De cada cinco trabalhadores formais de Santa Catarina, um atua na indústria têxtil, de confecção, couro e calçado. O segmento é o maior empregador e responde por 20,4% das contratações do Estado, o maior fabricante de vestuário do Brasil, com 26% da produção nacional. São 176 mil profissionais produzindo em 9.179 estabelecimentos. Os números foram organizados pelo observatório da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e mostram a resiliência de empresários frente a desafios de décadas, que incluem a concorrência com importações.
Agora, um novo capítulo dessa história teve início. Em maio, o Estado tornou público que entrou na disputa para atrair investimentos que a gigante chinesa Shein pretende fazer para produzir roupas no Brasil. Reuniões já teriam sido feitas com representantes do governo. “Se for para gerar emprego e impostos, melhor que seja em Santa Catarina”, diz Giuliano Donini, presidente da Câmara da Moda da Fiesc, a respeito da chegada da empresa asiática. Muito antes, no entanto, ele tem atuado na aproximação e organização de polos regionais para reduzir custos e aumentar a competitividade. “Temos cultura têxtil, gostamos do setor, mas não somos organizados”, afirma, defendendo a necessidade de atuação em clusters.
Com faturamento de R$ 25,4 bilhões em 2020 e marcas conhecidas em todo o Brasil, as confecções catarinenses são em sua maioria microempresas - 82,6% são classificadas como micro, as pequenas somam 14,5%, as médias respondem por 2,5% do total e apenas 0,36% são grandes. Enquanto as receitas somam 12% do total da indústria do Estado, as exportações chegam a 3,3%, ou US$ 363,3 milhões no ano passado, ante uma importação maior, de US$ 1,7 bilhão. “Perdemos competência industrial ao longo dos anos”, lamenta Donini, que diz acreditar em mudanças para melhor.
Donini é também presidente da Marisol, com sede em Jaraguá do Sul, que criou em seu parque fabril o Sistex, condomínio de sistemistas têxteis que conta com oito inquilinos do ramo e tem espaço para mais fabricantes. A empresa, dona das marcas Lilica Ripilica e Tigor T. Tigre, tem olhado para outras possibilidades do mercado infantil, como o lançamento, no segundo semestre, de uma plataforma que incluirá consumo, entretenimento, saúde, educação e finanças.
Atualmente, a área têxtil, com 15 milhões de peças produzidas por ano, responde por 85% do faturamento de R$ 400 milhões anuais da Marisol, que já atua em conteúdo animado, higiene bucal e distribuição de óculos de sol. “A ideia é avançar sem abrir mão do que já temos”, conta Donini.
Outro que tem achado caminhos para crescer em vestuário infantil é o Grupo Kyly, de Pomerode, que faz 31 milhões de peças por ano, está presente em 12 mil lojas multimarcas e exporta 4% da produção para 36 países. Com a marca Milon, o grupo entrou no mercado de franquias em 2016 e, das atuais 97 lojas, planeja chegar em 110 até o fim de 2023. “Todo ano é um desafio, porque o mercado é dinâmico, com quatro coleções por ano e é perecível”, diz Claudinei Martins, diretor executivo comercial e de marketing do Grupo Kyly, que também investiu em vendas pela internet, que respondem por 9%.
Antes, foi preciso organizar a casa, com o chamado Projeto Jonas, de 2014 a 2018, quando foram construídos prédios para melhorar o fluxo da produção e um centro de distribuição. “Fomos para as entranhas do monstro para crescer”, explica, em referência ao personagem bíblico que passou três dias dentro de um grande peixe. Em 2019, a empresa decidiu entrar em fiação, com investimento de R$ 100 milhões, o que a livrou da falta de fios durante a pandemia de covid-19. Outros R$ 15 milhões estão previstos para a área em 2023. O grupo é o maior empregador de Pomerode, com 2.814 trabalhadores no fim de 2022.
E nem só de vestuário vive o segmento. Bem antes das fabricantes de moda, surgiu a Döhler, em 1881, em Joinville, uma das mais antigas de Santa Catarina. Tendo toalhas como carro-chefe, a empresa com cerca de 3,1 mil empregados faz artigos de cama, mesa e decoração e atende de pessoas físicas a hotéis, hospitais e forças armadas. Agora, prepara-se para ir ao mercado de ações em três anos e quer dobrar de tamanho na próxima década, segundo Udo Döhler, presidente do conselho de administração e membro da quarta geração da família fundadora.
Ele conta que, nos últimos dois anos, a Döhler investiu R$ 100 milhões em aumento de capacidade e, apesar de os resultados de 2022 terem ficado abaixo do esperado, há a expectativa que o segundo semestre de 2023 seja melhor. Novos investimentos estão sendo estudados para 2024 e 2025. Hoje, a fábrica exporta 10% do que produz para 40 países. Döhler afirma que a empresa centenária caminha para profissionalização e fala com animação do futuro. “Há espaço para crescer no Brasil e na América Latina”, destaca.