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poemas POEMAS do J A PÃ O do ANTIGO seleções do Kokin’wakashû 古今和歌集抄 Kajita Hanko, “Episódio de O Romance do Genji” (1905) Andrei Cunha ensaio, tradução e notas poemas POEMAS do J A PÃ O do ANTIGO seleções do Kokin’wakashû 古今和歌集抄 2020 Seleção, tradução, introdução, notas e outros paratextos: Copyright © 2020 Andrei dos Santos Cunha Título em japonês: 古今和歌集 (Kokin’wakashû) Editor: Roberto Schmitt-Prym Revisão: Beatriz dos Santos Cunha Digitação dos poemas em japonês: Greice Luize Schaefer da Silva, Gabrielle Miguelez da Silva e Bruno Costa Zitto Projeto gráfico: Andrei dos Santos Cunha e Roberto Schmitt-Prym Capa: Andrei dos Santos Cunha Ilustração da capa: Ogino Issui, “Caderno de esboços” (1903) Todos os poemas japoneses e todas as ilustrações se encontram em domínio público. Como citar este livro (ABNT): CUNHA, Andrei. Poemas do Japão antigo: seleções do Kokin’wakashû. Porto Alegre: Bestiário/Class, 2020. Todos os direitos desta edição reservados. Rua Marquês do Pombal, 788/204 90540-000, Porto Alegre, RS Fones: (51) 3779.5784 - 99491.3223 www.bestiario.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 C972p Cunha, Andrei Poemas do Japão antigo / Andrei Cunha. Porto Alegre, RS : Class, 2020. 214 p. : il. ; 14cm x 21cm. ISBN: 978-65-991129-3-5 1. Literatura japonesa. 2. Poesia. I. Título. 2020-137 CDD 895.6 CDU 821.521 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura japonesa 895.6 2. Literatura japonesa 821.521 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 12 PREFÁCIO EM HIRAGANA DE KI NO TSURAYUKI 46 SELEÇÕES DO KOKIN’WAKASHÛ 65 REFERÊNCIAS 198 ÍNDICE ONOMÁSTICOBIOGRÁFICO 203 1 PRIMAVERA I 67 2 PRIMAVERA II 77 3 VERÃO 89 4 OUTONO I 95 5 OUTONO II 111 6 INVERNO 121 7 COMEMORAÇÕES 127 8 ADEUSES 131 9 VIAGENS 135 10 NOMES DE COISAS 139 11 AMORES I 143 12 AMORES II 151 13 AMORES III 157 14 AMORES IV 163 15 AMORES V 169 16 LAMENTOS 175 17 MISCELÂNEA I 179 18 MISCELÂNEA II 183 19 OUTRAS FORMAS 187 20 POEMAS DO DEPARTAMENTO IMPERIAL DE POESIA 195 Este livro é dedicado a todas as pessoas que de alguma forma fazem parte da história do curso Bacharelado Tradutor Japonês-Português da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. poemas POEMAS do J A PÃ O do ANTIGO seleções do Kokin’wakashû 古今和歌集抄 やまとうたは、人の心を種として、よろづ の言の葉とぞなれりける。世の中にある人、 ことわざしげきものなれば、心に思ふことを、 見るもの聞くものにつけて言ひ出せるなり。 Ki no Tsurayuki, “Prefácio em hiragana” (séc. X) La Nature est un temple où de vivants piliers Laissent parfois sortir de confuses paroles; L'homme y passe à travers des forêts de symboles Qui l'observent avec des regards familiers. Charles Baudelaire, “Correspondances” (1857) Página anterior: Hishikawa Moronobu, “Episódio dos Contos de Ise” (1679) INTRODUÇÃO O presente volume contém uma seleção de 165 exemplos do universo de 1.111 poemas que compõem o Kokin’wakashû (“Coleção de poemas antigos e contemporâneos”), a primeira antologia poética japonesa realizada por ordem imperial. No Japão, o Kokin’wakashû foi o texto central por um milênio, tendo sido publicado ainda na Antiguidade (início do século X) i e exercido sua autoridade canônica ao longo de toda a Idade Média (séculos XII a XVII), do xogunato Tokugawa (séculos XVII a XIX) e da Restauração Meiji (segunda metade do século XIX). Sua primazia só começou a ser contestada na época do modernismo (início do século XX) que, por se posicionar com uma estética anti-Kokin’wakashû, foi por isso mesmo um movimento literário que prestava uma oblíqua e derradeira homenagem à importância da obra aqui apresentada. O Kokin’wakashû (também conhecido pelo seu nome abreviado, Kokinshû) estabeleceu o modelo a ser seguido nos mais diversos níveis: a forma poética; as regras de organização de antologias; as situações em que se fazia poesia; quem eram os sujeitos que podiam poetar; quais regras de gosto e de estilo eram exigidas do poeta; qual i A Antiguidade japonesa vai de 592 d.C. a 1192 d.C. e não corresponde à Antiguidade regional europeia. INTRODUÇÃO vocabulário, dicção e gramática eram aceitos como “dignos do poético”; quais temas podiam ser tratados em poesia; qual era o tipo de envolvimento aceito (ou esperado) entre a elite do poder e a elite literária; e mesmo quais elementos da natureza tinham mais força simbólica do que outros no momento de se escrever literatura. Vamos encontrar o alcance e a presença dessa cristalização estética nos mais diversos campos: desde o haicai de Bashô, que surgiu de uma reorganização desse universo poético e está impregnado de “coisas do Kokin’wakashû”; passando pela pintura; pela codificação do amor cortês; pelos padrões de beleza; pela estilização do erótico e de outras tecnologias de gênero; pela história das sensibilidades; pela decoração, moda, arquitetura, artes aplicadas, gastronomia, teatro, e muitas outras áreas. O “Prefácio em hiragana” desta antologia, de autoria do grande poeta e editor Ki no Tsurayuki (e cuja tradução incluí neste volume) é visto por muitos como um “equivalente japonês” da Poética de Aristóteles. Em que pesem as grandes diferenças de tempo, concepção de mundo, cultura, contexto e intenção, a literatura japonesa é uma das únicas no mundo a possuir o que o comparatista Earl Miner (1990) chama de “poética fundacional por escrito” (outros exemplos seriam as civilizações chinesa, grega e latina) — um texto de intenção estético-didática que lista as condições, categorias e mecanismos necessários para se escrever poesia. A POESIA JAPONESA ATÉ O KOKIN’WAKASHÛ Nos séculos anteriores à compilação do Kokin’wakashû, a corte imperial devotara grande atenção aos modelos literários chineses. A maioria dos intelectuais escrevia, preferencialmente, poesia em kanshi (chinês literário), 13 14 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O reservando a composição de waka (“poemas em japonês”) para usos privados, como a comunicação entre amigos e amantes, por exemplo. As mulheres não tinham, em geral, acesso à instrução em língua chinesa, e utilizavam o japonês para a comunicação por escrito. No período arcaico, o Japão chegara a ser uma sociedade matriarcal; e alguns resquícios desses hábitos muito antigos ainda estavam presentes. De fato, as mulheres ainda tinham direito à propriedade e precisavam ser “conquistadas” por meio de um complexo ritual de cortejo. Esse amor cortês da Antiguidade japonesa dependia centralmente da poesia. As mais antigas narrativas já descreviam a comunicação amorosa como uma forma de correspondência poética. Não por acaso, os dois mais importantes poetas do período inicial de ressurgência do waka são Ono no Komachi e Ariwara no Narihira ii — tanto ela quanto ele detentores de uma reputação que transcende o literário, como figuras românticas envolvidas em inúmeras aventuras galantes. Antes da obra que apresentamos neste livro, o Man’yôshû (“Coletânea da Miríade de Folhas”), de 785, era a mais importante antologia poética, com 4.516 waka. Essa primeira seleção buscava, no contexto da corte imperial, reunir o que de melhor havia sido feito em poesia até então, incluindo desde canções populares até sofisticados discursos cerimoniais. Nessa obra, verificava-se uma profunda identificação entre linguagem, natureza, religião e poder imperial. Assim, por exemplo, o poema 2 do Man’yôshû, de autoria do imperador Jomei, descreve um universo em que os céus, a terra e o corpo político formam um todo harmonioso: Vide o Índice onomástico-biográfico no final do volume para uma breve nota sobre esses e outros autores da antologia. ii INTRODUÇÃO D O A LTO DA M O N TA N H A CO N T E M P LO M I N H A T E R R A 大和には 群山あれど とりよろふ 天の香具山 登り立ち 国見をすれば 国原は 煙立ち立つ 海原は 鴎立ち立つ うまし国ぞ 蜻蛉島 大和の国は inúmeras são as serras desta terra de Yamato dentre elas exulta este monte perfume sob o céu aqui de seu cume contemplo meu reino sobe dos campos a fumaça das casas sobe do oceano o voo das gaivotas admirável país é o meu ilha das libélulas a bela terra de Yamato yamato ni wa / murayama aredo / toriyorou / amenokaguyama / noboritachi / kunimi wo sureba / kunihara wa / keburi tachitatsu / unahara wa / kamame tachitatsu / umashi kuni zo / akitsushima / yamato no kuni wa Durante a Alta Antiguidade, na era Nara (710 a 794), a casa imperial japonesa encontrou no modelo chinês uma forma de centralizar o poder, por meio de instituições jurídicas, políticas, cerimoniais e religiosas inspiradas em práticas continentais. Assim, a língua da administração era o chinês escrito; e qualquer aristocrata que desejasse uma carreira precisava dominar essa modalidade de expressão. Por consequência, até o século IX, os principais poetas e intelectuais japoneses privilegiaram a escrita 15 16 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O chinesa, em detrimento dos gêneros textuais nativos. Um problema que pode ter contribuído para a preferência pelos modelos chineses ao invés do waka é que a escrita da língua japonesa ainda demorou mais um século para se consolidar. O Man’yôshû foi escrito usando um sistema adaptado da escrita chinesa para representar os sons do japonês, algo tão complexo e cheio de variantes e exceções que, algumas gerações depois, as pessoas já não conseguiam mais ler o que os seus antepassados haviam escrito. Em 794, o imperador Kanmu (737–806) transferiu a corte para a região onde hoje se encontra a cidade de Quioto. Com o desejo de que a nova capital trouxesse um longo período de estabilidade e harmonia, deu-lhe o nome de Heiankyô (“capital da paz”). Ao período que começa nessa data e se estende por mais quatro séculos, chamamos de era Heian (794–1192) ou Baixa Antiguidade. Durante a era Heian, o clã Fujiwara se apossou de muitos feudos, tornando-se o mais poderoso grupo de influência e sobrepujando as outras grandes famílias. Os Fujiwara casavam suas filhas com imperadores, para que elas gerassem príncipes herdeiros do império. O chefe do clã se tornava regente enquanto o príncipe não atingia a maioridade. Quando os príncipes se tornavam adultos, o chefe se tornava o principal conselheiro do novo imperador. Com a ascensão dos Fujiwara, a ênfase se deslocou gradativamente do modelo cultural chinês (que centralizava o poder na figura de um imperador todo-poderoso) e estava criado um ambiente propício para a volta do waka como forma poética de destaque. Com o enfraquecimento da China T’ang no fim do século IX, aboliu-se o envio de comitivas diplomáticas ao continente. A maioria dos historiadores afirma que, devido à diminuição da influência continental, criou-se INTRODUÇÃO uma cultura mais característica do Japão. O poema waka voltou a ser muito apreciado, e no ano de 905 um decreto imperial determinou a elaboração do Kokin’wakashû. FLORESTAS DE SÍMBOLOS A partir do século IX, a poesia em japonês começa a apresentar um estilo diferente — algo que viria, justamente, a ser chamado de “estilo Kokin’wakashû” — produto de uma síntese que adotava temas e procedimentos da cultura continental chinesa e os aplicava à literatura vernácula. É interessante notar que, em vez de emular a poesia da China T’ang (618–907), sua contemporânea, os autores japoneses da era Heian escreviam em um chinês literário mais arcaico, reverenciando uma fase anterior da literatura do continente — a era das Seis Dinastias (222–589). Esse período da literatura chinesa tem por característica uma predileção pelo artifício, pela alusão, pelo subentendido, pelo uso de figuras de linguagem e de jogos imagéticos e lexicais. Se, por um lado, a poesia da era Heian valorizava a natureza como tema, por outro, os nobres não saíam quase nunca de casa. O contato com a natureza não era direto — ocorria por meio dos jardins dos palácios, de pinturas, desenhos, poemas e relatos. Ou seja, a “natureza”, na vida dos nobres do período clássico, se encontrava em toda parte, tanto espacial como psicologicamente, mas se tratava em grande parte de uma natureza reconstruída. Trata-se de um fenômeno que Shirane Haruo (2012) denomina de “natureza secundária”, fator decisivo na construção do imaginário e da estética dos japoneses. A ênfase não está em como a natureza é e, sim, em como ela deveria ser: graciosa e elegante. A tão difundida noção de que os japoneses são um povo em harmonia com 17 18 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O a natureza se deve à criação dessa nature au second degré que, na verdade, é uma temática literária e artística para expressão de sentimentos e para reforçar um ideal de ausência de conflitos e de beleza elegante. Em contraste com a centralidade da concepção divina do poder imperial e de sua expressão na terra por meio dos fenômenos da natureza que encontramos na fase literária anterior, o Kokin’wakashû apresenta uma maior quantidade de poemas que descrevem sentimentos humanos e processos emocionais e intelectuais. A ênfase se encontra na percepção subjetiva e na reconstrução do real por meio da imaginação. Assim, por exemplo, torna-se mais comum o uso do mitate (“ilusão de ótica”), um recurso retórico que consiste em estruturar o drama do poema em torno de uma suposta confusão visual de uma coisa por outra iii — pétalas de flores caindo do céu por neve, uma montanha desconhecida pelo monte Fuji, um rio coberto de folhas avermelhadas por um rico brocado de seda, etc. Outro recurso muito encontrado no Kokin’wakashû são as kakekotoba, palavras homófonas que se encontram na articulação entre dois versos, significando uma coisa em um verso e outra no verso seguinte iv. Em sua discussão do conceito de kakekotoba, a pesquisadora Olívia Nakaema afirma que “não há alternância de significados, mas coexistência” (2012, p. 128). Essa e outras ferramentas poéticas eram utilizadas para aumentar o poder de alusão do poema, criando uma estrutura de camadas de sentido que estão interconectadas pelas “palavras-pivô”. O século IX viu o surgimento dos utaawase (“concursos de poesia”), provavelmente durante o reino do imperador Uda (867–931). Nobres de menor escalão ficavam encariii iv Por exemplo, o poema 301 desta antologia; e muitos outros. Por exemplo, os poemas 103 e 742 desta antologia; e muitos outros. INTRODUÇÃO regados de organizar o certame, escrevendo os poemas propostos em tiras de papel que eram apresentadas pelos participantes ao imperador. Os temas mais comuns eram a primavera e o outono (as estações mais importantes no calendário da corte). A flor da valeriana (ominaeshi) v tinha destaque, pois o seu nome faz alusão às “donzelas” (consortes imperiais), responsáveis pela manutenção da linha sucessória dinástica. A atividade de julgar poemas com base em critérios objetivos propiciou o surgimento de uma poética formal e explícita, que encontramos no “Prefácio em hiragana” do Kokin’wakashû e nos diversos tratados literários que viriam a ser escritos em períodos históricos subsequentes. Também se escreviam poemas em painéis com pinturas (byôbuuta), inspirados nos motivos da decoração. Com o tempo, a criação de biombos comemorativos, oferecidos a importantes personagens da aristocracia em aniversários, festas de maioridade ou jubileus, passou a ser uma importante atividade da corte. Esses objetos de decoração se tornaram cada vez mais complexos, incluindo elementos narrativos e especial cuidado no arranjo espacial dos desenhos e poemas. Esse cuidado estrutural na organização de sequências poéticas se encontra refletido na estrutura mesma do Kokin’wakashû. Os poemas do Kokin’wakashû estão distribuídos em vinte livros (maki, “rolos”). A maioria dos livros se estrutura em torno de temas tradicionais da poesia japonesa: as quatro estações, amor, adeuses, viagens, comemorações, lamentos, etc. Dois livros de “miscelânea” abrigam os poemas que os compiladores não conseguiram enquadrar em nenhuma categoria. Três livros se baseiam em categorias não temáticas: “nomes de coisas” (poemas de adivinhação); poemas em “formas miscelâneas”; e obras v Vide poemas 226 e 238 desta antologia. 19 20 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O do Departamento Imperial de Poesia (poemas tradicionais, utilizados em cerimônias religiosas ou oficiais). O Kokin’wakashû tem sua forma constituída por aglomerados tópicos. Esses tópicos eram cuidadosamente organizados e dispostos em sequência temporal, de maneira a criar uma ordem maior. Assim, a antologia começa com o início da primavera e o Ano-Novo (lunar) vi, evoluindo para a neblina, o rouxinol, as ervas que brotam do chão depois de derretida a neve, os salgueiros, as ameixeiras em flor, seguidas pelas cerejeiras em flor, e assim por diante, como que contando uma história da evolução gradual das estações por meio das tópicas poéticas. Também os poemas de amor narram em sua sequência o romance cortês em suas diferentes etapas — a começar pela primeira vez que o poeta avista a pessoa amada, evoluindo para os encontros às escondidas, as esperas, as desilusões, a separação e as saudades. Os poemas estão dispostos em categorias formais, dentro das quais há nexos de associação, sequência e progressão. Os seis livros sazonais fazem referência à ordem cosmológica, sobrepondo-a ao calendário de eventos e rituais da corte imperial. Essa concepção de tempo circular é típica da cultura japonesa, “um tempo rotativo sem começo e sem fim [no qual] não são as posições dos corpos celestes que se sucedem, como no caso do helenismo, mas as estações” (KATO, 2012, p. 49) vii. vi O calendário “lunar” (ou “lunissolar”) utilizado na Antiguidade japonesa é o mesmo da tradição chinesa. Em termos simplificados, o “primeiro mês” desse calendário corresponderia ao “início da primavera”, que tradicionalmente não ocorria em março e sim, no mais das vezes, no que nós chamamos de fevereiro. O Ano-Novo chinês, calculado pelo calendário lunar e comemorado até hoje em diversos países da Ásia, geralmente cai no fim do nosso janeiro ou na primeira semana de fevereiro. vii Algo que José Miguel Wisnik, no contexto da música, descreve como “um tempo circular, recorrente, que encaminha para a experiência de um não tempo ou de um ‘tempo virtual’, que não se reduz à sucessão INTRODUÇÃO Os cinco livros de “amores”, por sua vez, fazem referência a um tempo linear, de progressão inexorável, no qual a experiência erótica aparece codificada em fases fixas. O amor cortês, nesse contexto, à semelhança do que ele representou no desenvolvimento da literatura regional europeia, assume a posição de representante metonímico da vida emocional do indivíduo. A narrativa do relacionamento amoroso é como a encenação da tragédia anunciada do luto e da solidão a que cada vida humana está condenada. Essas duas concepções de tempo apresentam-se como complementares no contexto da antologia. Os poemas formam “florestas de símbolos”, com repetições e variações orquestradas para criar a impressão de um todo orgânico e inevitável. Assim, a cerejeira e a glicínia, por exemplo, fazem alusão à glória do clã Fujiwara. O cuco, principal personagem do verão, conecta o mundo dos vivos ao reino dos mortos. O outono é estilizado a ponto de se tornar o correspondente linguístico da padronagem avermelhada de um brocado de seda. O inverno, fechando o ciclo sazonal, remete à pureza da cor branca da neve e ao recomeço que se anuncia com o final do ano. Os livros 7 (“Comemorações”) e 16 (“Lamentos”) formam um par temático: o primeiro, localizado no fim da sequência sazonal, celebra a vida; o segundo, encerrando a seção sobre o amor, propõe uma meditação sobre a perda e a morte. Os livros 8 e 9 (“Adeuses” e “Viagens”) também formam um par temático e complementar. O livro 10 (“nomes de coisas”) e os livros 17 e 18 (“miscelânea”) demonstram os usos lúdicos da linguagem, comentam cronológica nem à rede de causalidades que amarram o tempo social comum”, um processo de “produção comunal do tempo [...] constituída pela superposição de ritmos irregulares girando em torno de um centro virtual, ou ausente, fora do tempo linear, [subordinados] à ordem do pulso e da recorrência” (1999, p. 78). 21 22 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O aspectos da vida na capital e advertem sobre a futilidade dos sonhos humanos. Os poemas de “outras formas” e que não se encaixam na regularidade encantatória do resto da antologia surgem no livro 19; e a obra se encerra com o livro 20, no qual estão registrados os poemas tradicionais da corte — alguns tão arcaicos que antecedem o surgimento da escrita. AS FORMAS DO WAKA Os dois principais tipos de waka (“poesia em japonês”) são o chôka (“poema longo”) e o tanka (“poema curto”). O chôka ou nagauta tem um número indeterminado de estrofes com dois versos (de 5 e 7 sílabas, alternadamente), terminando sempre com dois versos de sete sílabas viii. O tanka tem sempre cinco versos e um total de 31 sílabas com a disposição da métrica obedecendo ao esquema 5-7-5-7-7 ix. Além do tanka e do chôka, encontramos a forma sedôka, com dois tercetos de 5-7-5 sílabas cada (5-7-7/5-7-7) x. Alguns poemas do livro 19 são chamados de haikai xi, mas essa palavra tinha um significado diferente na Antiguidade: ela era usada para poemas com o mesmo número de versos e sílabas que um tanka, mas que não seguiam as muitas regras do bom gosto exigido na corte, sendo considerados como “poemas de brincadeira”, sem Por exemplo, o poema 1002. Com exceção de alguns exemplos do livro 19, todos os poemas desta antologia são na forma tanka. x Essa forma foi usada na Era Nara, mas depois do século VIII tornouse praticamente extinta. O primeiro ideograma de sedôka significa “retornar” ou “circular”. No exemplo incluído neste volume, o “retorno” se refere ao fato de que o poema 1008 responde a pergunta proposta pelo poema 1007. xi Por exemplo, os poemas 1011 e 1012. viii ix INTRODUÇÃO pretensões de “seriedade”. Não há nenhum exemplo do haicai, tal como ele é praticado hoje, no Kokin’wakashû xii. Neste livro, vou utilizar a palavra waka para me referir ao tanka, pois essa é a designação mais usada para o período em que o Kokin’wakashû foi publicado. Na virada do século XIX para o XX, com o movimento de renovação das formas poéticas nativas, liderado por Masaoka Shiki, os poetas voltaram a usar preferencialmente o termo tanka. Ou seja, os tanka de autores clássicos, como os desta coletânea, são geralmente referidos como waka, ao passo que o mesmo tipo de poema, se de autoria de um poeta moderno ou contemporâneo, é denominado tanka. O waka-tanka pode ser ainda dividido em “parte de cima” (kami, os três primeiros versos de 5-7-5 sílabas) e “parte de baixo” (shimo, os dois últimos versos de 7-7 sílabas). Eis o poema 113, de autoria de Ono no Komachi: 花の色は 移りにけりな いたづらに 我身世にふる ながめせしまに a flor da cerejeira perdeu sua cor em vão minha juventude passou enquanto eu distraída olhava a chuva hana no iro wa / utsuri ni keri na / itazura ni waga mi yo ni furu / nagame seshi ma ni A “parte de cima” do poema é, aparentemente, sobre a flor da cerejeira. No entanto, ela está ligada à “parte de baixo” pela expressão itazura ni (“em vão”), que pode se reO haicai moderno tem três versos de 5-7-5 sílabas, mas o uso contemporâneo da terminologia só viria a se consolidar muitos séculos depois. xii 23 24 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O ferir tanto ao murchar da flor quanto ao envelhecimento da autora. Procurei manter um pouco dessa ambiguidade na tradução, dividindo a expressão “em vão” em dois versos. A poesia clássica japonesa desenvolveu, ao longo dos séculos, uma série de convenções e de ferramentas poéticas (muitas das quais encontramos também, posteriormente, na tradição do haicai). As makurakotoba, ou “palavras-travesseiro”, são epítetos fixos, semelhantes aos usados por Homero na Odisseia, ou ainda metáforas antigas que se tornaram uma expressão poética, à semelhança das kenningar das sagas nórdicas. O epíteto, em geral, precede um substantivo que muitas vezes é um nome de lugar (e que se imagina estar “apoiando a cabeça” na palavra-travesseiro). A prática tem origem religiosa, pois se acreditava que a palavra associada protegia ou glorificava a coisa designada xiii. Engo, ou “associação lexical”, é uma ferramenta retórica que consiste em criar no poema uma malha de palavras associadas que, tomadas em conjunto, acrescentam mais uma camada interpretativa ao texto xiv. Kigo, ou “vocabulário sazonal”, são palavras associadas às quatro estações. Na época do Kokin’wakashû, essas expressões não se denominavam ainda kigo, mas muitas delas já eram consagradas — por exemplo, a flor da cerejeira (primavera), o cuco (verão), as folhas tingidas de vermelho (outono) e o Ano-Novo (inverno). No famoso “haicai do velho lago”, de Matsuo Bashô, a presença do sapo (kawazu) remete às fortes chuvaradas que ocorrem durante a primavera no Japão. Em períodos posteriores da evolução da poética japonesa, os kigo passaram a ser organizados em “dicionários de expressões sazonais”, os Um exemplo desta coletânea se encontra no poema 294, de autoria de Ariwara no Narihira. Há muitos outros. xiv Por exemplo, o poema 167 desta antologia. xiii INTRODUÇÃO saijiki. Essas obras de referência são muito importantes para a composição de haicai e possuem mesmo versões brasileiras xv. A PALAVRA BROTA DO CORAÇÃO HUMANO Até aqui, ressaltei a originalidade da antologia e seu caráter “japonês”, em contraposição à poesia em língua chinesa que, por certo tempo, ocupara a centralidade do sistema literário da corte Heian. No entanto, é igualmente fácil sustentar o ponto de vista contrário. Já mencionei anteriormente como o estilo do Kokin’wakashû pode ser descrito como uma síntese da expressão nacional japonesa e de procedimentos poéticos importados do continente chinês. Algo que também chama muito a atenção é o quanto o “Prefácio” de Tsurayuki deve, às vezes textualmente, ao “Grande prefácio” do Shījīng xvi: Shījīng: A poesia é a direção em que vai a vontade do espírito. A vontade habita o coração e, ao ser expressa em palavras, torna-se poesia. Tsurayuki: A poesia japonesa brota do coração humano, que é a sua semente, e suas folhas crescem como dez mil palavras. Por exemplo, Goga; Oda (1996). Vide referências. “Grande prefácio” do Shījīng, ou Clássicos da Poesia (China, séculos XI a VI a.C.). Atualmente, acredita-se que a autoria do “Grande prefácio” seja de Wei Hong (século I d.C.). 詩者,志之所之也。在 心為志。發言為詩。情動於中,而形於言。言之不足,故嗟歎。 嗟歎之不足,故永歌之。永歌之不足知,手之,舞之,足之,蹈 之也。情發於聲,聲成文,謂之音。治世之音安以樂,其政和。 亂世之音怨以怒,其政乖。亡國之音哀以思,其民困。故正得 失,動天地,感鬼神,莫近於詩。先王以是經夫婦,成孝敬,厚 人倫,美教化,移風俗。(Cf. SVENSSON, 1999; THEOBALD, 2010; WIXTED, 1984.) xv xvi 25 26 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O Shījīng: A emoção nasce dentro de nós e toma a forma de palavras. Quando as palavras não bastam, podemos suspirar; quando suspirar não resolve, cantamos; se nem isso é suficiente, movemos ritmados as mãos e os pés e dançamos. As emoções se expressam pela voz e, quando a voz se forma em frases, dizemos que elas são “melodias”. Tsurayuki: Neste mundo, as pessoas têm muitos interesses diferentes. Aquilo que pensam em seu coração, expressam em poesia, quando falam sobre as coisas que viram e escutaram. Basta ouvir o rouxinol do Japão, que canta em meio às flores, ou a voz do sapo que vive na água, para entender que todos os seres vivos produzem algum tipo de poesia. Shījīng: A melodia que governa o mundo pacifica com sua música, promovendo a paz e a alegria. As melodias de um mundo em descompasso atiçam o ódio, promovendo a tirania. As melodias de um país derrotado são plangentes, e seu povo sofre. Mas o correto restaura o perdido, move o céu e a terra, e emociona mesmo os demônios e deuses — e a melhor maneira de se atingir o correto é a poesia. No tempo dos antigos príncipes, os poemas eram usados para harmonizar os casais, para promover o respeito aos antepassados e o amor filial, para enriquecer a cultura das pessoas e para civilizar os costumes. Tsurayuki: A poesia é aquilo que, sem esforço, move o céu e a terra e emociona até os ogros e deuses que nossos olhos não podem ver. Ela harmoniza as relações entre homem e mulher e consola mesmo o coração de ferozes guerreiros. A semelhança textual é testemunho da força de autoridade que a literatura chinesa representava para os intelectuais japoneses; no entanto, como discutirei mais adiante, as diferenças também são várias e importantes. Miner (1990) propõe uma comparação entre a Poética INTRODUÇÃO de Aristóteles, o Shījīng chinês e o “Prefácio em hiragana” de Ki no Tsurayuki. Aristóteles teria feito a escolha consciente de privilegiar o drama ateniense em detrimento da épica; por sua vez, o prefácio chinês busca alinhar a literatura aos interesses cívicos e políticos; já Tsurayuki estava criando uma programática da poesia nacional, em oposição à literatura de prestígio (a chinesa clássica), e alinhando-a com o poder simbólico e religioso da corte imperial de Yamato. Miner classifica as poéticas chinesa e japonesa, fundadas na lírica, como poéticas afetivo-expressivas. A poética regional europeia, tal como definida por Aristóteles, seria representacional-mimética e fundada no drama. Uma importante consequência para a noção de autoria decorre da centralidade da lírica: ao contrário da lírica ocidental moderna e contemporânea, que, por sua afinidade com o drama, às vezes se comporta como se a poesia fosse a fala de uma personagem, a poesia chinesa e a japonesa operam como se lidassem com fatos, e “a interpretação deriva de uma firme crença no intencionalismo” (MINER, 1990, p. 112). O “Grande prefácio” chinês propõe uma poética afetivo-expressiva fundada no humano e na harmonia entre indivíduo e corpo político: trata-se de uma concepção ética do estético, em que o sentimento (a “vontade”) se expressa tanto em palavras como em música e em dança. Já o “Prefácio em hiragana”, refletindo a religião nativa do Japão, o xintoísmo, estabelece uma deliberada confusão entre o mundo humano, o dos animais, o das plantas e mesmo o mundo sobrenatural: todos pertencem ao mesmo continuum e produzem (ou são sensíveis à) poesia. A poesia é um “canto”, como as vozes dos bichos, e a composição de poesia seria algo “natural” para os humanos. O sapo e o rouxinol são tópicos consagrados da poesia clássica e considerados como possuidores de “belas vo- 27 28 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O zes”. Ki no Tsurayuki enfatiza o papel central da natureza, tanto como estímulo para a criação de poesia, como quando afirma que a poesia é uma forma de expressão natural ao ser humano. Outro ponto de suposta semelhança entre a poética clássica chinesa e o “Prefácio em hiragana” de Tsurayuki é a lista dos “seis tipos de poesia”: (1) oculta persuasão (soeuta); (2) enumeração ou descrição (kazoeuta); (3) comparação (nazuraeuta); (4) exemplificação ou imagem evocativa (tatoeuta); (5) poesia de tom elevado ou elegância (tadagotouta); e (6) comemoração ou homenagem (iwaiuta). De todo o “Prefácio”, esse trecho é o mais criticado pelos comentadores — a começar pelo próprio copista da Antiguidade que anota, exasperado, ao fim da enumeração: “creio poder concluir que, na verdade, não existem seis tipos de poesia japonesa”. À crítica de que a classificação em seis tipos não tem pé nem cabeça, vem se somar a acusação de que essa lista, na verdade, é uma adaptação mal feita de categorias chinesas associadas à retórica e à música. De fato, a categoria de número (1) corresponde à persuasão (feng, 風), descrita no “Grande prefácio” do Shījīng como a função poética de fazer uma crítica velada por meio da indireta sutil, sem se incriminar (ou seja, um uso pragmático da poesia). As categorias (2), (3) e (4) correspondem, respectivamente, aos “três aspectos clássicos da poesia chinesa”: descrição (fu, 賦); comparação (pi, 比) e imagem evocativa (hsing, 興). Essas três categorias têm um conteúdo mais, digamos, “puramente estético” do que as outras (se o gosto do freguês pende para o lado das “coisas ideais e puras”). Note-se, no entanto, que na poética chinesa esses aspectos podem estar presentes juntos em um mesmo poema, ao passo que o “Prefácio em hiragana” parece querer classificar cada poema como pertencente a uma INTRODUÇÃO categoria específica, à exclusão das outras. No Shījīng, a categoria (5) corresponde à poesia didática e de alto tom moral (ya, 雅) que saúda um novo governo ou explica por que o anterior caiu; a categoria (6) faz referência às homenagens (sung, 頌) prestadas a grandes exemplos de virtude ou de sucesso xvii. Ora, uma leitura mesmo superficial do “Prefácio em hiragana” de Ki no Tsurayuki permite ver que, no contexto da poética japonesa, essas categorias não têm absolutamente nada a ver com suas ancestrais chinesas. Ainda que confusas de um ponto de vista, digamos, lógicoaristotélico, as categorias de Tsurayuki são coerentes no sentido de que todas estão baseadas em preocupações estéticas, técnicas ou retóricas, ignorando totalmente as possibilidades pragmáticas ou ético-políticas da poesia, muito presentes no pensamento chinês. A posteridade, em que pese a má-vontade do copista, tratou as seis categorias do “Prefácio em hiragana” como modelos didáticos de composição, algo mais próximo do pensamento de Tsurayuki e mais razoável do que as exigências de lógica ou de subordinação ao modelo chinês presentes nos textos dos críticos. Isso não tira totalmente, a meu ver, a razão do copista: os seis tipos de poesia não fazem muito sentido como classificação sistemática. O “Prefácio em hiragana”, portanto, é duplamente único e interessante para a leitora brasileira do século XXI. Em primeiro lugar, ele estabelece, à semelhança do “Grande prefácio” chinês, uma poética fundacional escrita que dá destaque ao aspecto afetivo-expressivo da literatura e adota como gênero central a poesia lírica — em contraste com a poética aristotélica que, baseada A descrição das categorias chinesas segue a sistematização proposta por Wixted (1984, p. 393–394). xvii 29 30 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O no gênero do drama, enfatiza o aspecto miméticorepresentacional do literário, criando uma cisão entre “palavra” e “coração” que está longe de ser universal ou parte do senso comum em culturas não descendentes do regional europeu. Em segundo lugar, mesmo adotando a literatura chinesa como modelo, a poética japonesa é reflexo de uma experiência histórica bastante distinta. O gênero lírico, parte integrante do tecido social da aristocracia da Antiguidade, nunca precisou de justificativa extraliterária para existir. Assim, quando Tsurayuki teorizou sobre a poesia japonesa, ele não precisou atribuir a ela elementos pragmáticos. A poesia japonesa se justifica a si mesma, como canto — o canto dos seres vivos, a expressão de seu sentimento. PARATEXTO E HORS-TEXTE A escrita japonesa é fruto de um longo processo de desenvolvimento. As primeiras duas grandes obras da literatura do Japão, o Kojiki xviii e o Man’yôshû xix, ambas compiladas no século VIII, foram escritas usando caracteres chineses para representar os sons da língua japonesa. A partir desse complexo sistema foram criados, nos três séculos seguintes, dois silabários nacionais — as kana. Um deles, as katakana, é composto de pedaços de caracteres chineses; o outro, as hiragana, de simplificações cursivas desses mesmos símbolos. Os textos da vida pública eram escritos em chinês clássico. As primeiras hiragana surgem em correspondência xviii Texto que combina o pseudo-histórico, o histórico e os mitos de formação do Japão (cosmogonia e mitologia). Compilado por Ô no Yasumaro, baseado na obra incompleta de Hieda no Are. Compilação terminada em 712 (era Nara). xix Cf. primeira seção desta Introdução. INTRODUÇÃO oficial e privada, em diários oficiais do governo e quando era necessário expressar opinião, descrever emoção, e registrar poemas japoneses (que muitas vezes eram compostos em eventos públicos). A poesia, no contexto da vida aristocrática da era Heian, tinha uma função social diferente da verificada em outros lugares e épocas. Como a música ou a dança em algumas culturas, o teatro em outras, ou ainda o esporte, a poesia gerava a possibilidade de se vir a ser notado em espaços públicos (não só em eventos em que se compunha poesia, mas também por meio da divulgação de exemplos de excelência, quando ocorriam); de se adquirir informação sobre a vida privada de outros (por meio das alusões que se acreditava encontrar nos poemas, que muitas vezes eram objeto de discussão, boatos e rumores) e, principalmente, de se animar relacionamentos de ordem privada (a poesia fazendo as vezes da correspondência romântica — e mesmo de diversos outros tipos de correspondência). Para um olho treinado, uma série de poemas escritos pela mesma pessoa podia revelar sua ordem cronológica e a narrativa por trás das ocasiões em que foram compostos. O contrário também era verdade: aquilo que se esperava de um amante em potencial tinha uma espécie de roteiro pré-estabelecido por séries de poemas incluídos em antologias imperiais. Assim, por exemplo, o Diário de Izumi Shikibu xx (ostensivamente um relato autobiográfico) teria sua narrativa modelada a partir dos livros de temática amorosa do Kokin’wakashû. Esse tipo de poesia é tradicionalmente associado a práticas sociais, ou no mínimo coletivas, perdendo algo de seu poder de alusão quando apresentado sem o contexto em que foi composto; ou seja, a maneira como um leitor brasileiro — que associa a poesia japonesa à desxx Diário poético escrito no início do século XI por Izumi Shikibu. 31 32 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O contextualização, dissociação de sensibilidade, concisão e despersonalização — imagina um poema japonês é o oposto da maneira como um japonês culto o lê. A poesia tradicional japonesa pressupõe sempre uma narrativa que a acompanha. Mais que isso: essa narrativa não é lida no modo da ficção, como os interlúdios de Fernando Pessoa ou as personas poéticas de Robert Browning (ou o “eu lírico” dos críticos literários). A poesia é vista como a expressão do sentimento do poeta em um momento que realmente aconteceu, como afirma Ki no Tsurayuki em seu “Prefácio”: “a poesia japonesa brota do coração humano, que é a sua semente, e suas folhas crescem como dez mil palavras”. Um exemplo pode ajudar a compreender melhor tanto a vacilação entre o real e o ficcional de que estou falando como a sensação de ruído e interferência que esse tipo de narrativa pode causar em um leitor não japonês. A poesia de Ariwara no Narihira, cavalheiro da corte do século IX que passou para a história como um modelo de sensibilidade e beleza, encontra-se reunida num livro, os Contos de Ise xxi, que apresenta os seus poemas acompanhados de curtas anedotas. Às vezes, uma anedota reúne mais de um poema, e nesse caso a cena pode incluir uma interlocutora que também compõe, criando a situação-tipo do encontro romântico dessa época: a troca de versos de amor. Hoje em dia, o relato é tido por ficcional, ainda que muitos dos poemas tenham a autoria de Narihira corroborada por outras fontes. Esse modelo de narrativa-moldura para um mundo de composição poética gerou, no século seguinte, tanto a prosa de ficção como a de não ficção em língua japonesa. A eficaz combinação do poétiNarrativa formada por 125 “contos”, incluindo um total de 209 poemas. Autoria desconhecida (atribuída a Ariwara no Narihira). Escrita no século IX ou X (Era Heian). xxi INTRODUÇÃO co e do ficcional chamou a atenção de Jorge Luis Borges: Como os cretenses, os habitantes de Ise tinham fama de mentirosos. O título da obra sugeriria que os relatos que contém são falsos. Não é impossível que o anônimo autor tenha composto muitos desses poemas e tenha imaginado depois as dramáticas circunstâncias que os explicariam. (BORGES, 2008, p. 49) Nas escolhas semânticas desse parágrafo, encontramos as categorias problemáticas que não são lidas da mesma maneira por nós e pela cultura que gerou o Kokin’wakashû: “mentirosos”, “falsos”, “anônimo autor”, “imaginado”, “dramáticas”. E, ao apontar para o título como justificativa para a desconfiança, Borges também nos revela a profunda ligação que fazemos na nossa cultura entre narrativa e ficção. A maneira como lemos hoje, expressa nas dúvidas de Borges ao ler a Antiguidade japonesa, não admite a combinação híbrida de ficção e não ficção: ou se lê um texto como ficcional, e aí todos os elementos do real são tratados como invenção; ou então o texto precisa se reivindicar como biográfico, e a tarefa do crítico parece residir na identificação dos “deslizes” ou “mentiras” da história. Na verdade, um tratamento mais nuançado desses materiais permitiria reconhecer o quanto de estilização há no confessional, assim como o quanto de mundo real é necessário para se criar uma história. Essa problemática fica bastante clara quando se analisa o conceito de autor à luz de textos japoneses antigos. A visão que temos hoje de autor em literatura é um encontro de duas ideologias. Ela tem elementos do culto ao gênio do romantismo do século XIX; ao mesmo tempo, o autor é foco de expectativas ligadas à divisão do trabalho na sociedade capitalista e à profissionalização e segmentação das artes. Eu poderia ainda acrescentar à 33 34 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O equação o fato de que a recepção da literatura japonesa fora do Japão está tingida por questões orientalistas. Podemos tentar descrever algumas características do sistema literário da era Heian e, a partir da ideia de “poeta como produtor”, destacar os pontos de contraste com outras culturas. Assim, Miner (1990) afirma que, para os gregos, “a tragédia era escrita por cidadãos de Atenas do sexo masculino, no contexto de uma competição patrocinada pelo governo”. Na Renascença, na Europa, o grupo autorizado era de homens da aristocracia ou homens patrocinados por membros da aristocracia ou do clero. No mundo contemporâneo, há a “visão predominante de que qualquer pessoa (homem ou mulher) pode tentar, mas apenas os que se profissionalizam obtêm sucesso”. No caso da Antiguidade japonesa, “todos (homens e mulheres), mesmo os analfabetos” podiam ser autores de poesia (p. 18). Ainda que o Japão moderno tenha absorvido a ética da profissionalização associada ao capitalismo, a ideia de que a literatura, como o esporte, não é necessariamente uma atividade de recepção passiva, e pode envolver tudo e todos, sobrevive de diversas maneiras xxii. O número de japoneses que pratica, na qualidade de amadores, uma arte, como a música, a dança tradicional, a poesia, a caligrafia, dentre outras, é muito maior do que o nosso. Alguém dizer numa roda de conhecidos no Brasil que “escreve poesia, sem compromisso, como passatempo” é um convite ao escárnio, à incredulidade e ao riso; no Japão, é uma ocorrência comum e estimulada desde a escola. Agradeço ao poeta Diego Grando pelo insight. Em um debate sobre poesia japonesa realizado na PUCRS em 2018, Grando chamou minha atenção para a importância do elemento “amadorístico” e para a singularidade do lugar do poeta no contexto do capitalismo pósindustrial. Eu já tinha escrito sobre isso em outras ocasiões, mas a conversa com o Diego ajudou-me a elaborar a hipótese com maior precisão. xxii INTRODUÇÃO No Brasil, onde houver uma comunidade de imigrantes japoneses, há sempre um jornalzinho em japonês dirigido aos leitores locais, e quase todas essas publicações promovem alguma modalidade de concurso de poesia, ou ao menos mantêm uma página dedicada às composições dos leitores. A nossa atitude moderna de repulsa ao poeta amador é uma decorrência lógica justamente do culto romântico ao gênio e da especialização dos fazeres no capitalismo, aos quais vem se somar, ao longo do século XX, um gradual distanciamento dos sistemas educacionais com relação ao ideal humanístico e beletrista, e o crescente utilitarismo subjacente às ideologias por trás da formação de jovens e adultos. No Brasil, no início do século XXI, é muito difícil imaginar que possa haver uma teoria literária sofisticada que admita a identidade do autor com o eu lírico, ou que trate o poema como verdade factual. É como se o leitor fosse incapaz de ler literatura sem passar pelo vestíbulo da suspension of disbelief — aquele momento em que o contrato ficcional entre leitor e texto se estabelece, o primeiro concordando em acreditar no que o texto tem para lhe dizer (ao menos pela duração da leitura), desde que o segundo não lhe exija crédito de veracidade depois de fechado o livro. Em clara oposição à crítica ocidental contemporânea, “a compreensão literária na Ásia Oriental sustenta que o autor está falando diretamente ao leitor, como se não houvesse eu lírico, ou narrador de uma história”, uma noção “de tal maneira contrária a ideias ocidentais modernas que, para alguns, ela parecerá simplesmente errada” (MINER, 1990, p. 30). A menos que seja dito expressamente o contrário, “presume-se que os poetas falam in propria persona” e os trechos de narrativas nos quais se encontram comentários ou intervenções daquele que um ocidental chamaria de narrador são denominados, 35 36 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O “em uma tradição de séculos, como ‘palavras do autor’ (sakusha no kotoba)” (MINER, 1990, p. 30). O Kokin’wakashû faz uso do “conceito de integrar poemas por meio de textos em prosa” (RODD, 1984, p. 3), o que se deve, em parte, ao fato de que a poesia japonesa tende a preferir formas curtas, como que criando a necessidade de que o texte faça apelo ao hors-texte para ser compreendido: Uma das consequências desse uso social da poesia como parte do discurso quotidiano na corte Heian é que o poema se encontra preso à situação que o gerou; assim, o conhecimento das circunstâncias de sua composição era necessário para a compreensão de seu significado. Isso propicia também o uso desses poemas como blocos de construção para obras literárias de maior dimensão, em cujo contexto eles podem ser explicados. Mesmo poemas formais, escritos deliberadamente como atos de criação artística, com o objetivo de serem lidos para uma ampla plateia, eram frequentemente prefaciados por uma nota explanatória, ou ao menos uma indicação de tópico. (RODD, 1984, p. 20–21) Muitos poemas do Kokin’wakashû apresentam aquilo que eu chamo de “parafernália autoral”. Uma antologia ambiciosa como essa necessita se basear em muitas fontes documentais. Dentre essas fontes, encontravam-se, por exemplo, relatos de eventos que envolviam a composição de poesia, arquivos de particulares, álbuns de poemas pertencentes a indivíduos ou a uma família e compilações poéticas organizadas privadamente por poetas, servidores públicos ou intelectuais. De posse desses materiais, o editor precisava estabelecer critérios de seleção e, em seguida, de classificação desses poemas. Muitos deles vêm acompanhados da descrição das circunstâncias em que foram compostos — seja no título, seja em INTRODUÇÃO um texto explicativo. Assim, por exemplo, o título do poema de número 745, escrito por Fujiwara no Okikaze, é mais longo do que o próprio poema xxiii. Não resta dúvida de que a situação descrita no título do poema 745 é uma “cena romântica”, estilizada ao máximo, recorrente na literatura japonesa de antes e de depois (por exemplo, na passagem de O Romance do Genji em que o quimono que a dama deixa para trás é comparado à “casca da cigarra”). Além da peça de roupa deixada para trás e da ideia do quimono como substituto ou memória do corpo da amante, há o lugar comum dos pais vigilantes e dos amantes secretos. Há ainda outros lugares-comuns menos óbvios para um leitor brasileiro, como a comparação entre o sal das lágrimas e aquele que se extrai das algas marinhas, “a fogo lento”, o que seria uma metáfora para a agonia do amor; ou ainda o uso da palavra mo, que é tanto um tipo de alga como uma parte do quimono (a cauda). No entanto, o fato de que seja um clichê não impede que o poema seja lido como tendo realmente acontecido. De fato, para a literatura japonesa, talvez o que interesse ao leitor muitas vezes seja o reconhecimento (e o registro) de instantes em que a vida se parece com o clichê xxiii Além desse, há muitos outros poemas com títulos longos na antologia. Em português, temos o exemplo semelhante dos poemas de Gregório de Matos, cujos títulos às vezes são uma narrativa que contextualiza o poema. Por exemplo: Continua em galantear aquella Mariquita filha da Zabelona, que ja adiante dicemos (p. 1568); Passando o poeta em certa occasião pela porta desta galharda dama reparou que a sua vista expusera no peyto hum ramilhete de flores, que tinha na mão (p. 1619); Descreve a hum amigo desde aquelle degredo as alterações, e miserias daquelle reyno de Angolla, e o que juntamente lhe aconteceo com os soldados amotinados, que o levaram para o campo, e tiveram consigo para os aconselhar no motim (p. 1602), e muitos outros (MATOS, 1968). Como no caso dos waka do Kokin’wakashû, seguido se ignora se esses títulos são ou não apócrifos; e mesmo a real autoria dos poemas é frequentemente duvidosa ou de difícil comprovação. 37 38 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O consagrado. Estamos diante de um autor morto, irrelevante para a compreensão do poema, ou de um autor que ilumina o texto com sua existência? A resposta variará de acordo com os pressupostos culturais de cada leitor. Não resta dúvida de que, lido fora de seu contexto, o poema terá significados muito distintos. SOBRE A TRADUÇÃO A presente tradução começou a tomar forma no segundo semestre de 2019 como material didático para a disciplina de Literatura Japonesa em Tradução I do Bacharelado Tradutor Japonês-Português do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Aproveitei diversos textos que eu havia escrito em diferentes épocas sobre o assunto, mas as traduções dos poemas em si são em sua maioria inéditas. A preparação do manuscrito ocupou os meses de janeiro e fevereiro de 2020 (as férias de verão); a revisão foi feita no início de março; e a Introdução está sendo escrita enquanto estamos todos confinados a nossas casas em virtude da pandemia. Apresento aqui uma seleção de 165 exemplos de um universo de 1.111 poemas — ou seja, menos de 20% do total de textos da antologia japonesa. A tradução integral dos poemas do Kokin’wakashû exigiria uma dedicação de tempo e de foco que raramente um tradutor brasileiro teve ou terá o luxo de reservar a um projeto não remunerado. Meu objetivo com esta publicação é bem mais modesto: oferecer ao leitor brasileiro um vislumbre de um mundo que ele não conhece. Como esse mundo é distante no tempo e no espaço, optei pelo antimodernismo em minha abordagem editorial: desde o princípio, tive por intenção criar um almanaque idiossincrático da cultura japonesa da Antiguidade, incluindo na edição notas pa- INTRODUÇÃO ralelas, explicações introdutórias para cada um dos vinte livros, minibiografias dos poetas, esta longa introdução-ensaio e ilustrações dos mais diversos tipos. O projeto tipográfico procura dar mais destaque aos poemas em português, mas não se furta de colocá-los lado a lado com os poemas em japonês e a sua respectiva transcrição romanizada. Algumas vezes, em vez de explicar a aparência de um inseto ou de uma flor mencionados em um poema, acrescentei simplesmente um desenho da coisa em questão à margem do livro. A cultura japonesa nunca perdeu muito tempo com a compartimentalização dos gêneros literários nem com ideais de autonomia das artes. Desde os primórdios, a escrita foi tratada como uma forma de expressão visual. A poesia sempre foi tratada como canção e vice-versa. As artes plásticas dialogam com a literatura que, por sua vez, está presente nas expressões artísticas ligadas à performance, como o teatro, a música, a dança. A arquitetura não faz distinção entre o prédio e o jardim; o jardim conversa com o texto; o texto é uma meditação sobre a paisagem; a floresta é comparada a uma padronagem da seda... e assim por diante. Propostas ocidentais de criação de uma extravagante “obra de arte total” não fazem muito sentido em um contexto japonês, porque as artes no Japão não foram nunca outra coisa que não totalizantes. O pressuposto é de que tudo é híbrido: a cerimônia do chá é uma filosofia e um evento social; o arranjo de flores é um ritual estético; o mangá é literatura, assim como o cinema; os romances têm poemas; as roupas e a gastronomia dialogam com a pintura; etc. Os exemplos são muitos e o assunto é inesgotável. Em minha tradução anterior, Cem poemas de cem poetas (2019), publicada por esta mesma editora, já busquei combinar elementos visuais aos poemas que traduzi. Eles vinham acompanhados de notas interpretativas e de bio- 39 40 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O grafias dos poetas. Para a presente tradução de seleções do Kokin’wakashû, meu editor, o artista plástico e poeta Roberto Schmitt-Prym, me deu carta branca para resolver a questão do design do livro como eu achasse melhor. Em que pese minha pouca experiência como fazedor de artefatos culturais, nunca me diverti tanto criando algo na vida. As traduções estão longe de serem “neutras” ou “fiéis”, e a profusão de paratextos vai a contrapelo do que se costuma esperar de uma edição com poemas antigos e veneráveis. Mas não vou pedir desculpas pela minha visibilidade como tradutor. A ideia era essa mesma, desde o começo do projeto — causar interferência e ruído — e, com alguma sorte, transmitir o meu entusiasmo por esse fascinante capítulo da história da cultura japonesa. Isso não significa que não houve critério nenhum na idealização do volume. Ao selecionar os poemas, busquei: (1) incluir ao menos dois exemplos de cada um dos vinte livros; (2) incluir ao menos um exemplo de cada um dos principais poetas xxiv; (3) observar, na medida do possível, uma “representatividade proporcional” — ou seja, as categorias com mais poemas também receberam um maior número de traduções; (4) privilegiar poemas que “ficam bem em tradução”, critério extravagantemente subjetivo que me permitiu selecionar alguns poemas pelo simples fato de que as traduções me pareceram mais atraentes do que outras; e (5) seguir o meu gosto pessoal, critério diferente do anterior no sentido de que incluí alguns poemas cuja tradução não está minimamente satisfatória, mas que são tão bons — ou interessantes, ou famosos, xxiv “Principais”, aqui, significa duas coisas distintas: (1) os quinze poetas com maior número de poemas na antologia em si; e (2) os poetas mencionados em “listas canônicas”, como os “dois deuses da poesia”, os “seis gênios poéticos”, etc. Procurei também incluir um número considerável de poemas de “autoria desconhecida”, pois esses perfazem mais de 40% do total da antologia. INTRODUÇÃO etc. — em japonês que merecem ser mencionados, ainda que de forma muito imperfeita. Inicialmente, planejava não repetir nenhuma tradução do meu livro anterior; no entanto, logo que comecei a traduzir o “Prefácio em hiragana”, compreendi que isso não ia ser possível, pois os poemas citados por Ki no Tsurayuki reaparecem na antologia posterior, organizada por Fujiwara no Teika (eu traduzi os dois em ordem cronológica inversa à das primeiras edições japonesas: o Kokin’wakashû é do século X; Cem poemas de cem poetas, do século XIII). Fiquei ainda mais mortificado quando cheguei à conclusão de que, em alguns casos, eu não concordava mais comigo mesmo e de que eu ia ter que revisar parcialmente as traduções de um ano atrás para a presente antologia. Mortificações à parte, talvez essa constatação da instabilidade do texto traduzido tenha sido um presente disfarçado. O texto poético não é nunca um só; não é possível o acesso a um “santo dos santos” onde se encontra a verdade do poema, pelo simples fato de que esse lugar interpretativo não existe. Não se trata, por um lado, de um livro ortodoxo de “poesia traduzida”; por outro, também não é um livro com pretensões críticas ou acadêmicas. Eu não quis que fosse “apenas” um livro de poesia traduzida porque, ao contrário do haicai das eras Pré-Moderna, Moderna e Contemporânea, esse período do desenvolvimento literário japonês (a Antiguidade) e o gênero da maioria dos poemas (o waka ou tanka) é muito mal representado no sistema literário brasileiro, e eu acredito ser necessário introduzir ao nosso leitor essa cultura e esse universo com um número maior de detalhes e chaves de leitura do que a mera apresentação dos poemas traduzidos. Não tive a pretensão de escrever um texto acadêmico, ou uma obra de crítica literária. As informações que eu apresento são em grande parte as consensuais da área, 41 42 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O e este livro não inclui pesquisa original. É claro que, tendo lecionado e refletido sobre o assunto por quase duas décadas, algumas opiniões pessoais e idiossincrasias de ênfase vão se refletir nestas páginas, mas essas distorções estão longe de constituírem uma visão inovadora ou sistemática. Na tradução, não observei nenhuma lista geral de “regras pessoais da tradução literária”. Também não me preocupei em seguir sempre os mesmos pressupostos. Alguns poemas têm rimas, aliterações, ritmos e métrica tradicionais (ou imitativos do japonês); outros dão mais importância à explicitação das imagens poéticas; outros ainda sacrificaram a retórica em prol do “conteúdo” ou da “ordem normal” dos elementos da frase em português. Mas há também os que se pretendem venutianos, criam sintaxes retorcidas, apresentam outridões e arestas estrangeiras. Tratei cada poema como um problema individual, e a solução para cada um deles não segue um padrão. Não uso quase nenhuma pontuação ou maiúsculas, mas não saberia dizer por que: talvez porque em japonês não se faça uso de uma coisa nem outra, mas mesmo essa explicação é perfeitamente arbitrária. Eu tenho, no entanto, uma lista de preceitos que eu não sigo ao traduzir poesia: (1) a crença de que existe “tradução fiel”, “tradução literal”, “tradução escorreita”, “tradução definitiva” ou “tradução perfeita”; (2) o temor reverencial frente ao texto que estou traduzindo, por mais venerável ou sagrado que seja; (3) a necessidade de se captar o “espírito” ou “verdade metafísica” por trás de um poema; (4) o uso obrigatório de métrica formal; (5) a necessidade (ou possibilidade) de se refletir na tradução a totalidade dos elementos e do universo do poema estrangeiro; (6) a crença de que é impossível traduzir poesia; (7) a crença de que só é possível traduzir poesia de uma maneira específica; (8) a crença de que, se for para obter um produto imperfeito e transitório, é melhor desistir; (9) a obrigatoriedade do uso de rima; (10) a proibição do uso de rima; (11) a proibição do INTRODUÇÃO uso de notas de rodapé e de outros paratextos contextualizadores; (12) a crença de que o poema deve falar “por si só”, sem “distrações”; (13) a imaterialidade do texto literário; (14) uma concepção a priori, essencialista, arquetípica ou platônica do que venha a ser literatura; e (15) a seguinte ideia, expressa por Otto Maria Carpeaux, e infelizmente muito viva na cabeça de muitos apreciadores de literatura, ainda no século XXI: Religião judaico-cristão, ciência grega, direito romano: eis a herança da Antiguidade [...]. E todas as outras influências alheias, que o Ocidente recebeu mais tarde, já não se incorporaram bem na nossa civilização; tornaramse influências “exóticas”. [... Nada] disso entrou realmente em nossa civilização; continuou sempre “exotismo”. [...] Das literaturas orientais recebemos e conservamos definitivamente apenas algumas poucas obras, traduzidas (se é lícita a expressão) de maneira antes inexata, razão por que se tornaram obras nossas. [...] O que não provém daquela herança antiga, continua inassimilável; e com isso o conceito “Literatura do Ocidente” está justificado. (CARPEAUX, 2010, p. 35–36) Eu discordo com particular convicção da ideia de que existe uma “nossa civilização” que possamos reivindicar, e de que esse “nosso”, no Brasil, seja uma ideia pura e estável chamada “Ocidente”. Com sorte, em um futuro debate sobre o que desejamos ser como país após a atual catástrofe, a presente tradução contribuirá para uma maior abertura para elementos que não pertencem a um “nós” excludente. Andrei Cunha Porto Alegre, 28 de junho de 2020. 43 ÍNDICE ONOMÁSTICOBIOGRÁFICO A Abe no Nakamaro ♂ (698? – 770?). Foi enviado muito jovem à China, como membro de uma embaixada do Japão, para que realizasse seus estudos. Mais velho, tentou voltar à terra natal, mas seu navio naufragou e ele retornou à China, onde morreu septuagenário. Mencionado no “Prefácio”. Poema 406 (1). Akahito. V. Yamabe no Akahito. Amaneiko. V. Harusumi no Amaneiko. Ariwara no Motokata ♂ (séculos IX–X).Filho do governador da província de Chikuzen. Poemas 1, 103, 339, 630 (4). Ariwara no Narihira ♂ (825–880). Neto do imperador Heizei (o Mikado de Nara) por parte de pai e do imperador Kanmu por parte de mãe. Recebeu o sobrenome Ariwara para ser excluído da linha de sucessão imperial. Inspirou o personagem Hikaru Genji de O Romance do Genji, de Murasaki Shikibu (séc. XI). Sua figura, em parte baseada em fatos reais, em parte em mito e lenda, é associada à excelência em poesia, à grande 204 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O beleza física e à fama de conquistador. Narihira é o herói dos Contos de Ise, e muitos dos poemas dessa narrativa são atribuídos a ele. É um dos “6 Gênios Poéticos” e também um dos “36 Gênios Poéticos”. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 133, 294, 616, 644, 646, 747, 861, 879 (7). Ariwara no Shigeharu ♂ (? – 905?). Segundo filho de Ariwara no Narihira. Poema 424 (1). Ariwara no Yukihira ♂ (818– 893). Irmão mais velho de Ariwara no Narihira. A peça de nô Matsukaze (“O vento que espera” ou “O vento nos pinheiros”), de Kan’ami e Zeami, conta a história dos fantasmas de duas irmãs que esperam pela eternidade a volta de Yukihira. Poemas 23, 962 (2). Autoria desconhecida ♀ ♂. Mais de 40% dos poemas incluídos na antologia não tem autoria especificada. Isso se deve a vários motivos. Alguns são de poetas muito antigos que tiveram seu nome esquecido; outros foram compostos por poetas de classes sociais inferiores; alguns são de nobres que caíram em desgraça devido a intrigas palacianas e tiveram seu nome apagado dos registros; e muitos são de mulheres que temiam por sua reputação se associadas ao conteúdo de seus poemas. O nome de uma mulher não se revelava em público; por isso, temos muitos poemas que são designados como sendo de “uma dama”, “uma mulher” ou da “mãe de Fulano”. Poemas 5, 7, 34, 73, 122, 123, 135, 139, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 184, 198, 205, 216, 217, 259, 286, 287, 289, 314, 317, 343, 409, 443, 469, 492, 496, 506, 511, 512, 516, 520, 521, 522, 540, 582, 637, 677, 692, 708, 758, 772, 855, 933, 1007, 1008, 1011, 1069, 1075 (53). C Chisato. V. Ôe no Chisato. ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO D Dona Ise ♀ (c. 875 – c. 938). Possui um total de 170 poemas em antologias imperiais. Está entre os “36 Gênios Poéticos”. Poemas 43, 138, 676, 681, 791 (5). Dona Nijô ♀ (842–910). Consorte do imperador Seiwa e mãe do imperador Yôzei. Teve um caso com o monge Zen’yû e foi afastada da corte. Seu título foi restabelecido postumamente. Poema 4 (1). F Fujiwara no Okikaze ♂ (séculos IX–X). É um dos “36 Gênios Poéticos”. Poemas 102, 301, 745 (3). Fujiwara no Tadafusa ♂ (? –928). Célebre por seu talento como flautista. Poema 196 (1). Fujiwara no Toshiyuki ♂ (?– c. 901). Era poeta e calígrafo. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Poemas 169, 269, 578, 1100 (4). Fujiwara no Yoruka ♀ (fim do séc. IX). Dama da corte. Poema 80 (1). Fun’ya no Yasuhide ♂ (século IX). Era Segundo Diretor do GuardaRoupa Imperial. Um dos “6 Gênios Poéticos”. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 8, 249, 250, 849 (4). H Harusumi no Amaneiko ♀ (séc. IX). Serviu como dama de honra no palácio imperial. Poema 107 (1). Heizei, Heizei Tennô. V. Mikado de Nara. Henjô. V. Monge Henjô. Hitomaro. V. Kakinomoto no Hitomaro. 205 206 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O I Imperador Heizei. V. Mikado de Nara. Imperador Monmu. V. Mikado de Nara. Ise. V. Dona Ise. K Kakinomoto no Hitomaro ♂ (c. 660 – c. 720). Juntamente com Yamabe no Akahito, é considerado um dos “2 Deuses da Poesia”. Também faz parte do grupo dos “36 Gênios Poéticos”. É um dos poetas mais importantes da era do Man’yôshû. Escrevia tanto tanka como chôka. Mencionado no “Prefácio”. Poema 324 (1). Kanemi-no-ôkimi. V. Príncipe Kanemi. Kanemori. V. Taira no Kanemori. Kengei, Kengei Hôshi. V. Monge Kengei. Ki no Tomonori ♂ (? – c. 905). Um dos compiladores do Kokin’wakashû. Primo de Ki no Tsurayuki. Possui 67 poemas em antologias imperiais. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 13, 38, 84, 177, 178, 562, 615 (7). Ki no Tsurayuki ♂ (868–945). Foi um dos compiladores da antologia Kokin’wakashû e autor do importantíssimo “Prefácio em hiragana”. Foi diretor da Biblioteca Imperial. É um dos “36 Gênios Poéticos” e uma das mais importantes figuras literárias da história do Japão. Autor do “Prefácio”. Poemas 42, 79, 89, 117, 160, 170, 262, 342, 352, 404, 804, 1002 (12). Kisen, Kisen Hôshi. V. Monge Kisen. Kiyohara no Fukayabu ♂ (séculos IX–X). Bisavô de Sei Shônagon, a autora de O Livro de Travesseiro. Possui 41 poemas em antologias imperiais. Poema 581 (1). ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO Komachi. V. Ono no Komachi. Kuronushi. V. Ôtomo no Kuronushi. M Mãe de Ono no Chifuru ♀ (séc. IX). Filha de Ono no Michikaze, um dos três mais importantes calígrafos da Antiguidade. Poema 368 (1). Mibu no Tadamine ♂ (século X). Um dos “36 Gênios Poéticos” e um dos quatro editores do Kokin’wakashû. Teve importante atuação como poeta e também como crítico. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 11, 183, 327, 478 (4). Michizane. V. Sugawara no Michizane. Mikado de Nara ♂. O Mikado de Nara pode tanto ser o imperador Monmu (683–707) quanto Heizei (774–824). O imperador Heizei abdicou em 809 em favor de seu irmão, o 207 imperador Saga (786–842). Aposentado, foi viver na antiga capital, motivo por que o chamavam de “Mikado de Nara”. No “Prefácio em hiragana”, Ki no Tsurayuki pode ter feito deliberadamente uma confusão entre as duas figuras históricas, para criar uma impressão de maior profundidade cronológica. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 90, 283 (2). Mikuni no Machi ♀ (séc. IX). Consorte do imperador Ninmyô. Poema 152 (1). Minamoto no Muneyuki ♂ (? – 939). Neto do imperador Kôkô. Possui 15 poemas em antologias imperiais e uma coletânea individual. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Poemas 182, 315 (2). Mitsune. V. Ôshikôchi no Mitsune. Monge Henjô ♂ (816–890). Foi capitão da guarda do imperador Ninmyô e, quando este faleceu, tornou-se monge. É um dos mais importantes 208 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O poetas do século IX e possui uma antologia individual. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Poemas 27, 165, 226, 394 (4). Monge Kengei ♂ (fim do séc. IX). Um monge da região de Shirogami, na província de Yamato. Poema 875 (1). Monge Kisen ♂ (século IX). Um dos “6 Gênios Poéticos”. Não se sabe quase nada de sua biografia. Mencionado no “Prefácio”. Poema 983 (1). Monge Sosei ♂ (séculos IX– X). Filho de Henjô. Poeta e calígrafo. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Poemas 6, 56, 181, 357, 802, 1012 (6). Monmu, Monmu Tennô. V. Mikado de Nara. Motokata. V. Ariwara no Motokata. Muneyuki. V. Minamoto no Muneyuki. N Nakamaro. V. Abe no Nakamaro. Nara no Mikado. V. Mikado de Nara. Narihira. V. Ariwara no Narihira. Nijô. V. Dona Nijô. O Ôe no Chisato ♂ (séculos IX– X). Sobrinho de Ariwara no Yukihira e de Ariwara no Narihira. Poema 271 (1). Okikaze. V. Fujiwara no Okikaze. Ono no Chifuru ga Haha. V. Mãe de Ono no Chifuru. Ono no Komachi ♀ (primeira metade do século IX). Uma das mais importantes poetas da Antiguidade. Seu estilo é único no contexto do Kokin’wakashû. Era capaz de expressar extrema ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO paixão ou sofrimento por meio de um número muito reduzido de palavras e recursos. Teve profunda influência sobre toda a subsequente literatura de autoria feminina. Ono no Komachi pertence ao grupo dos “6 Gênios Poéticos”. Mencionada no “Prefácio”. Poemas 113, 552, 658, 797, 938 (5). Ono no Takamura ♂ (802– 852). Escrevia tanto em chinês como em japonês, mas suas coletâneas individuais foram perdidas. Poema 829 (1). Ôshikôchi no Mitsune ♂ (? – c. 925). Foi um dos compiladores do Kokin’wakashû. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 104, 120, 134, 167, 168, 179, 180, 213, 277, 329, 584, 611 (12). Ôtomo no Kuronushi ♂ (830? – 923?). Um dos “6 Gênios Poéticos”. Mencionado no “Prefácio”. Poemas 735, 899 (2). 209 P Princesa Shitateru ♀. Figura mitológica. Personagem do Kojiki. Teria composto o primeiro poema japonês no mundo celestial. Mencionada no “Prefácio”. Princesa Sotôri ♀ (séc. V). Consorte do imperador Ingyô. Seu estilo poético é considerado como precursor do erotismo de Ono no Komachi. Mencionada no “Prefácio”. Poema 1110 (1). Príncipe Kanemi ♂ (? – 932). Ocupou diversos cargos na corte. Poema 298 (1) S Sacerdotisa de Ise ♀ (séc. IX). Em Contos de Ise, é personagem de uma das aventuras galantes de Narihira. A Suma Sacerdotisa do Santuário de Ise era escolhida dentre um seleto grupo 210 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O de donzelas da mais alta aristocracia. As inúmeras histórias românticas da Antiguidade e da Idade Média envolvendo essas figuras religiosas levam a crer que se tratava de um cargo de considerável autonomia e poder. Poema 645 (1). Sadafun. V. Taira no Sadafun. Sanjô no Machi ♀ (séc. IX). Avó do príncipe Kanemi. Consorte do imperador Montoku. Poema 930 (1). Shigeharu. V. Ariwara no Shigeharu. Shitateru-hime-no-mikoto. V. Princesa Shitateru. Sugawara no Michizane ♂ (845–903). Educador, estadista, poeta e calígrafo. É venerado como o deus Tenjin, protetor dos estudantes e dos poetas. A sua iconografia inclui a flor da ameixeira. Poema 272 (1). Susanoo, Susanoono-mikoto ♂. Figura mitológica. Irmão de Amaterasu. Personagem do Kojiki. Teria composto o primeiro poema japonês no mundo dos humanos. Mencionado no “Prefácio”. T Sôjô Henjô. V. Monge Henjô. Tadafusa. V. Fujiwara no Tadafusa. Sosei, Sosei Hôshi. V. Monge Sosei. Tadamine. V. Mibu no Tadamine. Sotôri-hime. V. Princesa Sotôri. Taira no Kanemori ♂ (? – 990). Possui 87 poemas em antologias imperiais e uma coletânea individual. É um dos “36 Gênios Poéticos”. Mencionado no “Prefácio”. Sugano no Takayo ♂ (início do séc. IX). Pouco se sabe de sua biografia. Poema 81 (1). ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO Taira no Sadafun ♂ (871? – 931). Secretário do governador da província de Mikasa. Poemas 238, 279 (2). Takamura. V. Ono no Takamura. Takayo. V. Sugano no Takayo. Tomonori. V. Ki no Tomonori. Toshiyuki. V. Fujiwara no Toshiyuki. Tsurayuki. V. Ki no Tsurayuki. W Wani ♂ (séc. IV?). Autor da “Canção de Naniwa”. Sábio coreano que trouxe a primeira cópia dos Analectos de Confúcio para o Japão. Mencionado no “Prefácio”. Y Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. Poema 412 (1). Yamabe no Akahito ♂ (século VIII). Atuou como poeta na corte durante a era Nara. É considerado, juntamente com seu contemporâneo Hitomaro, como um dos “2 Deuses da Poesia”. Também faz parte do grupo dos “36 Gênios Poéticos”. É um dos poetas mais importantes da era do Man’yôshû. Possui 46 poemas em antologias imperiais. Mencionado no “Prefácio”. Utsuku ♀. (? – ?) Poeta. Poema 742 (1). Yasuhide. V. Fun’ya no Yasuhide. U Uma dama da corte ♀ (séc. IV?). Autora da “Canção do Monte Asaka”. Mencionada no “Prefácio”. Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. Poema 375 (1). 211 212 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O Yoruka. V. Fujiwara no Yoruka. Yukihira. V. Ariwara no Yukihira. poemas do Japão antigo seleções do Kokin’wakashû 古今和歌集抄 EX ORIENTE LUX Acabou-se de compor em Alegreya e EPSON 行書体 Porto Alegre, 30 de junho de 2020. Copyright © 2020 Andrei Cunha