Como tecnologia moderna está desvendando segredos das tumbas de faraós
- Author, Nicky Nielsen
- Role, The Conversation*
As paredes das antigas tumbas egípcias podem nos ensinar muito sobre a vida dos faraós e do seu entorno.
As pinturas das tumbas mostram o morto e seus familiares imediatos em atividades religiosas, no próprio enterro, banqueteando-se e caçando nas margens do Nilo.
Mas muitos desses túmulos foram saqueados ao longo da história e escavados sem cuidado por caçadores de tesouros estrangeiros e pelos primeiros arqueólogos. O resultado foi que grande parte das decorações pintadas foi danificada, mesmo tendo sido bem preservada pelo ambiente árido.
Essas seções danificadas de decorações pintadas vêm sendo reconstruídas, em grande parte, por palpites bem fundamentados. Mas um novo estudo revela que uma técnica chamada fluorescência de raios X portátil (pXRF, na sigla em inglês) está sendo utilizada para estudar materiais antigos e identificar restos de decoração apagados ou totalmente invisíveis a olho nu.
As decorações detalhadas em tumbas, projetadas para refletir o status e o apreço pela pessoa morta, atingiram o seu ápice na 18ª e na 19ª dinastia egípcia (1550-1189 a.C.), na antiga cidade de Tebas (atual Luxor). A realeza era enterrada no Vale dos Reis e no Vale das Rainhas.
Os membros da corte e outros funcionários de alto escalão eram enterrados em diversos locais na margem oeste do Nilo, perto dos templos mortuários dos reis que eles serviram em vida. Suas tumbas eram cortadas na rocha e as paredes brutas escavadas das câmaras eram cobertas com reboco, que fornecia uma superfície macia para as equipes de desenhistas e outros artistas.
Os motivos decorativos que eles pintavam não eram sempre idênticos, tendo se alterado entre a 18ª e a 19ª dinastia. Enquanto a primeira se concentrava em cenas vibrantes do cenário natural e do dia a dia, o período posterior preferia cenas religiosas mais austeras.
As tintas e os pigmentos utilizados pelos antigos egípcios eram feitos de minérios. Por isso, eles possuem marcadores químicos específicos.
O amarelo, por exemplo, era atingido moendo-se o auripigmento sulfeto de arsênio. O pigmento azul podia ser criado com cloreto de cobre hidratado e o vermelho, com óxido de ferro.
Assim, utilizando fluorescência de raios X portátil, os cientistas podem detectar esses marcadores químicos dos pigmentos para criar um mapa das áreas danificadas.
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Os campos da arqueologia e da egiptologia têm um longo histórico de uso de técnicas e ferramentas criadas por outras disciplinas.
Desenvolvidas no início do século 20 pelo físico britânico Henry Moseley (1887-1915), XRF e pXRF medem os raios X secundários emitidos por um material bombardeado por raios X primários. Estes sinais podem então ser usados para determinar a composição elementar do material.
Em vez do equipamento analítico volumoso (e imóvel) frequentemente empregado para estudar artefatos arqueológicos em laboratório, o equipamento necessário para realizar a análise pXRF pesa apenas 2 kg e pode ser levado facilmente para o campo.
Embora a pXRF tenha sido utilizada no passado para determinar a composição química de cerâmicas e metais, um novo projeto de pesquisa internacional chefiado por Philippe Martinez, da Universidade Sorbonne, na França, empregou recentemente esta técnica para analisar as belas e complexas pinturas encontradas nos túmulos dos nobres do Egito Antigo.
A reconstrução da arte antiga
Este processo não é útil apenas para reconstruir seções danificadas. Ele também tem o potencial de esclarecer elementos da técnica artística.
Na capela do túmulo pertencente ao Superintendente dos Campos de Amon, Menna (TT69), da 18ª dinastia, a equipe de pesquisa identificou um braço oculto no retrato do dono da tumba.
Este terceiro braço, que teria ficado invisível quando a tumba foi terminada, é o resultado de uma alteração da postura do retratado pelos pintores, por razões desconhecidas. Desta forma, a técnica pode mostrar etapas do processo de decoração e escolhas estéticas ou técnicas feitas pelos artistas, milhares de anos atrás.
Além do túmulo de Menna, a equipe também analisou um retrato de Ramsés 2º encontrado no túmulo de Nactamon, tradicionalmente datado como sendo da 19ª dinastia.
A pintura continha diversas alterações sutis, incluindo a forma do cetro real sustentado pelo governante (talvez para evitar que ele coincidisse com o rosto do retratado).
O colar usado pelo rei também pode ter sido alterado. A equipe responsável pelo projeto defende que esta mudança pode ser importante para a datação da tumba.
Eles sugerem que o rei foi ilustrado primeiramente usando um tipo de colar conhecido como shebyu, que era popular durante a 20ª dinastia, alguns anos depois da morte de Ramsés 2º.
Este colar original parece ter sido alterado, passando a ser de outro tipo, chamado wesekh, que era mais popular em retratos reais durante o período em que ele viveu. Aparentemente, os pintores do túmulo ilustraram originalmente o governante da 19ª dinastia usando joias da 20ª dinastia, perceberam o erro e fizeram as alterações necessárias.
Por outro lado, isso pode sugerir que o dono do túmulo, Nactamon, viveu e trabalhou, na verdade, durante a 20ª e não a 19ª dinastia e que o retrato de Ramsés 2º não é o retrato do rei vivo, mas do governante morto e deificado.
As análises científicas estão sendo cada vez mais incorporadas à maioria dos aspectos da pesquisa egiptológica, desde a análise material de pigmentos, cerâmicas, metais e madeira até a análise espectroscópica de antigos papiros egípcios.
Estas técnicas permitirão a realização de pesquisas minimamente invasivas, ou totalmente não invasivas, que ajudarão a preservar os artefatos e evitar maiores danos. E também irão esclarecer detalhes cruciais sobre as proezas artísticas e tecnológicas dos antigos egípcios.
* Nicky Nielsen é professor de egiptologia da Universidade de Manchester, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.