A quebra de barreiras entre as telecomunicações e a tecnologia da informação aumenta a competição e incentiva parcerias entre as diferentes indústrias que coexistem em um mesmo ecossistema digital. Os limites e as extensões entre essas plataformas, que envolvem as operadoras de telecomunicações, as grandes empresas de internet, ou “big techs”, que oferecem serviços em cima das redes, provedores de nuvem e datacenters, suscitam debates que deram o tom da Futurecom 2023, feira de telecomunicações realizada em São Paulo na última semana.
A sustentabilidade da infraestrutura de redes e o retorno dos investimentos de forma desbalanceada na cadeia de valor, a interdependência cada vez maior das indústrias que compõem o ecossistema e os novos entrantes tornam mais complexa a busca pelo equilíbrio financeiro, com o tráfego de dados crescendo de forma exponencial.
O Brasil é o quinto maior mercado de telecomunicações no mundo com um crescimento de 7% na receita no último ano, ultrapassando Estados Unidos e Canadá, o quarto maior em fibra óptica, o quinto em Internet das Coisas (IoT) e em telefonia móvel, segundo estudo da Omdia. Segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação- Brasscom, a receita de telecomunicações em 2022 incluindo voz, celular, dados e serviços de implantação totalizou R$ 277,7 bilhões ou US$ 53,8 bilhões, representando 2,8% do PIB. Em breve os números referentes à rede 5G também devem surpreender. “O Brasil é o terceiro mercado de maior crescimento do 5G ano a ano”, aponta Ari Lopes, analista sênior da Omdia.
Leia mais:
- Tecnologia pode ser o motor para modelo descentralizado da Web 3
- Mercado aposta no FWA para alcançar regiões sem cobertura
- Lawtechs buscam maior adesão de advogados
- Falta de marco legal retarda o avanço da IA no Judiciário
- Empresas apostam no agro conectado, digital e produtivo
- Novas tecnologias ajudam profissionais de saúde na tomada de decisões
O leilão das frequências, realizado em 2021, teve as primeiras implantações em 2022, somando 11 milhões de conexões e representando 5,3% do mercado móvel, atrás da China, com 800 milhões, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul.
As conexões de fibra óptica cresceram 19% no primeiro semestre comparado a 2022, com 42% dos domicílios cobertos e abrindo espaço para outras tecnologias, como satélites e redes sem fio. A China, a Índia e o Brasil são os três países que mais adicionam clientes de fibra óptica ano a ano, segundo dados do primeiro trimestre. Até o final de 2022, o Brasil era o segundo país com mais adições, mas a Índia acelerou a cobertura e saiu na frente.
O leilão de frequências da rede 5G não arrecadatório, isto é, com preços menores compensados por metas de cobertura, permitiu o avanço em conectividade e transformação digital, abrindo espaço para novos entrantes, afirma Carlos Baigorri, presidente do conselho executivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ele lembra que o país vem atualizando o Plano de Metas de Competição (PGMC), abrindo mercado para as operadoras regionais de internet que somam mais de 20 mil empresas, responsáveis por quase 50% dos acessos de banda larga em todos os municípios brasileiros.
O crescimento do consumo das redes e a demanda por investimentos em infraestrutura aumentam a pressão na cadeia de telecomunicações, diminuindo o retorno sobre os investimentos. Para as operadoras, é necessário discutir o “fair share” ou “network fee”, isto é, a cobrança sobre o uso massivo da rede pelas grandes plataformas digitais para suportar o tráfego de dados e reequilibrar o ecossistema digital, além da contribuição das “big techs” para fundos setoriais de infraestrutura.
O tema toca em pontos sensíveis como o princípio da neutralidade, “democratização” ou livre acesso à internet na camada de aplicações, com boa parte do tráfego móvel se concentrando em poucos aplicativos.
Tomas Fuchs, conselheiro da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp) defende a redefinição dos contratos de “zero rating” para aplicativos como WhatsApp, Facebook, Instagram. “Os assinantes deveriam pagar pelo consumo dos dados de forma similar a serviços como água e luz, pois não há rede ilimitada”, afirma. A conta, para aqueles que usam muito ou pouco, como pessoas mais idosas, chega igual para todos. “A rede é finita, se as estradas não são alargadas, entopem, ficam intransitáveis e ninguém anda”, afirma Fuchs. Outra dificuldade, segundo o executivo, é como definir o pagamento das “big techs” tanto para as grandes operadoras como para os mais de 20 mil provedores regionais de internet (ISPs) que operam no país, muitas vezes com redes de terceiros.
“Chegou a hora de repensar o modelo de democratização da rede para equilibrar os custos ao longo de toda a cadeia; não existe internet sem investimento em infraestrutura”, diz Baigorri, da Anatel. A agência está recebendo subsídios que vão balizar uma consulta pública que será realizada em 2024 sobre este tema. A União Europeia está discutindo, ainda sem um consenso, diversas propostas. Uma delas cria o perfil dos grandes geradores de tráfego para regulá-los de forma diferenciada. Antes dos serviços de vídeo ou “streaming”, o tráfego era menor, mas o cenário mudou, e hoje o gargalo da infraestrutura ameaça os dois lados, “bit techs” e operadoras.
Os impactos da eventual taxação da internet com repasse de custos para os clientes e o perigo da regulação excessiva inibir a inovação são grandes desafios, alerta Tomás Filipe Paiva, presidente da presidente da Associação Brasileira de Direito da Tecnologia da Informação e das Comunicações (ABDTIC). Ele acha difícil garantir que os subsídios às empresas de telecomunicações sejam aplicados na infraestrutura, e que poderiam servir para outros fins.
Outro desafio é que as telecomunicações não foram incluídas como serviço essencial na reforma tributária, o que deve encarecer as tarifas no futuro.
O consenso é que não dá para cada um olhar o seu nicho: teles, fornecedores, provedores, serviços e aplicações fazem parte de um ecossistema digital interdependente que precisa de equilíbrio. O custo dos investimentos em infraestrutura cai na conta das operadoras que têm obrigações e metas de universalização, ressalta Marcos Ferrari, presidente da Conexis Brasil Digital entidade que reúne as grandes operadoras de telecomunicações e que defende o reequilíbrio da balança de investimentos. De acordo com Ferrari, as “big techs” como Meta, Google, Microsoft, Amazon, Apple e Netflix respondem por 50% do tráfego das redes fixas e mais de 80% das redes móveis, segundo estudo da entidade. “As operadoras investem em média R$ 40 bilhões por ano em infraestrutura, com retorno de 7,5% a 8% enquanto os grandes provedores de serviços e aplicações têm retornos de 30%.”