até essa quinta.
A discussão surgiu por conta de uma fala de Bolsonaro, em outubro do ano passado.
Na ocasião, o presidente afirmou que havia mandado cancelar uma decisão tomada pelo ministério da Saúde sobre um protocolo de interesse de compra da vacina CoronaVac, desenvolvida na China. "Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade", disse Bolsonaro, que depois chamou o imunizante pejorativamente de "vachina".
Na CPI, Pazuello alegou que a fala de Bolsonaro foi "uma posição como agente político na internet" e que isso não interferiu em nada na discussão que havia com o Instituto Butantan, que produz a CoronaVac no Brasil.
"Uma fala na internet não é uma ordem", disse Pazuello. "Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou", disse o general.
Sobre o fato de o Twitter do Ministério da Saúde ter apagado mensagem que falava sobre intenção de compra da Coronavac logo após declarações do presidente, Pazuello disse que não acompanhou o Twitter.
"Não fui eu que dei ordem para tirar. Algum pode ter tirado. Eu não mandei tirar nada de Twitter", disse.
2. Falta de oxigênio em Manaus
Pazuello afirmou que só ficou sabendo da falta de oxigênio que levou a colapso de Saúde em Manaus (AM) no dia 10 de janeiro.
O ex-ministro foi confrontado pelo senador Eduardo Braga com a informação de que a iminência de falta de oxigênio já estava nos jornais do Estado no dia 6 de janeiro. "É uma informação que todos que lidam com saúde deveriam saber", disse Braga.
Pazuello afirmou que o ministério é "abastecido pelas informações das secretarias de Saúde dos Estados e municípios" e que "no plano de contingência que recebemos da secretaria, não havia menção a oxigênio."
No entanto, um documento de 4 de janeiro produzido pelo Ministério da Saúde e com o nome de Pazuello afirma que "há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias", segundo uma reportagem da Agência Pública.
Confrontado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-RO) com um documento do ministério, do dia 7, que falava de uma conversa entre o ministro e o secretário de Saúde do AM em que teria acontecido menção à falta de oxigênio. Pazuello disse que a conversa por telefone não teve menção ao problema.
Pazuello também foi questionado por Braga por que, se o governo considerou que a Secretaria de Saúde do Estado não agiu corretamente, não foi decretada uma intervenção federal na Saúde do Estado - como pediu Braga, que é senador pelo Amazonas.
"Essa decisão não era minha. (Seu pedido) foi levado à uma reunião de ministros e foi decidido que não haveria intervenção", afirmou. "O presidente da República estava nesta reunião. Essa decisão foi tomada nessa reunião", disse.
Nesta quinta, Pazuello também culpou a empresa White Martins, fornecedora de oxigênio. Segundo ele, a companhia "não deixou claro" que a reserva do recurso estava sendo consumida rapidamente.
3. Aplicativo que recomendava cloroquina
Pazuello também foi confrontado por sua fala na CPI na quarta, quando disse que nunca indicou cloroquina e tratamento precoce, mas defendeu "liberdade dos médicos".
Braga lembrou que o governo lançou em Manaus, em 11 de janeiro, um programa chamado TrateCov — um aplicativo desenvolvido para diagnóstico e indicação de tratamento de covid.
"Através desse programa, o governo recomendava cloroquina para gestantes e crianças", disse o presidente da CPI, Omar Aziz. O senador amazonense afirmou, ainda, que a população de Manaus foi "usada como cobaia".
Já Pazuello afirmou que o programa foi "hackeado e lançado por um hacker". No entanto o TrateCov foi lançado oficialmente pelo Ministério da Saúde, com direito a programa na TV Brasil para promoção do aplicativo.
"O TrateCov nunca foi usado por médico algum. O programa foi descontinuado", disse Pazuello.
4. Demora na compra de vacinas
Nos dois dias de depoimento, Pazuello foi questionado sobre por que o governo rejeitou propostas de 70 milhões de doses da Pfizer em agosto. Na quarta, ele afirmou que havia divergências com a Pfizer sobre questões jurídicas.
O senador Randolfe Rodrigues levou à CPI a minuta de uma Medida Provisória elaborada por vários ministérios, inclusive o da Saúde, com um dispositivo que poderia resolver a questão jurídica.
A Medida Provisória que acabou sendo assinada pelo presidente da República, no entanto, não continha esse dispositivo.
Na semana passada, porém, o ex-presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, afirmou à CPI que as propostas iniciais feitas pela empresa em agosto não foram respondidas pelo governo por dois meses.
A demora foi confirmada pelo ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fabio Wajnngarten, em depoimento na semana passada. As negociações só teriam se iniciado dois meses depois da proposta, quando Wajngarten soube que o governo não havia respondido à oferta da empresa.
Ontem, Pazuello contestou: "Foram respondidas. A resposta à Pfizer é uma negociação que começa com a proposta e termina com a assinatura do memorando de entendimento para compra. Quando nós tivemos a primeira proposta oficial da Pfizer, ele chegou com 5 cláusulas que eram assustadoras."
O ex-ministro citou exigências como a isenção de responsabilidade por efeitos colaterais, transferência do fórum de decisões sobre questões judiciais para Nova York, pagamento adiantado e não existência de multa por atraso de entrega.
As exigências são as mesmas feitas pela empresa para outros países e similares a outras propostas de outras empresas.
Pazuello afirmou que a existência de "cláusulas leoninas" foi verificada por advogados da assessoria do ministério. "Hoje já temos outras propostas com essas cláusulas, mas na época não havia", afirmou.
"Talvez hoje possamos ouvir com um grau de normalidade. Mas a primeira vez que eu ouvi isso achei assustador", disse Pazuello. "Além disso, a Pfizer trouxe a 10 dólares a dose, e nós estávamos negociando a 3 dólares. Além das discussões logísticas sobre armazenamento."
5. Quem embasava as decisões do ministério?
Pazuello disse que as ações do ministério não seguiram todas as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) porque não havia obrigação de seguir.
"Não somos obrigados a seguir orientações da OMS. A posições da OMS não eram contínuas por causa da incerteza da pandemia".
"Usamos (as orientações) como base para nosso processo decisório", afirmou. "(Mas) as posições eram do ministério."
6. Comunicação e campanhas sobre pandemia
O senador e relator da CPI, Renan Calheiros, informou que maior parte do dinheiro das peças publicitárias foi direcionada às ações do governo sobre questões econômicas e não sanitárias e questionou quem tomou as decisões sobre isso.
Pazuello contradisse o ex-secretário Wajngarten, que havia afirmado à CPI que a decisão sobre as campanhas sobre covid-19 vinham do Ministério da Saúde.
O general afirmou que as propostas foram feitas pelo Ministério da Saúde, mas a coordenação era toda da Secretaria de Comunicações e que todas as peças publicitárias passavam por eles.
7. Acusações sobre contratos do Ministério da Saúde no Rio
Pazuello foi questionado sobre contratos do Ministério da Saúde cancelados pela Advocacia Geral da União após serem considerados irregulares. A informação foi revelada na terça-feira (18/05) pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Segundo a reportagem, a Superintendência Estadual do ministério no Rio, sob comando do coronel da reserva George Divério, nomeado por Pazuello, firmou dois contratos sem licitação para reformas de prédios administrativos em valores que somam quase R$ 30 milhões, com empresas suspeitas.
Ainda segundo o Jornal Nacional, o órgão comando por Divério usou a urgência da pandemia como justificativa para realizar os contratos sem licitação, embora os edifícios reformados não sirvam para atendimento de saúde.
Pazuello disse que se informou sobre o caso após a reportagem.
"A informação que tive foi que as causas da emergência (para contrato sem licitação) não foi covid, eram causas de risco à integridade das pessoas que estavam trabalhando nas duas instalações. E dois: não houve emprego de recurso algum porque os processos foram cancelados. Foi verificado pela nossa própria integridade que a formalidade não tava correta e ela foi cancelada antes de ocorrer", respondeu.
8. 'Um homem comum'
Um pequeno tumulto aconteceu nesta quinta quando o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) citou uma frase que analisava a personalidade do oficial nazista Adolf Eichmann, um dos organizadores do holocausto, julgado e condenado à morte em Israel em 1962.
"Ele não possuía histórico ou traços preconceituosos, não apresentava caráter distorcido ou doentio, ele agiu segundo o que acreditava ser seu dever, cumprindo ordens superiores e com o desejo de ascender na carreira, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questionar, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o bem ou mal que pudessem causar", leu o senador Alessandro.
"Faço essa referência porque, muito claramente nos contatos em que tivemos, o senhor não se portou com desrespeito à vida. Mas dentro do conjunto da obra, na perspectiva de política pública, o senhor falhou. E eu tenho convicção que o senhor não falhou por convicção sua. Não consigo entender que diabo de lealdade o senhor acredita ter que o leve a acobertar o verdadeiro autor das ordens que o senhor seguiu", afirmou.
A leitura dos senadores opositores é de que Pazuello tem protegido o presidente Jair Bolsonaro em seu depoimento, evitando implicá-lo em qualquer decisão que possa ter levado ao atual estado da pandemia no país.
A citação do senador Alessandro gerou uma reação em senadores governistas.
"Comparar o general que tem origem judaica com um oficial nazista não foi elegante", disse Marcos Rogério (DEM-RO).
O senador Alessandro afirmou que em nenhum momento citou a origem do general. "Comentei a conduta burocrática, descolada da realidade", disse Alessandro Vieira.
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