A evolução da economia digital levou conceitos e tecnologias como tokenização, blockchain e moedas digitais para dentro dos bancos centrais ao redor do mundo. Hoje cerca de 130 países, 95% do PIB mundial, já estão envolvidos com algum tipo de teste em redor das CBDCs (moedas digitais de bancos centrais, em inglês).
No Brasil, o real digital é experimentado no Lift, ambiente de teste criado pelo Banco Central que teve nove casos aprovados no ano passado para testar tecnologia, modelos de negócio e regulação. Entre eles, exemplos como entrega contra pagamento (DVP, em inglês), empregando capacidade de definir em protocolo de programação regras para compra de um imóvel sem intermediários como cartórios e outros, e tokenização de ativos, com possibilidade de “digitalizar” bens financeiros ou não e vendê-los de forma fracionada.
Os testes avançaram o suficiente para encontrar alguns desafios. O principal é garantir a privacidade em acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), diz o coordenador do projeto do Real Digital no BC, Fabio Araujo. A instituição resolveu empenhar-se em piloto específico, com 16 participantes, para discutir questões como a relação entre privacidade e programabilidade. “De um lado queremos todas as informações disponíveis para contratos o mais completos possível, mas de outro as pessoas precisam de privacidade para suas transações”, afirma.
Já estão definidos o papel do real digital como representação digital da moeda nacional empregada em transações interbancárias e entre os bancos e o BC. Outro componente é o real tokenizado, representação digital de seus depósitos - por exemplo, a moeda de varejo a que o cliente terá acesso para liquidação de transações. Um dos primeiros casos a serem testados na prática será DVP de um título federal tokenizado. “Um cliente Itaú poderá vender um título público para outro banco. Vamos testar a execução da transferência do real tokenizado, uma atualização de saldos entre os bancos, com visibilidade da plataforma e visão do cliente”, detalha Larissa Moreira, coordenadora para CBDC e crypto do Itaú Unibanco, que contou com parceiros como Santander e Bradesco nos primeiros projetos-piloto. A iniciativa permite revisar responsabilidades, entender ganhos de eficiência e até novos modelos de negócios. “É o ponto chave que o BC quer estimular”, diz Moreira.
Para José Augusto Antunes, head da Itaú Digital Assets, a mudança sócio-geracional é outra questão em jogo. Se há dez anos nasceu a geração “swapping”, aquela incapaz de se aproximar de uma tela sem colocar o dedo para tentar deslizá-la, agora é a vez da geração tokenizada, já acostumada com conceitos como carteiras digitais, tokens e NFTs, populares no universo dos jogos eletrônicos. “Os bancos centrais começaram a avaliar a nova estrutura como forma de adicionar uma nova trilha no dia a dia”, diz Antunes, cuja meta é unir o mundo das finanças centralizadas, ou reguladas (Cefi), com o universo descentralizado e desregulado (Defi), no que ele chamou de Hifi, a união do melhor dos dois lados.
Para Oscar Vicalchagua, gerente do departamento de pesquisa e inovação do Bradesco, o Brasil adotou caminho definido com CBDC com perspectiva de atacado, enquanto países como a China ainda miram meios de pagamento - questão sanada por aqui com o Pix -, e outros visam agilidade, redução de custos e previsibilidade em iniciativas como pagamentos transfronteiriços, hoje intermediados por várias instituições.
A desintermediação foi um dos focos da bolsa de valores de Singapura para empregar solução de DVP com apoio da AWS para liquidação de ativos tokenizados com o banco central do país. “A iniciativa aumentou a capacidade de adicionar participantes de forma confiável e manter a resiliência das transações sem intermediários”, diz Fabio Cossini, gerente de desenvolvimento de negócios da AWS.