Quem é o fundador do grupo Wagner e o que sabe sobre queda de avião na Rússia

Yevgeny Prigozhin

Crédito, Getty

Legenda da foto, O fundador do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, começou sua carreira administrando uma rede de barracas de cachorro-quente

Um dos principais personagens da invasão russa à Ucrânia, Yevgeny Prigozhin, que comanda o exército privado de mercenários Wagner, estava entre os passageiros de um jato particular que caiu na Rússia nesta quarta-feira (23/8) matando todos a bordo, informaram autoridades russas.

Presume-se que ele esteja morto e entre os dez corpos que foram recuperados.

Prigozhin foi durante meses tido como central na campanha russa na Ucrânia, até se voltar contra o Kremlin e liderar um motim contra Moscou em junho, que durou menos de 24 horas.

Após uma amarga troca de acusações depois da rebelião, o grupo Wagner e a liderança do Ministério da Defesa da Rússia romperam relações. Putin classificou Prigozhin como um "traidor".

Dias depois, um acordo foi costurado, mas Prigozhin era considerado um "homem marcado para morrer" nos meios de inteligência russos.

Vídeo noturno com homem falando para câmera
Legenda da foto, Yevgeny Prigozhin postou um vídeo no qual afirmava ter levantado uma bandeira russa sobre a prefeitura de Bakhmut

Quem é Yevgeny Prigozhin

Yevgeny Prigozhin é de São Petersburgo, cidade natal também de Vladimir Putin.

Ele foi condenado pela primeira vez em 1979, com apenas 18 anos, e recebeu pena de dois anos e meio por roubo, a qual foi cumprida em liberdade. Dois anos depois, ele foi condenado a 13 anos de prisão por roubo e furto, nove dos quais cumpriu atrás das grades.

Após ser solto, Prigozhin montou uma rede de barracas que vendiam cachorro-quente em São Petersburgo. Ele se deu bem nos negócios e em poucos anos — ao longo da década de 1990, período de transição das leis na Rússia — Prigozhin conseguiu abrir restaurantes caros na cidade.

Yevgeny Prigozhin serve comida para Putin

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Yevgeny Prigozhin (esquerda) serve Vladimir Putin (centro) em um jantar em 2011
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Foi lá que ele começou a ter contato com as pessoas mais poderosas de São Petersburgo e, depois, da Rússia. Um de seus restaurantes, o New Island, era um barco que navegava pelo rio Neva. Vladimir Putin gostava tanto do restaurante que — depois de se tornar presidente — começou a levar seus convidados estrangeiros para comer lá. E foi provavelmente assim que os dois se conheceram.

"Vladimir Putin... percebeu que eu não tinha nenhum problema em servir pessoalmente a chefes de Estado", disse Prigozhin em uma entrevista. "Nós nos conhecemos quando ele veio com o primeiro-ministro japonês, Yoshiro Mori."

Mori visitou São Petersburgo em abril de 2000, no início do governo de Vladimir Putin.

Em 2003, Putin já confiava em Prigozhin o suficiente para comemorar seu aniversário no New Island.

Anos depois, a empresa de catering (serviço de alimentação em eventos) de Prigozhin, a Concord, foi contratada para fornecer comida ao Kremlin, o que lhe valeu o apelido de "chef de Putin". As empresas ligadas a Prigozhin também ganharam contratos estatais para fornecer comida a escolas militares e estatais.

Grupo Wagner

Mas foi depois da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2014 que começaram a surgir sinais de que Prigozhin não era um empresário comum. Uma empresa militar privada obscura supostamente ligada a ele estava combatendo forças ucranianas na região leste de Donbass.

O grupo é conhecido como Wagner, que era o codinome de um de seus principais comandantes iniciais. Esse comandante era fascinado com a Alemanha nazista, que usava as obras do compositor Richard Wagner em sua propaganda.

Ironicamente, a "desnazificação" da Ucrânia é um dos principais objetivos declarados da invasão em grande escala do presidente Putin à Ucrânia, lançada em fevereiro do ano passado.

Armas sendo disparadas em guerra

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Legenda da foto, A Ucrânia está se defendendo contra ataques russos em Bakhmut liderados pelo grupo Wagner

Além da Ucrânia, o Wagner atua na África e em outras regiões ajudando a promover a agenda do Kremlin — desde apoiar o regime de Bashar al-Assad na Síria até combater a influência francesa no Mali.

Com o tempo, o grupo mercenário ganhou uma reputação assustadora de brutalidade.

Os membros do Wagner foram acusados de torturar um preso sírio com uma marreta, decapitá-lo e incendiar seu corpo em 2017.

No ano seguinte, três jornalistas russos foram mortos enquanto investigavam a presença do Wagner na República Centro-Africana.

Em 2022, o grupo foi novamente acusado de matar um homem com uma marreta, por suspeitas de que ele havia "traído" o grupo na Ucrânia.

Na época, Prigozhin descreveu as imagens não verificadas do assassinato brutal como "a morte de um cachorro por outro". Depois que membros do Parlamento Europeu pediram que o Wagner fosse designado como um grupo terrorista, ele disse ter enviado aos políticos uma marreta manchada de sangue.

Durante anos, Prigozhin negou ter qualquer ligação com o Wagner e até processou pessoas que sugeriram essa relação. Mas, em declaração de setembro de 2022, ele disse que havia montado o grupo em 2014.

Os EUA, a União Europeia e o Reino Unido impuseram sanções ao Wagner. Mas o grupo tem permissão para operar na Rússia, embora a lei do país proíba atividades mercenárias.

Robôs e trolls

Outra maneira pela qual Yevgeny Prigozhin se envolveu na política mundial dependia de pessoas com teclados, em vez de homens com armas.

Durante anos, ele foi acusado de estar por trás das chamadas "fazendas de trolls" (gíria da internet para designar pessoas que agem com o intuito de provocar ou ofender) ou "fábricas de bots" (robôs), que usavam contas em redes sociais e sites para divulgar opiniões pró-Kremlin. Esses esforços foram liderados pela Internet Research Agency (IRA), com sede em São Petersburgo, mais conhecida por interferir nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA.

Fachada do Centro Wagner, em São Petersburgo

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Legenda da foto, O Centro Wagner, um bloco de escritórios do grupo mercenário, foi inaugurado em São Petersburgo em novembro

O ex-diretor do FBI Robert Mueller, que foi nomeado para investigar alegações de conluio entre a campanha de Donald Trump e a Rússia, concluiu que o IRA realizou uma campanha de mídia social destinada a ampliar a divisão política e social nos EUA. Essa campanha evoluiu e virou uma operação para apoiar Trump contra sua rival na eleição, Hillary Clinton, segundo o relatório de Mueller.

Os EUA impuseram sanções ao IRA e a Prigozhin pessoalmente por interferência nas eleições presidenciais de 2016 e depois por interferência nas eleições de meio de mandato de 2018.

A Ucrânia é outro alvo importante das campanhas de desinformação do IRA e, de acordo com o Reino Unido, "soldados cibernéticos" com ligações suspeitas com Prigozhin atacaram países como Reino Unido, África do Sul e Índia.

Depois de negar qualquer envolvimento e de processar pessoas que sugeriram que ele estava por trás de fábricas de trolls e fazendas de bots, Prigozhin afirmou em fevereiro de 2023 que havia "concebido, criado e administrado" o IRA.

Guerra na Ucrânia

Todo esse tempo, Prigozhin vinha evitando os holofotes, geralmente se comunicando com a mídia por meio de declarações emitidas por sua empresa de alimentação, a Concord.

Mas isso mudou depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022. Meses após o início da invasão, quando as forças russas pareciam empacadas na Ucrânia, os serviços de Prigozhin voltaram a ser procurados.

Depois de anos negando a existência do Wagner, no dia 27 de julho de 2022 a imprensa controlada pelo Kremlin admitiu que o grupo estava lutando no leste da Ucrânia.

Prigozhin também começou a postar vídeos nas redes sociais — aparentemente filmados em partes ocupadas da Ucrânia — nos quais se gabava das façanhas do Wagner ali. A essa altura, nenhuma outra empresa militar privada no mundo tinha acesso a tantos equipamentos de guerra, incluindo caças, helicópteros e tanques.

Yevgeny Prigozhin com roupa militar

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Legenda da foto, Em vídeo divulgado em 3 de março, Yevgeny Prigozhin fala direto de Bakhmut

Logo ficou evidente que as relações de Prigozhin com os militares russos eram muito tensas. Ele criticou o alto escalão da Rússia, afirmando que o Ministério da Defesa deixou o Wagner sem munição. Ele acusou o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, de traição.

Depois que dezenas de milhares de soldados russos foram mortos na Ucrânia, Prigozhin foi autorizado a recrutar nas prisões russas. Ele visitou pessoalmente várias prisões para prometer aos criminosos condenados que eles poderiam voltar para casa livres, e com suas condenações anuladas após seis meses de luta por Wagner na Ucrânia — se sobrevivessem.

Em um vídeo, ele diz aos condenados: "Você tem mais alguém que pode tirá-lo desta prisão, se você tem 10 anos para passar atrás das grades? Deus e Alá podem, mas em uma caixa de madeira. Eu posso tirar você daqui vivo. Mas eu nem sempre trago você de volta vivo".

A inteligência do Reino Unido estima que cerca de metade dos prisioneiros que o Wagner enviou para a Ucrânia foram feridos ou mortos.

No início de 2023, quando as relações de Prigozhin com o Ministério da Defesa pioraram, ele foi impedido de recrutar mais prisioneiros.

O Kremlin

Mas por que o Kremlin lançava mão de alguém como Prigozhin para conduzir desinformação e campanhas militares em todo o mundo?

Uma das principais razões é a chamada "negação plausível" — o uso de agentes privados permite que o governo russo negue o envolvimento em operações controversas.

Yevgeny Prigozhin

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Legenda da foto, O governo da Rússia pode usar Yevgeny Prigozhin e negar qualquer envolvimento em ações polêmicas

E por que Prigozhin acabou nessa função? Segundo o jornalista Ilya Zhegulev, que estudou detalhadamente a biografia de Prigozhin, há diversos motivos que explicam isso.

"Ele nunca se recusou a fazer trabalhos sujos. Ele não tinha nada a perder em termos de reputação", argumenta Zhegulev.

O passado de Prigozhin é outro motivo, diz o jornalista. "Putin não gosta de pessoas com uma reputação impecavelmente limpa, porque são difíceis de controlar. Desse ponto de vista, Prigozhin era o candidato ideal."

Em uma rara entrevista em 2011, Prigozhin disse que certa vez escreveu um livro para crianças em que o personagem principal "ajudou o rei a salvar seu reino" e depois fez "algo verdadeiramente heroico".

O que aconteceu depois do motim de junho

Depois do motim de junho, foi costurado um acordo mediado pela Belarus que acomodou em parte a situação entre chefe do grupo Wagner e o Kremlin.

Nesta terça-feira, Prigozhin apareceu em seu primeiro discurso em vídeo desde a rebelião, no qual ele sugere que está na África. A BBC News não conseguiu verificar onde o vídeo, publicado em canais do Telegram ligados ao Wagner, foi filmado.

Prigozhin foi fotografado em São Petersburgo durante a cúpula África-Rússia, no mês passado.

O que se sabe sobre a queda do avião

Yevgeny Prigozhin estava a bordo de uma aeronave que caiu na região de Tver matando todos os seus passageiros, disseram as autoridades russas citadas pela imprensa oficial do país.

O modelo Embraer voava de Moscou para São Petersburgo e levava 10 pessoas, incluindo Prigozhin e o seu braço-direito Dmitry Utkin.

O presidente russo, Vladimir Putin, falou pela primeira vez do caso e enviou as suas condolências às vítimas do acidente de avião, descrevendo Prigozhin como um "empresário talentoso".

Num discurso transmitido pela televisão, o líder russo afirmou que o chefe do Grupo Wagner "cometeu erros graves na vida, mas também procurou alcançar os resultados necessários".

Putin avisou que a investigação sobre o acidente deve demorar.

Enquanto seguem as especulações sobre o que pode ter acontecido, fontes da defesa britânica disseram à BBC News que a agência de informação russa FSB é a mais provável responsável pela queda da aeronave.

*Com reportagem de Vitaly Shevchenko, da BBC Monitoring