Democratização do acesso à saúde privada, sistemas de telemedicina, equipamentos capazes de realizar exames clínicos em minutos e novas terapias baseadas na biodiversidade brasileira são alguns dos exemplos de atuação de mais de 540 startups na área de saúde. O segmento andou sofrendo com o refluxo de investimentos, depois que o capital destinado a elas caiu 63% em 2022 ante fatores como a escalada dos juros. Mesmo assim, algumas iniciativas se sobressaem, inclusive o alto número de investidores médicos ou profissionais do mercado.
A Conexa recebeu R$ 200 milhões em julho de 2022, somando R$ 300 milhões em aportes totais. Criada em 2017 com foco em telessaúde, na época restrita a atendimento psicológico e teleorientação, sem prescrições, a novata explodiu na pandemia e saltou de dois mil atendimentos mensais em 2019 para cem mil em 2020 e 500 mil neste ano. O faturamento anual subiu de R$ 1 milhão em março de 2020 para R$ 150 milhões em março deste ano, enquanto o número de vidas cobertas passou de 150 mil para 24 milhões no período, diz o CEO Guilherme Weigert.
Seus clientes incluem oito das dez maiores operadoras de saúde do país e empresas como Magalu e Mercado Livre. Os objetivos incluem economia e eficiência. No pronto atendimento virtual, o custo é 20% do presencial, com resolutividade de 90%. O usuário usa o sistema digital para agendar e realizar consultas, receber prescrições ou encaminhamento a especialistas e adquirir medicação no marketplace parceiro.
Entre as novidades, a Conexa está criando pagamento por valor, atrelado a indicadores como recorrência, satisfação e desfecho clínico, por enquanto em pronto-atendimento, dermatologia, psiquiatria, endocrinologia e pediatria. Outro foco é o monitoramento de pacientes, com resultados como melhoria de indicadores de diabéticos por atendimento multidisciplinar e redução pela metade da taxa de morbidade e internação neonatal, graças à adesão por parte de 74% de 533 grávidas com diabetes gestacional.
A Sami, plano de saúde nascido em 2018 voltado a microempreendedores individuais (MEIs) e pequenas empresas com base em medicina de família e telessaúde e com preço baixo, recebeu em junho R$ 90 milhões, liderados pela Redpoint. No total, foram R$ 290 milhões. Dificuldades de capital e melhoria de performance provocaram ajustes como a redução de funcionários, cujo número caiu de 566 no ano passado para 400, dos quais 60 compõem a equipe médica.
Em 2022, com 95% dos atendimentos via telemedicina, sua receita chegou a R$ 60 milhões, com mais de 18 mil vidas. “O Brasil é o terceiro maior mercado de saúde privada do mundo, mas só 20% da população tem acesso a ele e 75% dos nossos clientes não possuíam planos”, diz o presidente e cofundador da Sami, Vitor Asseituno.
O médico de família resolve 80% dos casos. A tecnologia ajuda no autoatendimento: 86% das autorizações de exames e cirurgias são robotizadas, com aprovação em milissegundos, e o status das demais é acompanhado em tempo real. Consultas são agendadas pelo aplicativo, onde o usuário pode inserir exames de laboratórios não conectados. A interoperabilidade com hospitais como Beneficência Portuguesa, Oswaldo Cruz e Santa Joana rende acesso a histórico e protocolos.
A Ease Labs, nascida em 2018 com foco em produtos derivados de cannabis, recebeu neste ano R$ 15 milhões em dívida com remuneração adicional ligada ao aumento do valor da empresa (venture debt). Até 2022, tinha atraido R$ 22 milhões em troca de participação (equity) para verticalizar o negócio. Hoje, tem planta farmacêutica com quase dois mil metros quadrados, comprou a farmoquímica de fitoterápicos Catedral, rebatizada Semeya, para purificar e fornecer insumos, e em junho adquiriu a Colombia Cannabis Company (CCC), de Bogotá, para autonomia na cadeia de suprimentos e desenvolvimento genético da planta. O canabidiol da marca é vendido em 1,5 mil lojas da Raia Drogasil. Os planos incluem fornecimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aplicativo para teleconsultas e informações para médicos e pacientes, afirma o CEO Gustavo Palhares.
A Lincon recorreu ao financiamento coletivo (crowdfunding) na plaltaforma Kria. A empresa nasceu em 2021 para acompanhamento digital de saúde de pacientes crônicos, com ênfase em diabetes e hipertensão. Depois de investimento-anjo de R$ 1 milhão, passou a vender serviços de gestão de saúde populacional para empresas, como Panvel e Malwee, com mapeamento de colaboradores, distribuição em níveis de cuidado e acompanhamento para reduzir sinistralidade e absenteísmo.
“Na Panvel, a economia alcançou R$ 94 por paciente por mês”, diz o fundador e CEO Victor Navarrete. A cliente se tornou investidora em 2022 e, junto aos mais de cem investidores captados por meio da Kria, muitos deles médicos e profissionais do mercado de saúde, gerou aporte de R$ 1,2 milhão, que ajudou a empresa a mudar o modelo de negócio para fornecer sua tecnologia para terceiros, hoje seu carro-chefe.
Já a CorSync contou com incubadoras, aceleradoras, fundos de mercado e agências de fomento. Seu fundador e CEO, Raul de Macedo, idealizou a startup ao esperar cinco horas por diagnóstico de suspeita de infarto. Depois de mestrado em engenharia biomédica, entre 2017 e 2019, idealizou um dispositivo para agilizar o processo.
O atendimento hospitalar de dor torácica inclui eletrocardiograma e exames de sangue para medição de troponina, enzima cardíaca liberada na lesão miocárdica, que consome no mínimo uma hora. Com leitura ótica avançada para identificar o tamanho da reação do sangue, injetado da seringa em uma cápsula com nanossensores, o resultado sai em oito minutos com a precisão do tradicional e pode ser usado no ponto de cuidado (point of care).
A startup foi incubada no Einstein e no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP) e acelerada na Hards, na Vibee (Unimed) e na Pulsa (Dasa). Recebeu R$ 1,5 milhão dos fundos Domo e Bold e R$ 3 milhões de fomento. O produto está passando por teste clínico e a meta é a partir de 2024 vender exames com o mesmo custo, R$ 50, e assertividade do tradicional, com resultados mais rápidos.
Fundos de capital corporativo (CVC) ajudam a acelerar as inovações. A Kortex nasceu há dois anos e, além de Fleury e Sabin, atraiu em 2022 a Bradesco Seguros. Tem R$ 260 milhões para investimento e mira soluções em diagnósticos, saúde digital e personalização do cuidado, diz Gustavo Cavenaghi, head da Kortex Ventures, que tem dez startups no portfólio e presença em quatro países (Brasil, México, Estados Unidos e Israel). Entre elas, a israelense Sweetch, que usa inteligência artificial (IA) para gestão em saúde de pacientes crônicos.
O Einstein reuniu as healthtechs na aceleradora Eretz.bio e abriga 42 delas, como a Wecare Skin, cujos produtos com base na biodiversidade brasileira tratam lesões de mucosas de pacientes em radioterapia ou quimioterapia. Como já investia no segmento, há dois anos criou seu CVC voltado a startups de base digital ou biotecnológica, com R$ 140 milhões. “As inovações podem ser homologadas e incorporadas na casa”, diz Rodrigo Demarch, diretor-executivo de inovação do Einstein. Uma das investidas é a Nilo Saúde, plataforma de coordenação de cuidados com apoio de telemedicina e análise de dados, empregada na plataforma de saúde digital do Einstein.
Nem sempre os aportes são vistosos. A venture capital Bossanova investiu R$ 4,7 milhões em healthtechs, com 15 delas no portfólio, e realizou duas saídas no segmento. Vendeu parte da Dr. Cash, fintech de crédito especializada em beleza e bem-estar, e 100% da Pedbot, focada em chat commerce no varejo farmacêutico. “Há oportunidade de democratização no setor”, diz o diretor financeiro da Bossanova, Antônio Patrus.
A Ukor recebeu R$ 650 mil de três investimentos-anjo para lançar solução para sono saudável, com base em digitalização, terapia cognitivo-comportamental, integração com dispositivos vestíveis e acesso a especialistas por chat, diz o fundador e CEO Sergio Bruni. Já a Ubuntu Med, voltada a diagnóstico precoce e tratamento de baixo custo do câncer de intestino, recebeu R$ 825 mil de investidores-anjo, todos médicos e executivos da área da saúde, segundo Ludmila Rodrigues, fundadora e CEO da empresa.
Boa parte das iniciativas conta só com capital próprio. A Minha Cirurgia, fundada pelo CEO Denisson Duarte há três anos em Goiânia (GO), oferece financiamento para viabilizar procedimentos com parcelamento por boletos. O carro-chefe são cirurgias plásticas, além de bariátricas e refrativas, processos de fertilização e tratamentos odontológicos. Os planos vão até 72 pagamentos e com metade das parcelas pagas o procedimento pode ser realizado. Em três anos foram fechados 1,1 mil contratos, com cerca de 400 cirurgias realizadas.