Direito de defesa virou direito de vingança, diz Lula sobre Gaza

Lula e Giorgia Meloni

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Lula cumprimenta Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, ao chegar a encontro do G7 com o Papa Francisco e líderes convidados
  • Author, Laís Alegretti
  • Role, Enviada da BBC News Brasil a Bari, na Itália

Na reunião de integrantes do G7 com países convidados e o papa Francisco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou parte dos seus minutos de fala para criticar o que chamou de uso de "direito de vingança" em Gaza, sem mencionar Israel.

"Em Gaza, vemos o legítimo direito de defesa se transformar em direito de vingança. Estamos diante da violação cotidiana do direito humanitário, que tem vitimado milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças", disse o presidente durante a reunião, que acontece na região da Puglia, na Itália.

Sobre a guerra na Ucrânia, Lula disse que o Brasil "condenou de maneira firme" a invasão russa.

"Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. Somente uma conferência internacional que seja reconhecida pelas partes, nos moldes da proposta de Brasil e China, viabilizará a paz."

Um dia antes, em Genebra, Lula disse que a falta de diálogo entre as autoridades da Ucrânia e da Rússia sinaliza que eles "estão gostando da guerra".

"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontra uma solução pacífica", afirmou Lula, que recusou convite para participar de uma cúpula para discussão da paz ucraniana que será realizada na Suíça no final de semana.

O presidente também mencionou na sua fala no G7, como era esperado, a taxação de bilionários.

"Já passou da hora dos super-ricos pagarem sua justa contribuição em impostos. Essa concentração excessiva de poder e renda representa um risco à democracia", disse.

O papa no G7 e inteligência artificial

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A fala de Lula, de cerca de 5 minutos, aconteceu durante encontro ampliado do G7, com líderes de países convidados, incluindo o presidente da Argentina, Javier Milei, e o papa.

A organização do evento não permitiu que jornalistas acompanhassem os discursos dos líderes. Entre os países convidados e cujos líderes também discursaram, além do Brasil, estão Índia, Quênia, Tunísia e Argentina.

Só foram transmitidas as falas do papa Francisco e da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que fez questão de destacar que é a primeira vez que um pontífice participa de um encontro do G7.

A líder italiana, que chegou fortalecida ao evento depois do avanço da direita radical nas eleições europeias, afirmou que se trata de um "momento histórico" e disse que "nunca conseguiria agradecer o suficiente" ao papa por ter aceitado o convite.

O papa Francisco fez um discurso sobre os efeitos da inteligência artificial. Disse que o tema é visto como ambivalente: de um lado, traz entusiasmo por suas possibilidades, mas, por outro, gera temor por possíveis consequências.

Ele também disse que a ferramenta representa "risco de legitimar fake news e de reforçar a vantagem de uma cultura dominante".

"A educação, que deveria fornecer aos estudantes a possibilidade de uma reflexão autêntica, corre o risco de se reduzir a uma repetição de noções que, cada vez mais, serão consideradas incontestáveis, simplesmente por causa da sua contínua repetição", afirmou.

Aos líderes internacionais, o papa Francisco disse que é importante uma "política sã" para lidar com os desafios da inteligência artificial.

O encontro do G7 e convidados ocorre em Borgo Egnazia, na região italiana da Puglia, um resort onde Madonna passou férias e o cantor Justin Timberlake e a atriz Jessica Biel se casaram.

O acesso da imprensa ao local é muito restrito, e a estrutura para jornalistas fazerem a cobertura do evento foi montada em um centro de convenções em Bari, a cerca de 60 km do local onde estão os líderes.

No primeiro dia da cúpula do G7, na quinta-feira (13/6), foi anunciado um acordo para criação de um fundo de US$ 50 bilhões utilizando lucros de ativos russos congelados para ajudar a Ucrânia.

No mesmo dia, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, assinaram acordo de dez anos para reforçar as defesas ucranianas contra a Rússia.

Depois disso, nesta sexta, Lula criticou em seu discurso os gastos com armamentos. “O ano de 2023 viu o gasto com armamentos subir em relação a 2022, chegando a 2,4 trilhões de dólares”, afirmou o presidente.

Lula no G7 com 'menos holofote'

Lula chega a encontro na Puglia, Itália. Ele caminha com olhar para baixo, com bandeiras dos países convidados ao fundo

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Lula chega ao resort Borgo Egnazia, na Puglia, onde ocorre a reunião do G7 em 2024

Antes da viagem de Lula à Europa, analistas ouvidos pela BBC News Brasil já tinham apontado que, neste ano, Lula encontraria na Itália um cenário mais desafiador do que aquele visto na última reunião dos líderes e convidados do G7, no Japão, em 2023.

Naquele momento, há pouco mais de um ano, a participação de Lula – então nos primeiros meses do novo mandato – foi celebrada como o retorno do Brasil a este fórum depois de 14 anos sem o país ser convidado.

"Em 2023, houve uma lua de mel do Lula com a comunidade Internacional", diz o cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP.

Ele aponta que a comparação, naquele momento, era com o antecessor, Jair Bolsonaro, "um presidente que teve muitas rusgas com o Ocidente".

Neste ano, o "fator novidade" já não é mais um benefício extra para Lula, que chegou com a missão de encontrar holofotes para assuntos de interesse do Brasil, considerando principalmente que o país sedia, em novembro, a cúpula do G20, no Rio de Janeiro.

Os principais obstáculos na disputa por atenção internacional estão no volume e na urgência de temas que preocupam os países do G7.

A atenção internacional está voltada para outros temas em um contexto que inclui: ano de eleição nos Estados Unidos e no Reino Unido, recente avanço dos partidos de direita radical pela Europa, dissolução do parlamento francês - além, é claro, principalmente, das guerras na Ucrânia e em Gaza.

Em sua fala nesta sexta, Lula apontou logo no início do discurso que o Brasil preside o G20 neste ano e defendeu que "uma revolução digital inclusiva e enfrentar a mudança do clima são dilemas existenciais do nosso tempo".

Afirmou, ainda, que a inteligência artificial "acentua cenário de oportunidades, riscos e assimetrias" e defendeu o que chamou de uma IA que "também tenha a cara do Sul Global, que fortaleça a diversidade cultural e linguística e que desenvolva a economia digital".

Como era previsto, Lula também pediu apoio dos outros líderes para a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será lançada na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro.

Na Itália, a agenda de Lula prevê encontros bilaterais, na sexta e no sábado (15/6), com líderes da Índia (Narendra Modi), da França (Emannuel Macron), e da Comissão Europeia, (Ursula von der Leyen), Turquia (Recep Tayyip Erdoğan), Alemanha (Olaf Scholz) e Itália (Meloni).

Não há previsão de reunião de Lula com Milei, segundo o governo brasileiro.

No sábado (15/6), Lula deve voltar ao Brasil, onde terá de lidar com uma série de reveses domésticos importantes para seu governo.

Eles incluem a anulação de um leilão para compra de arroz após suspeitas de fraude, paralisações e greves de servidores, a devolução pelo Congresso de uma medida considerada fundamental no esforço para equilibrar as contas federais, além da decisão da Polícia Federal de indiciar o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa, sob a suspeita de ter desviado recursos de emendas parlamentares, quando era deputado federal.

O que é o G7?

Homem abaixado colando adesivo no chão

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Equipe de organização cola adesivos para sinalizar posição de cada líder durante encontro do G7

O G7 – originalmente G6 – foi criado em 1975, como uma iniciativa do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing. Além da França, incluía EUA, Reino Unido, Alemanha, Japão e Itália. O Canadá entrou para o grupo em 1976.

Naquele momento, depois da crise do petróleo de 1973, o objetivo era reunir os países mais industrializados do mundo à época para tratar de questões de política econômica de interesse comum.

De 1997 a 2013, a Rússia também fez parte, mas foi suspensa após a invasão da Crimeia.

O grupo hoje não reúne mais as sete maiores economias do mundo. China e Índia são, respectivamente, a segunda e a quinta maiores economias do mundo em PIB nominal, segundo dados compilados pelo FMI no ano passado.

Com o passar dos anos, o G7 ampliou seu foco. Se inicialmente estava concentrado só nos desafios econômicos, hoje também trata de outros assuntos que considera questões globais.

A presidência do grupo é rotativa entre as nações que compõem o G7 e muda anualmente. O país que preside o G7 recebe a cúpula e define agendas e prioridades. Depois da Itália, neste ano, o próximo será o Canadá.