Cinábrio, o cobiçado mineral que antigas civilizações usavam em rituais sem saber que podia se tornar tóxico
![Rocha com cinábrio](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/f886/live/9557d3b0-e20c-11ee-9448-c9aac90b9253.jpg.webp)
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- Author, BBC News Mundo
- Role, Redação
Bonito e perigoso assim como o fenômeno natural que costuma preceder sua origem, as erupções vulcânicas.
O cinábrio preenche as rachaduras que permanecem nas rochas, formando atraentes veias vermelhas que há milênios fascinam aqueles que o descobrem.
E foram muitos que o descobriram, pois o mineral está presente em todos os lugares onde há ou houve vulcões.
Como aponta o portal Geology.com, esse é um dos poucos minerais que foram descobertos, processados e utilizados de forma independente por povos antigos em diversas partes do mundo.
O cinábrio podia ser facilmente moído e transformado em um pó fino que, misturado com diferentes líquidos, transformava-se em vários tipos de tinta.
Além disso, ele era - e continua a ser - o principal minério de mercúrio.
Eis o problema: sua associação com esse metal pesado fez com que o cinábrio passasse de muito precioso para desprezado.
Mas antes que isso acontecesse, ele deixou uma marca em várias regiões do planeta.
Como pigmento - chamado vermelhão -, dava tons que iam do vermelho laranja brilhante ao violeta avermelhado mais apagado.
Há cerca de 10.000 anos, os primeiros artistas usaram-no para pintar imagens do auroque, um bovino gigante hoje extinto, nas paredes do antigo assentamento de Çatalhöyük, onde hoje é a Turquia; e em cerâmicas da cultura Yangshao na China (5000 a 3000 a.C.).
![Mural com a representação de um cervo](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/9d8b/live/bd2edaf0-e211-11ee-860f-4b0b053e4cd0.jpg.webp)
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No continente que os europeus batizariam de América, o cinábrio pode ser encontrado em túmulos, murais, máscaras, ornamentos e sobre metais preciosos das culturas da área andina e da Mesoamérica.
![Máscara funerária, 900–1300 d.C., Peru](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/44fc/live/1ab2fe00-e216-11ee-8bf3-195418ba9285.jpg.webp)
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![Figura feminina sentada da cultura olmeca](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/8270/live/407a2a50-e216-11ee-9410-0f893255c2a0.jpg.webp)
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Na Espanha - que abriga as lendárias minas de Almadén, em Ciudad Real, de onde foi extraída a maior quantidade de mercúrio do mundo ao longo de séculos -, a presença do mais antigo pigmento conhecido data de 6000 a.C.
![Jóias de ouro com esmalte de cinábrio](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/aac6/live/461d6fc0-e21c-11ee-860f-4b0b053e4cd0.jpg.webp)
Crédito, The Metropolitan Museum of Art, New York
A maior parte do vermelho profundo com o qual, séculos depois, os antigos romanos ricos pintavam suas paredes vinha de Almadén, e custava o triplo do precioso azul egípcio.
![Parte do mural da Vila dos Mistérios de Pompéia](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/33cb/live/44222d40-e222-11ee-9410-0f893255c2a0.jpg.webp)
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No Renascimento, o cinábrio era usado em selos de cera para certificar documentos e como pigmento vermelho brilhante por artistas como Giotto, Tizano e Van Eyck.
!["A Assunção da Virgem", do pintor renascentista Tiziano](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/496d/live/d23119b0-e223-11ee-9410-0f893255c2a0.jpg.webp)
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A Europa importou o vermelhão da China durante anos, pois o material era considerado mais bonito e puro.
Na própria China, o pigmento historicamente teve um lugar especial na cultura e, além de colorir as paredes de locais importantes como a Cidade Proibida, está presente em uma infinidade de objetos, como os de laca chinesa esculpida.
![Pente da dinastia Shang, séculos XIII-XI a.C., China](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/f6c4/live/cfd15af0-e227-11ee-8bf3-195418ba9285.jpg.webp)
Crédito, The Metropolitan Museum of Art, New York
![Caixa esculpida em laca de cinábrio vermelho em forma de bola de futebol chinês (kemari), século XIX](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/485a/live/dd621a60-e227-11ee-860f-4b0b053e4cd0.jpg.webp)
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Mais que belo
Além de seu uso decorativo na arte, em tatuagens, na maquiagem e, na Idade Média, como tinta para escrever, em muitas culturas o cinábrio foi usado para fins medicinais, metalúrgicos e simbólicos.
É que ele tinha algumas propriedades incomuns.
Como o filósofo grego Teofrasto observou, "quando esmagado com vinagre em pilão de cobre, dá prata líquida (como era comum referir-se antigamente ao mercúrio)".
É ainda mais estranho o que acontece quando ele é aquecido em um forno, o que se fazia há milhares de anos: o mercúrio escapa na forma de vapor, que se condensa em mercúrio líquido.
![imagem de um forno e receita do pigmento vermelho cinábrio de "Alchimia"](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/c0af/live/6fff6cc0-e222-11ee-9410-0f893255c2a0.jpg.webp)
Crédito, Science History Institute
Em sua História Natural, o escritor romano Plínio, o Velho, relata que o mercúrio dissolve o nobre metal ouro.
Esse processo de amalgação se tornaria um dos principais métodos de purificação do ouro ao longo dos séculos.
Os romanos importavam cinco toneladas de mercúrio por ano e a maioria era usada com esse propósito.
A mistura podia ser usada para fazer objetos dourados, colocando-os no forno para que o mercúrio desaparecesse e revelasse uma camada lustrosa do mais puro ouro.
E havia mais.
Os alquimistas tinham descoberto que podiam produzir o cinábrio aquecendo mercúrio e enxofre.
A transformação do cinábrio em mercúrio e sua reversão, convertendo-o em cinábrio novamente, era um processo cíclico aparentemente inexplicável - para alguns, semelhante ao da ressurreição do corpo.
Por isso, alguns povos acreditavam que o material proporcionava poderes especiais, explicou o químico Andrea Sella na série da BBC In the Element.
No Império Chinês, os poderosos consumiam elixires de vermelhão para prolongar a vida e obter a imortalidade.
E até hoje existem cerca de 40 medicamentos tradicionais que contêm cinábrio.
Do Oriente Médio à América Latina, ele também era usado em rituais de bênção e em enterros.
![Restos da Rainha Vermelha de Palenque](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/e9f2/live/23161900-e217-11ee-9410-0f893255c2a0.jpg.webp)
Crédito, INSTITUTO NACIONAL DE ANTROPOLOGIA E HISTORIA
As mulheres hindus costumavam aplicar o vermelhão na divisão do cabelo e da testa como um sinal de que eram casadas.
O costume tem o nome de sindoor e está relacionado à astrologia hindu, na qual a Casa de Áries ou Mesha Rashi está na testa e é considerada auspiciosa.
Sindoor também é considerado o símbolo da energia feminina de Shakti.
O ritual continua, mas o cinábrio foi substituído por ingredientes mais seguros.
Esse tem sido o destino do vermelhão: sua relação tóxica com o mercúrio foi tirando-o da história.
Especialistas como Terri Ottaway, curador do museu do Instituto Gemológico da América (GIA), explicam que, em sua forma natural, o cinábrio não é perigoso.
No entanto, quando as temperaturas aumentam, ele libera vapor de mercúrio, que é tóxico se inalado.
"Enquanto o cinábrio não aquece, o mercúrio fica preso no enxofre, o que torna o cinábrio pouco tóxico", explicou Ottaway ao portal "How Stuff Works".
Pablo Higueras, José María Esbrí e Eva M. García Noguero, do Instituto de Geologia Aplicada da Universidade de Castilla-La Mancha, concordam que é a separação dos componentes do cinábrio que oferece risco à saúde.
E acrescentam que há outra razão pela qual o mineral é indiretamente responsável por efeitos prejudiciais: "É comum encontrar gotas de mercúrio metálico juntamente com o cinábrio".
Em todo caso, o uso do cinábrio, à exceção da mineração de baixa escala, foi desaparecendo. Aqueles que são forçados a trabalhar com ele, como os arqueólogos, o fazem com cautela.
E o vermelhão, que reinou como o pigmento vermelho mais utilizado no mundo, teve que passar sua coroa adiante com a descoberta do vermelho-cádmio no início do século 20.