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COP28: horas após Brasil prometer se aliar a 'clube do petróleo', Lula cobra mundo por combustíveis fósseis
- Author, Daniel Gallas
- Role, Enviado especial da BBC News Brasil à Dubai (Emirados Árabes)
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou na sessão de líderes da conferência da ONU sobre o clima (COP28) nesta sexta-feira (1/12) e cobrou do planeta uma ação para o mundo se tornar menos dependente dos combustíveis fósseis.
A COP28 é o principal foro global para se discutir as mudanças climáticas — e cientistas dizem que o planeta está se aquecendo em um ritmo muito mais acelerado do que o previsto originalmente.
O Brasil chegou ao encontro com a ambição de se tornar um dos líderes globais no combate ao aquecimento global.
Mas horas antes do encontro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse em videoreunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) que o Brasil pretende aderir à Opep+.
A Opep+ é um grupo de aliados da Opep original — entidade que costuma negociar cortes de produção de petróleo para forçar um aumento no preço. Cortes negociados pela Opep não são obrigatórios para países membros da Opep+.
Mas o grupo trabalha para fortalecer os interesses dos grandes produtores de petróleo mundial.
Na quinta-feira (30/11), a Opep divulgou uma nota dizendo que o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, confirmou a intenção brasileira de aderir à Opep+ na videoconferência ministerial da entidade.
Países produtores de petróleo têm sido fortemente criticados na COP28 por não reduzirem a exploração de combustíveis fósseis – inclusive sinalizando aumento de produção nos próximos anos. Essa produção contribui para a emissão de gases que provocam mudanças climáticas.
O discurso de Lula
Um dos críticos dos combustíveis fósseis foi Lula — apesar de o próprio Brasil ser um dos países que mais têm aumentado sua capacidade de exploração de petróleo nos últimos anos.
"É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa", disse Lula no seu discurso em Dubai.
"Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?"
O presidente brasileiro foi um dos primeiros líderes mundiais a discursar — logo depois do rei Charles 3º do Reino Unido.
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Lula disse que os países pobres são os que mais sofrem com os problemas climáticos do planeta.
"A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres. O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial."
"No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte. A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes."
Ele também disse que existe uma descrença com as negociações globais que não produzem resultados.
"O planeta já não espera para cobrar da próxima geração. O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas. Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. De discursos eloquentes e vazios. Precisamos de atitudes concretas."
E criticou países que "lucram com a guerra" e chamou a atenção para emissões causadas por guerras.
"É preciso resgatar a crença no multilateralismo. É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados."
"Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática. Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?"
'Benefícios' do petróleo
Horas antes do discurso de Lula condenando combustíveis fósseis na ONU, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participou de uma videoconferência da Opep na qual confirmou a adesão do Brasil à carta de cooperação da Opep+ no mês que vem.
Um vídeo do encontro mostra Silveira fazendo elogios à entidade dos produtores de petróleo e destacando a importância do combustível fóssil para o Brasil.
Silveira faz elogios à Opep+ por gerar "benefícios aos países produtores de petróleo" e também aos consumidores de combustíveis fósseis.
"No Brasil, nós acompanhamos com grande entusiasmo o valoroso trabalho realizado pelos 23 países participantes do acordo da Opep+ desde a sua fundação em dezembro de 2016", diz o ministro.
"O acordo da Opep+ tem efetivamente preservado a estabilidade dos mercados de petróleo e energia. Essa estabilidade traz consigo benefícios não só a países produtores de petróleo mas também - e principalmente - aos consumidores, refletindo diretamente na economia global."
No encontro da Opep+, Silveira disse que o Brasil é líder em energias renováveis — mas também é um país de "destaque na produção de petróleo e gás" e que nos próximos cinco anos o Brasil vai investir US$ 102 bilhões em energias (renováveis e não-renováveis).
Silveira diz ainda que "o Brasil se beneficia significativamente da estabilidade dos mercados de petróleo e energia e busca principalmente a proteção do consumidor na garantia de suprimento".
Ao final, ele confirma a adesão do Brasil à carta de cooperação da Opep+ já no próximo mês.
"Eu gostaria de concluir minhas palavras informando que o excelentíssimo presidente Lula confirmou a nossa carta de cooperação da Opep+ a partir de janeiro de 2024. Este é um momento histórico para o Brasil e a indústria energética, abrindo um novo capítulo de diálogo e cooperação internacional no campo de energia."
"Esperamos nos juntar a esse distinto grupo e trabalhar com todos os 23 países nos próximos meses e anos. Eu, na qualidade de ministro Minas e Energia do Brasil, responsável por todo setor mineral e energético do país, gostaria de registrar a minha integral disposição de aprofundar políticas públicas junto a membros da Opep e Opep+."
Pouco depois ele faz uma ressalva de que protocolos governamentais exigem que técnicos do Brasil ainda analisem a carta da Opep+, e pede que a adesão oficial seja realizada em encontro presencial da Opep em 1º de junho de 2024.
Repercussão
O anúncio do Brasil de que pretende entrar na Opep+ gerou perplexidade entre entidades ambientais que acompanham as negociações em Dubai e os esforços brasileiros de se tornar uma liderança ambiental.
Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, disse que é uma contradição o Brasil tentar ser um líder nos esforços mundiais para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e ao mesmo tempo se aproximar de produtores de petróleo.
"Como o 'paladino do 1,5 grau' pode gerenciar a liderança dentre os maiores produtores de petróleo do mundo?"
O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, disse que o anúncio do Brasil sobre a intenção de entrar na Opep+ foi confuso, e que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, acabou "expondo" Lula diante do mundo na COP28.
"O que o ministro de Minas e Energia falou e a forma eloquente com que ele dá certeza de que o Brasil vai entrar na Opep+ é no mínimo contraditório com o que o presidente tem falado. O presidente tem dito que vai estudar a proposta. E o ministro dá como certa a entrada", diz Astrini.
"O ministro parece querer desautorizar o presidente da República. Ele está fazendo esse anúncio no meio de uma conferência do clima, contrariando o discurso do presidente que hoje na plenária pediu uma redução do consumo de combustíveis fósseis para todo o mundo. E o ministro de Minas e Energia disse que o Brasil quer entrar na Opep para aumentar a produção brasileira", disse Astrini.
"O governo precisa decidir quem realmente está falando a verdade sobre esse tema: é o presidente ou o ministro? Na forma que o ministro fez, isso é bastante grave. A data que ele escolheu acaba expondo o presidente."
Astrini elogiou o discurso de Lula na COP28 e disse que o Brasil tem condições para ser liderança global climática, como ambiciona.
Opep e Opep+
A Opep é a organização dos países exportadores de petróleo e existe desde 1960. A entidade é frequentemente acusada de ser um cartel — que negocia em conjunto cortes de produção que aumentavam os preços internacionais. Nos anos 1970, esses cortes geraram crises econômicas internacionais — que afetaram fortemente países industrializados, como os Estados Unidos.
Hoje a Opep é formada por 13 países: Argélia, Angola, Guiné Equatorial, Gabão, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, República do Congo, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela.
A entidade à qual o Brasil pode aderir se chama Opep+ e foi formada em 2016. Ela inclui 10 outros membros considerados aliados dos 13 principais, como Bahrein, Brunei, Guiné Equatorial, Sudão do Sul, Sudão e Malásia. Esses países podem concordar de forma voluntária a fazer cortes de produção — mas não são obrigados a fazê-lo.
Petróleo
O petróleo é um dos grandes temas da COP28 este ano — já que a conferência está sendo realizada nos Emirados Árabes Unidos, um dos grandes produtores mundiais.
Cientistas, ambientalistas e alguns governantes cobram dos produtores de petróleo um plano para a redução gradual do uso de combustíveis fósseis e substituição por fontes de energia renovável. Lula também repetiu essa cobrança em seu discurso na plenária de abertura da COP nesta sexta-feira.
No computo geral das emissões globais, grandes países produtores não aparecem como grandes poluidores, já que as emissões são contabilizadas no local onde o petróleo é queimado — e não onde ele é produzido.
Na véspera da COP28, a BBC revelou que os Emirados Árabes Unidos planejaram usar o papel como anfitrião da conferência como uma oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás, apurou a BBC. Documentos vazados revelam planos para discutir acordos relacionados aos combustíveis fósseis com 15 nações — inclusive o Brasil.
A equipe dos Emirados Árabes não negou que planeja usar as reuniões marcadas durante a COP28 para negociações de acordos comerciais — porta-vozes do país também disseram que "as reuniões são privadas".
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