As lawtechs, empresas de tecnologia que trabalham na área do direito, estão se multiplicando, mas ainda falta uma maior adesão das bancas e profissionais de advocacia aos serviços oferecidos. A Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) registrou um aumento de mais de 3.000 % no número de integrantes, passando de 20, em 2017, para 623, em 2022. Do outro lado do balcão, uma pesquisa feita pela entidade com 519 advogados no país indica que 71,9% nunca recorreram às companhias para acelerar rotinas.
“Muitos escritórios ainda não sabem trabalhar com as lawtechs”, explica Eduardo Tardelli, conselheiro da AB2L. “O setor jurídico ainda é muito conservador [em relação à adesão de novas tecnologias].” Em outro estudo, realizado pela associação para medir os impactos da covid-19 nos expedientes de 649 escritórios no país, mostrou que 78% não usavam soluções destas startups. “Alguns escritórios têm departamentos de inovação que buscam sistemas prontos no mercado ou se aproximam das lawtechs para desenvolver opções sob medida”, diz Tardelli.
Na opinião de Pedro Ciccone, sócio do Caminha Barbosa Siphone Advogados, o profissional que não souber atuar com tecnologia avançada “vai ficar para trás”. “É possível que o ChatGPT ainda cometa hoje alguns erros na produção de conteúdo, mas até o fim do ano ou em dez anos, não deve falhar e transformará o trabalho.” Na área jurídica, o ChatGPT pode ser utilizado para obter informações sobre leis, ajudar a redigir petições e revisar documentos.
Ciccone lembra que, na jornada rumo à inovação, o escritório “incubou” duas lawltechs. Para ele, a “virada” dos escritórios em direção às startups deve partir dos sócios ou da alta direção das bancas.
Na visão de Victor Aracaty, fundador e CEO da Kor Solutions, que aplica IA para acelerar acordos judiciais entre empresas e consumidores, o setor também carece de atenção dos investidores. “É um mercado menos atraente para os fundos, se comparado às fintechs e agrotechs”, diz. Mesmo assim, no ano passado, a Kor levantou R$ 3,5 milhões em uma rodada de captação. Na prática, a empresa oferece uma tecnologia que permite monitorar em tempo real ações protocoladas em tribunais e reduzir para uma média de 24 horas a solução de conflitos que, no vai e vem dos processos, poderiam se arrastar por 18 meses.
A redução dos prazos com a ferramenta, segundo a companhia, pouparia até 75% dos gastos que as corporações têm com custos processuais. Em um ano, a plataforma contabilizou mais de 200 mil casos, mas ainda há muito terreno para ocupar, diz Aracaty. “As empresas gastam, ao ano, mais de R$ 250 bilhões em processos judiciais”, estima. Só em 2022, o Judiciário atingiu um marco em número de novos casos, com 31,5 milhões de demandas chegando à Justiça - 10% a mais do que em 2021, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Tardelli diz que os aportes nas lawltechs acontecem com menor frequência porque os fundos internacionais preferem aplicar em negócios de alcance global. Porém, movimentações recentes indicam um maior interesse. É o caso da Docket, startup de gestão, análise e obtenção de documentos em mais de 35 mil órgãos públicos, que tem Bradesco e Gerdau numa lista de investidores.