R. Museu Arq. Etn., 28: 145-150, 2017.
Resenha de Wiersma, C.; Voutsaki, S. (Eds.). 2016. Social change in
Aegean prehistory. Oxford Books, Oxford; Philadelphia. 184 pp.
Renan Falcheti Peixoto*
PEIXOTO, R.F. Resenha de Wiersma, C.; Voutsaki, S. (Eds.). 2016. Social change in
Aegean prehistory. Oxford Books, Oxford; Philadelphia. 184 pp. R. Museu Arq. Etn.,
28: 145-150, 2017.
O livro é resultado da conferência
Explicando mudança no Egeu Pré-histórico,
ocorrida em Gronnigen, Países Baixos, nos
dias 16 e 17 de outubro de 2013. Nas palavras
dos organizadores Corien Wiersma e Sofia
Voutsaki,
O objetivo da conferência foi explicar
processos de mudança social, econômica e
cultural do período entre a Idade do Bronze
Antigo III e a Idade do Bronze Tardio I (ca.
2200-1600 a.C.) no Egeu meridional, mas
com especial ênfase no sul do continente.
(Wiersma & Voutsaki 2016: vi).
Assim, estamos diante de um tema
conhecido na arqueologia como “emergência
da civilização” e que, no caso em questão,
abordará os processos de complexidade
social de sociedades do Egeu pré-histórico
compreendidas no arco cronológico da
“crise” do Heládico Antigo III (HA III) e
final do Heládico Médio (HM III). Esse
período formativo da civilização micênica
é marcado inicialmente pelo declínio
populacional e pela multiplicação de estilos
regionais de produção cerâmica, fato que
* Graduado em História pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais de Franca (UNESP-FCHS). Mestre
em Arqueologia Clássica pelo Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).
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contribuiu para perceber as relações sociais
do período como dinâmicas e características
de uma sociedade pobre, sem diferenças
sociais marcantes e pouco aberta ao exterior,
em oposição às tendências observadas no HA
II. A rota parece ser corrigida apenas no porvir
dos séculos seguintes – “[n]a retrospectiva
que a arqueologia oferece – sabemos o que
acontece em seguida” como lembra-nos J. F.
Cherry (Wiersma & Voutsaki 2016: 170) –
quando começam a aparecer as sepulturas
monumentais, enfim, os sinais de uma
sociedade mais hierarquizada e complexa, em
outras palavras.
Adentramos uma seara de debates clássicos
da arqueologia processualista agrupado por
Wiersma & Voutsaki (2016: viii-ix) em quatro
questões. A primeira, “Influências externas
e explicações difusionistas”, está associada
ao paradigma dos arqueólogos históricoculturais que extraiam interpretações de
mudanças sociais a partir de fatores de invasão
ou migração (tendência que no debate da
“chegada dos gregos” arraigou-se na explicação
de rupturas entre o HA II-III e o HA III e HM
na península grega como indício arqueológico
– isto é, sinais de destruição e introdução de
tipos cerâmicos – do advento dos falantes
indo-europeus na região) e importação de traços
de uma cultura material alhures (no caso, da
cultura cretense minoica).
A segunda questão, “Excedente agricultural
e intensificação da produção”, apresenta um
debate referido ao livro de Colin Renfrew
145
Resenha de Wiersma, C.; Voutsaki, S. (Eds.). 2016. Social change in Aegean prehistory
R. Museu Arq. Etn., 28: 145-150, 2017.
The emergence of civilisation: the Cyclades and the
Aegean in the third millennium B.C., publicado em
1972, que propôs uma teoria de sistemas gerais
para análise dos processos socioeconômicos
envolvidos na emergência da economia
redistributiva no Egeu pré-histórico. Segundo
ele, a intensificação agrícola no Mediterrâneo
foi propiciada pela introdução da oliva e da
vinha, isto é, a cultura desses cultivares permitiu
a criação de um excedente de produtos agrícolas
que, por consequência, também possibilitou
a especialização de artífices em torno de uma
elite redistributiva dos recursos produzidos, a
qual, por sua vez, consumia os símbolos que
materializam seu status de poder.
Já na terceira questão, “O ambiente
físico”, os autores discutem interpretações
oriundas da geografia física e/ou mudanças
climáticas para explicar transformações ou
diferenças sociais de sociedades no tempo e no
espaço. Por último, em “Interação e consumo
conspícuo” é apresentado que no eixo dos
ricos sepultamentos micênicos iniciados a
partir do final de HM alinharam-se diferentes
explicações sobre causas internas e externas das
transformações sociais, entre elas, por exemplo,
a de que os bens valiosos indicariam rearranjos
estratégicos de grupos familiares e que os bens
encontrados nas sepulturas eram presentes da
elite minoica.
Em síntese, o livro procura explorar ao
longo de seus estudos de caso alternativas
interpretativas que deem conta da realidade
multifacetada dos contextos arqueológicos. Em
seu núcleo crítico ao balaio de generalizações
históricas, derivadas sobremaneira das
continuidades e rupturas das sequências
cerâmicas regionais, subjaz a proposta de uma
cronologia alternativa: o bloco Heládico Antigo
III e Heládico Médio I-II caracterizado por
regressão, e o bloco Médio III Heládico Tardio
I, por diferenciação social.
No capítulo 1, “Formas cerâmicas prémicênicas do Egeu central: um novo recurso
em desenvolvimento” (Wiersma & Voutsaki
2016: 1-15), Walter Gauß e Michael Lindblom
esboçam um novo sistema de classificação
cerâmica a ser estendido para todo o contexto
da Grécia meridional e central do período
146
pré-micênico entre final do período da Idade
do Bronze Antigo e início da Idade do Bronze
Final. Essa ferramenta é resultado do trabalho
dos autores com a cerâmica dos contextos
de Kolonna na Egina e Lerna na Argólida.
Segundo eles,
Transições reais ou assumidas nas
sequências estratigráfica, cerâmica e arquitetural
nos assentamentos tem sido tradicionalmente
resultado de uma divisão da cerâmica para
publicação, e diferentes estudiosos tem
definido diferentes tipologias para servirem suas
próprias necessidades. (Wiersma & Voutsaki
2016: p. 2).
São problemas relativos à padronização
do vocabulário descritivo, de sorte a tornarem
as grades classificatórias, quando sobrepostas
entre si, verdadeiras grades que limitam a
compreensão das continuidades e rupturas por
detrás dos rótulos. Em sua exposição, o sistema
antevisionado lida com (1) mudanças espaçotemporais; (2) vocabulário estandardizado
traduzível para diversos idiomas; e (3) a
ambição de ser uma ferramenta expansível de
novos dados. São assim as formas agrupadas
em 80 tipos, segundo os seguintes princípios
em numerais romanos: (I) formas “abertas”,
“fechadas” ou “tampadas”, característica
diretamente proporcional à altura da peça e o
diâmetro da borda; (II) 11 formas subdividas
de acordo com superfície de repouso; posição e
orientação da alça; forma e curvatura da borda
e presença ou não do corpo carenado (III). Em
resumo, é a proposta de uma sistematização
compreensiva de formas em que se possa extrair
padrões comportamentais emergentes.
No capítulo 2, “O corte e fatiamento
temporal da cultura mínica: uma proposta
para uma divisão tripartida de uma longa
Idade do Bronze Média grega e a questão
do nomadismo em seu início” (Wiersma
& Voutsaki 2016: 16-31), Jeremy B. Rutter
avalia a divisão tripartida da Idade do Bronze
(subperíodos Antigo, Médio e Tardio) derivadas
da escavação de Korakou no início do século
XX. Estendida para o continente grego, a
cronologia e o mérito dessas transições foram
Renan Falcheti Peixoto
questionadas desde os resultados das escavações
de Lerna por John Caskey a partir de 1952. Para
Caskey, existe outras rupturas no HA II e III
(aproximadamente 2200/2150 a.C.), bem como
entre o HT I e IIA (1575/1550 a.C.). Mais uma
vez observamos parágrafos que versam sobre
valor e alcance de certas cronologias, problema
aqui atrelado sobretudo ao aparecimento na
bibliografia do que se classifica, com base
em um tipo de cerâmica de cor acinzentada
fabricada em torno, como “Minyan ware [louça
mínica]” no Heládico Médio. V. Gordon Childe
(1915) foi um dos primeiros a debruçar-se sobre
esse material e propor, há mais de cem anos,
que ele teria correspondido à presença dos
primeiros falantes gregos na Grécia em 1900
a.C. Caskey chegou a argumentar a favor de
um modelo invasionista adaptado às evidências
arqueológicos disponíveis formado por duas
ondas migracionais ocorridas no HA II e HM
que introduziram pelo norte do Peloponeso os
povos falantes de grego.
No cerne do artigo está uma proposta,
embasada em trabalho feito por Sofia Voutsaki,
sobre uma divisão tripartida do Heládico Médio
(Bronze Médio A, B e C) composta por uma
série de traços, incluindo, compreensivamente,
as técnicas de construção de casas, planos das
casas e costumes funerários. Para Sofia, essa é
parte de uma cultura do Peloponeso que do
HA III continua em estágios gradativos até o
surgimento das sepulturas de poço [shaft graves]
no HM III no contexto do circuito competitivo
de elites vizinhas. Rutter considera que o
Peloponeso do HA III seria dispersamente
populado por grupos nômades que ao longo
de seis gerações, após chegarem pelo noroeste
do Peloponeso na Beócia no terceiro milênio,
teriam se organizado em comunidades
sedentárias.
No capítulo 3, “Heládico Antigo III:
uma arena social não monumental, mas
revitalizada?” (Wiersma & Voutsaki 2016:
32-48), Erika Weiberg questiona uma tradição
historiográfica que sempre privilegiou os
traços de urbanidade e complexidade social. A
presença de assentamentos com aglomerados de
casas retangulares e especialização artesanal no
HA II teria anunciado para muitos a ascensão
de uma sociedade hierarquizada, diluídas no
declínio cultural subsequente. Em compasso
com a tese de doutoramento de Jeanette Forsén
publicada em 1992, The twilight of the Early
Helladics: a study of the disturbances in East-Central
and Southern Greece towards the end of the Early
Bronze Age, a autora pontua que “deveria ser
enfatizado que as características do HA II não
foram descontinuadas como um pacote, mas
caíram em desuso ou foram gradualmente
reformadas no longo período da segunda
metade do HA II em diante.” (Wiersma &
Voutsaki 2016, itálico da autora). Isto é, a
autora considera que essa transição paulatina
é motivada por uma nova agenda sociopolítica
que rearranja as redes de troca de longa
distância até então estabelecidas. O conceito de
não monumentalidade utilizado para enquadrar
o período ganha outra expressão no termo
“desmonumentalizado” (Wiersma & Voutsaki
2016: 45) a fim de sublinhar uma arena social
em que as unidades sociopolíticas centradas em
estruturas familiares criam circuitos regionais de
interação comensais, rituais caracterizados pela
presença de itens valiosos de grande porte – que
em outra escala aos estudos da paisagem, muito
bem observado, também podem ser encarados
como monumentais.
No capítulo 4, “Reciprocidade e
relacionamentos de troca: explorando as
dinâmicas das estruturas sociais da Idade do
Bronze através da festividade e hospitalidade”
(Wiersma & Voutsaki 2016: 49-68), Daniel
J. Pullen demonstra como as relações de
reciprocidade em laços de não parentesco
estabelecidas em formas comensais estão
imbricadas nas transformações da estrutura
social no período que vai do início da Idade do
Bronze até a formação dos palácios micênicos.
Pullen enfatiza a importância desses eventos
em promover, muito mais do que simbolizar,
influências políticas e sociais de determinados
indivíduos ainda não assimetricamente
diferenciados em hierarquias permanentes
de status e dominação, como indicam as
festividades que orbitam o palácio micênico (ou,
melhor, o aparecimento das sepulturas de poço
e seus vastos repertórios materiais depositados
nas sepulturas encontradas na Argólida). As
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Resenha de Wiersma, C.; Voutsaki, S. (Eds.). 2016. Social change in Aegean prehistory
R. Museu Arq. Etn., 28: 145-150, 2017.
relações de trocas de presentes analisadas sobre
a ótica da sedimentação de estruturas sociais é
tema clássico da antropologia, referenciado, por
força, ao estudo do sociólogo francês Marcel
Mauss sobre a troca de dom e contradom
de comunidades polinésias em seu famoso
Ensaio sobre o dom ([1924]). Essa dinâmica é um
mote para gerar compromissos, assimetrias e
trocas entre indivíduos sem a mesma filiação
de parentesco de uma sociedade através da
hospitalidade. No caso, a mobilização de
recursos, excedente de produção e trabalho em
torno desses eventos de hospitalidade criam
débitos em benefício do anfitrião e estruturam
as engrenagens de cooperação além da estrutura
familiar.
No capítulo 5, “Arquitetura doméstica:
um recurso para analisar mudança social
na Idade do Bronze no continente grego”
(Wiersma & Voutsaki 2016: 69-97), Corien
Wiersma irá desembaraçar-se das leituras
que tecem uma narrativa de simplicidade e
estagnação da organização e interações sociais
advinda da análise das evidências das estruturas
domésticas do período no HA III ao início do
Tardio. Para ela, ao contrário, a ausência de
construções monumentais e organização do
assentamento se dá pelo particionamento de
grupos sociais pequenos em centros domésticos,
loci da transmissão de recursos. Na organização
física de casas livres [freestanding] ao longo dos
seiscentos anos abrangidos pelo estudo, subjaz
um ganho paulatino de complexidade atrelado
à acumulação de recursos e à agregação de um
número maior de pessoas sob sua influência,
expressos materialmente no aumento do
número de quartos e especialização de
funções dos espaços. Além disso, um senso de
propriedade ganha forma na demarcação física
do entorno dessas estruturas, e um contínuo
de memória dos ascendentes-descendentes em
torno de grupos diferentes teria se consolidado
no enterro dos mortos em áreas próximas
ao assentamento. Interessante pontuar que
o período final abordado é marcado por
acentuação das práticas mortuárias analisada
em termos de descentralização da casa como
transmissora de afiliações e direitos de
propriedade como observado nas práticas
148
de reconstrução das casas desde o HA II – e
até em alguns casos em assentamentos do
período neolítico. “Afinal, relações domésticas,
alianças e status não poderiam ser alterados
durante a vida de uma pessoa, e a arquitetura
doméstica não poderia ter oferecido suficiente
possibilidades para continuamente dar
expressão para tais relações flutuantes.”
(Wiersma & Voutsaki 2016: 90).
No capítulo 6, “Mudança social em Lerna
no Heládico Médio” (Wiersma & Voutsaki
2016: 98-123), Sofia Voutsaki e Eleni Milka
trabalham com as manifestações de mudanças
sociais nas práticas funerárias e domésticas
no Heládico Médio em Lerna. Observamos
através de gráficos estatísticos que a prática
mortuária é marcada ao longo do período
abrangido por transformações que envolvem
os tipos de sepultamentos, oferendas não
cerâmicas e cerâmicas, bem como idade,
gênero dos sepultos e sua localização. Essas
diferenças criam substratos de filiações sociais
que indicam que a sociedade teria se organizado
em grupos estendidos de parentesco gravitando
em unidades domésticas fisicamente agrupadas
nos assentamentos. Esse agrupamento reforça
a interpretação de que as casas são loci de
concentração e transmissão de recursos, e
que, portanto, o parentesco é o princípio
estruturante da comunidade e das funções dos
membros dela, diferente do status individual
mobilizado pelo acúmulo e exibição dentro das
sepulturas.
No capítulo 7, “Complexidade social nas
Cíclades do final da Idade do Bronze Médio
e início da Idade do Bronze Tardio: uma
perspectiva de Agia Irini” (Wiersma & Voutsaki
2016: 159-167), Evi Gorogianni e Rodney D.
Fitzsimons investigam os sinais arqueológicos
de inequalidade e ranqueamento social em um
empório localizado na ilha de Kea, sudeste de
Atenas, no cruzamento de rotas marítimas no
Egeu. Segundo os autores, o sítio é um bom
exemplo de unidades políticas classificadas, de
acordo com um viés socioevolucionista, como
pertencentes ao estágio das sociedades préEstado, antes do estágio de sociedades estatais
de Creta e do continente grego nos períodos
sucessivos. É o maior artigo do livro e arrola
Renan Falcheti Peixoto
de forma bem clara as evidências funerárias e
de arquitetura pública e doméstica implicadas
nas dinâmicas de poder observadas em Kea.
Por fim, entende-se esse empório como uma
pequena comunidade de interação face a face
cujas desigualdades sociais não irão constituir
propriamente uma sociedade hierarquizada,
mas em que grupos conseguem mobilizar a
cultura material para expressar sua distinção e
negociar estratégias de visibilidade dentro dela.
No capítulo 8, “Desenvolvimentos a
longo termo em assentamentos do continente
meridional nos tempos do Heládico Antigo
ao Heládico Tardio como visto através das
lentes do levantamento de superfície regionais”
(Wiersma & Voutsaki 2016: 159-167), John
Bintliff expõe, inicialmente, um modelo
antropológico para a agricultura inicial do
neolítico grego. Esse modelo se caracteriza por
formação de vilas com interações face a face
de uma comunidade de até 200 membros,
casamento fora da comunidade e padrão
de fissionamento antes que diferenciações
horizontais (extensão do grupo de parentesco)
e verticais (lideranças) emerjam. Então,
o autor estende-o para analisar o período
abrangido pelo livro. É um modelo similar aos
processos das dinâmicas sociais e padrões de
assentamento (“aglomerados distritais [district
clusters]”) já expressas em outra ocasião pelo
autor em sua explicação para o aparecimento
de cidades-estado na Béocia no período arcaico
e clássico, fruto dos trabalhos arqueológicos
de levantamentos de superfície (cf. Bintliff
1999). Infelizmente é um artigo muito
breve, diametralmente oposto à sua ambição
cronológica.
Por fim, no capítulo 9, “Reflexões sobre o
Heládico Médio” (Wiersma & Voutsaki 2016:
168-184), John F. Cherry finaliza o volume
fazendo um balanço historiográfico sobre a
abordagem da pré-história do Egeu. Cherry
pontua que o continente grego é coalhado de
assentamentos agropastoris desde o neolítico e
uma “volta” a essas condições socioeconômicas
no HA III-HM, após uma breve experiência
com o que parece ser organizações de chefias em
torno das “casas de corredor [corridor houses]” no
HA II, não deveria nos surpreender. Afinal, “Se
consideramos a sociedade e cultura da Idade
do Bronze Inicial continental desinteressantes
e desconcertante, esse é o nosso problema, não
das comunidades em questão.” (Wiersma &
Voutsaki 2016: 170). Creio ser fundamental
lembrar que além dos breves e perspicazes
comentários tecidos a alguns dos artigos do
livro, o autor elabora uma instigante crítica
à explicação da emergência da complexidade
social de forma gradual e cumulativa ao longo
de centenas de anos, que é um dos próprios
eixos da concepção do capítulo de Sofia
Voutsaki e Eleni Milka e até mesmo de toda a
obra. Para Cherry, está em jogo mais do que
antecedentes que poderiam ser elencados como
causas do que se observa no HT em diante.
Existe uma mudança qualitativa que deve
ser retomada, não obstante o esquecimento
imposto por uma certa corrente teórica na
arqueologia. Vale lembrar que a rejeição de
causas extralocais para explicar rupturas das
sequências culturais como migração e difusão
resulta da influência processualista e sua longa
recitação contra os modelos interpretativos dos
histórico-culturais. Contrapondo à concepção
de transformações gradativas na longa duração
que permeia a obra, Cherry revitaliza antigos
conceitos com novos insights atento aos
fatos da política contemporânea e, ao final,
reverbera um retumbante comentário para os
arqueólogos:
Enquanto escrevo, centenas de milhares
de refugiados da Síria, Afeganistão, e muitos
outros países estão transbordando as fronteiras
da União Europeia, criando, de fato, crise
política e existencial. Quem somos nós para
dizer que migração não tenha sido igualmente
um potente fator no passado? (Wiersma &
Voutsaki 2016: 2016: 181).
Para concluir, os debates entre fatores
locais e externos de mudanças socioeconômicas
no continente grego estão longe de estarem
assentados. E esse livro contribui para a
discussão devido ao volume de conhecimento
e à experiência de seus autores, referências para
o estudo da Idade do Bronze na bacia egeia.
A proximidade nos artigos com a literatura
149
Resenha de Wiersma, C.; Voutsaki, S. (Eds.). 2016. Social change in Aegean prehistory
R. Museu Arq. Etn., 28: 145-150, 2017.
antropológica, assim como as minuciosas
questões pautadas nos contextos arqueológicos,
assoma para além de uma perspectiva
panorâmica da arqueologia pré-histórica
grega. Não especialistas também terão uma
oportunidade de encontrar instigantes exemplos
teórico-metodológicos.
Referências bibliográficas
Bintliff, J. 1999. The origins and nature of the
Greek city-state and the significance for the
world settlement history. In: Ruby, P. (Dir.).
Les princes de la protohistoire et l’emergence
150
de l’État. École française de Rome, Roma,
43-56.
Childe, V.G. 1915. On the date and origin of Minyan
ware. The Journal of Hellenic Studies 35: 196-207.