As empresas do setor de saúde concentram mais investimentos na área social do que na ambiental e de governança. É o que revela um levantamento da consultoria PwC Brasil sobre as iniciativas ESG de 45 prestadoras de serviços e de 32 organizações farmacêuticas e de biociências. Em relação ao primeiro grupo, a pesquisa examinou os comunicados enviados à imprensa e encontrou 212 menções de metas com o pilar social, em comparação com cinco de meio ambiente e três de governança. No segundo grupo, 77% dos comunicados abordaram temas relacionados a questões sociais, 12% relativos a iniciativas ambientais e 11% referentes a governança. “O setor de saúde é por natureza voltado para o social, para as pessoas, é algo que vem há muito tempo com as práticas de responsabilidade social”, explica Bruno Porto, sócio da PwC Brasil.
Com o “S” de social já em foco e a pressão de investidores, consumidores, órgãos governamentais e reguladores, os investimentos nos outros dois pilares ESG (ambiental e governança) começam a receber mais atenção por parte de hospitais, operadoras e seguradoras, farmacêuticas e provedores de serviços, bem como das entidades de classe, que passaram a criar grupos de trabalho, publicar relatórios de sustentabilidade e estipular metas ambientais e de diversidade racial e de gênero. “O planeta e os stakeholders demandam essa atitude mais responsável, que vai separar as empresas em dois grupos: quem tem ou não um olhar ESG”, avalia Porto.
A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) criou em 2020 um grupo de trabalho ESG para priorizar projetos dessa agenda junto aos 121 associados e em 2022 preparou o primeiro relatório de sustentabilidade do setor. A coordenadora da área na Anahp, Ingrid Cicca, conta que os hospitais de porte médio e os pequenos, assim como os filantrópicos, estão começando a publicar seus relatórios de sustentabilidade, uma prática antes restrita às grandes redes. “É preciso apresentar para os diferentes públicos quais são suas práticas, senão fica apenas um discurso vazio.”
O primeiro estudo ESG dos hospitais privados, que analisou 193 projetos implementados por 42 instituições, revela investimentos de R$ 119,6 milhões, que trouxeram R$ 7,6 milhões em redução de gastos de janeiro de 2020 a junho de 2021. Tais iniciativas – que beneficiaram 4,2 milhões de pessoas, além de outras 15,5 milhões que deverão ser impactadas até 2030 – envolvem consumo responsável, educação, saneamento, energia, combate à fome e alterações climáticas, melhorias na qualidade do emprego e incentivo à inovação.
Para o diretor superintendente de cuidado público e responsabilidade social do Hospital Albert Einstein, Guilherme Schettino, a área ambiental merece mais atenção do setor de saúde. “É a oportunidade para o setor olhar com mais cuidado para a integração de iniciativas sustentáveis com toda a cadeia de suprimentos. Estamos atrasados e é preciso agir em conjunto para obtermos resultados”, diz. Com a meta de reduzir suas emissões em 50% em 2030 e zerar até 2050, seguindo o Acordo de Paris, o hospital estuda como reduzir o uso de gases anestésicos, como o óxido nitroso, cujos efeitos são mais nocivos ao meio ambiente.
Para viabilizar operações mais sustentáveis, o Hospital Sírio-Libanês criou, em 2022, um grupo multidisciplinar e transversal para assessorar o comitê executivo na implementação da estratégia. “Neste momento, estamos elencando quais iniciativas deverão ser priorizadas na agenda ESG e quais podem ser classificadas ou alocadas em outras áreas”, conta a coordenadora do núcleo de sustentabilidade, Vânia Bezerra. A instituição, que também mira as metas de redução de emissões estipuladas no Acordo de Paris, evitou 5.700 toneladas de emissões GEE em 2022 e usa 100% de fontes renováveis de energia.
A Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo estruturou neste ano comissões para avaliar as melhores maneiras de impulsionar os aspectos ESG. “Em 2022, toda a energia elétrica consumida passou a ser proveniente de fontes 100% renováveis e limpas”, diz Maria Alice Rocha, diretora-executiva de pessoas, experiência do cliente, marketing, sustentabilidade e impacto social da BP.
A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) criou em 2022 um Comitê de ESG para incentivar a troca de informações entre seus 30 associados. A diretora-executiva da entidade, Milva Pagano, diz que o gerenciamento do consumo e da captação de água, energia elétrica e resíduos produzidos, bem como questões de inclusão e diversidade, são assuntos discutidos pelo grupo. “As questões ambientais ainda estão tímidas no entendimento dos colaboradores e do usuário, mas com informação isso pode mudar”, diz.
Desde 2021, as metas ESG passaram a impactar a remuneração dos executivos e colaboradores do Grupo Fleury, que pretende reduzir o índice de geração de resíduos biológicos em 14,12% até dezembro de 2023 e em 20,54% até dezembro de 2025.
Já as farmacêuticas estão de olho nas metas de diversidade e inclusão. O foco da Pfizer é a questão racial. Com 22% de colaboradores pretos ou pardos, a empresa busca a equidade racial para espelhar melhor a população brasileira – segundo o IBGE, 56,1% se autodeclaram pretos e pardos. “Queremos fazer uma mudança significativa na questão racial, inclusive em cargos de liderança”, diz Cristiane Santos Blanch, diretora de assuntos corporativos e comunicação. No mais recente programa de estágio, metade das 14 vagas foram reservadas a pretos e pardos, e a companhia também oferece cursos, capacitação e mentoria para os colaboradores que já estão na empresa. A ideia é seguir a trajetória usada para atingir a equidade de gênero. “Em 2008, quando começamos o trabalho, não tínhamos mulheres em cargos de liderança, e hoje temos 57%, incluindo a diretora financeira e a CEO”, ressalta Cristiane.
O UnitedHealth Group, que reúne a Amil e a rede de hospitais Americas, conta com seis grupos de diálogo com a participação de 700 colaboradores. A partir de um debate do grupo Melanina, de causas raciais, passou a adotar em sua rede de hospitais uma touca afro. O modelo padrão não atendia aos médicos, enfermeiros e demais funcionários com dreads, blacks ou tranças. “A ideia é tornar a experiência dos profissionais mais confortável, gerando bem-estar e sentimento de pertencimento”, conta o CEO Ricardo Bottas.
O grupo, que conta com 75,3% de mulheres no universo de seus 35.526 colaboradores no Brasil, dos quais 67,4% em posições de liderança, tem como meta de inclusão e diversidade fazer com que 50% das contratações de 2023 em cargos de gerência e diretoria sejam de um grupo diverso: a partir de 50 anos de idade, pessoas pretas ou pardas, mulheres, pessoas com deficiência ou LGBTQIAP+. Para os cargos executivos ou de liderança sênior, o número sobe para 75%. Outro compromisso é aumentar, dos atuais 446 para 830, o número de pessoas negras em cargos de liderança até 2030.
As seguradoras de saúde precisam implementar iniciativas para inaugurar o marco regulatório de sustentabilidade no setor. A Porto Seguro Saúde implantou em 2022 a primeira ambulância elétrica do Brasil, e no primeiro trimestre de 2023 digitalizou as carteirinhas, preservando dois milhões de litros de água e reduzindo a emissão de sete toneladas de gás carbônico na atmosfera. Uma das alternativas das seguradoras para inclusão de mais consumidores aos serviços de proteção financeira é a oferta de produtos mais acessíveis para clientes de baixa renda. Em parceria com hospitais, laboratórios e prestadores regionais, a SulAmérica alcançou 112,5 mil beneficiários do plano de saúde da linha Direto (produto regional com melhor custo-benefício) até o primeiro trimestre deste ano, um crescimento de 84% em relação ao mesmo período de 2022.
Na área social, as instituições de saúde encontram na parceria com o SUS e na telemedicina formas de ampliar o acesso da população aos cuidados médicos. Dos 20 mil colaboradores do Hospital Albert Einstein, 5 mil trabalham em 29 unidades públicas, como os hospitais Vila Santa Catarina e M’Boi Mirim, em São Paulo. Já por meio da telemedicina, a instituição realizou 80 mil consultas nos últimos dois anos nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Na Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos (SP), onde o Fleury instalou uma cabine de telemedicina em parceria com a ONG Gerando Falcões, 86% dos casos são resolvidos pelo médico de família, sem a necessidade de passar por um especialista.