Um câncer contra o qual vinha lutando há anos tirou a vida, no final de janeiro, da antropóloga Adriana Dias, professora da Unicamp, em São Paulo, que há mais de duas décadas pesquisava a extrema direita e o nazismo no Brasil. Ela identificou a existência de 69 células neonazistas em Santa Catarina (o segundo maior número do país) entre as 334 identificadas em diferentes cidades de todo o Brasil. O trabalho e as informações prestadas pela pesquisadora ajudaram a montar as estruturas de combate a essas células extremistas no Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e na Polícia Civil do Estado.
Desde meados de 2022, quando entraram em funcionamento, a 40ª Procuradoria de Justiça do MPSC e a Delegacia de Repressão ao Racismo e Delitos de Intolerância (DRRDI), vinculada à Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic/SC), vêm atuando nos casos ligados a ações de neonazistas em Santa Catarina. Em outubro de 2022, seis universitários foram presos em Florianópolis, São José e Joinville, todos com materiais de divulgação do nazismo e suspeitos de pertencer a uma célula que fabricava peças de armamento, um protótipo de carabina 9 mm, em uma impressora 3D.
No mês seguinte, oito suspeitos foram presos quando se reuniam em um sítio no interior de São Pedro de Alcântara, num encontro, segundo a polícia, de uma célula do grupo supremacista branco Hammerskins (fundado em 1988 em Dallas, Texas, nos EUA). Dois outros suspeitos de integrar a mesma célula foram presos posteriormente em Caxias do Sul (RS).
Em março deste ano, um jovem de 19 anos foi preso preventivamente em Porto Belo (no litoral catarinense) por suspeita de apologia ao nazismo e disseminar discursos de ódio contra negros e judeus pela internet. Em 2020, aos 16 anos, o mesmo rapaz havia se recusado a ter aulas com um professor negro e se identificou como Larp (sigla de Live Action Role Playing), como são conhecidos aqueles que são arregimentados por células neonazistas por meio de jogos virtuais.
Segundo o promotor Jádel da Silva Júnior, desde maio deste ano à frente da 40ª Procuradoria de Justiça do MPSC, dos 69 procedimentos instaurados nos últimos sete meses para investigar casos de racismo, 16 foram referentes ao nazismo, 32 a casos de racismo genérico e 21 de xenofobia. Do total de 21 pessoas denunciadas, 15 eram apontados como neonazistas - sete de Santa Catarina, cinco do Rio Grande do Sul, um do Paraná, um de Minas Gerais e um de Moçambique. Esse moçambicano de 49 anos, preso na reunião no sítio em São Pedro de Alcântara, é considerado um dos líderes do grupo Hammerskins no Brasil e pertencia à torcida organizada supremacista do Sporting Clube de Portugal.
“Nós começamos a perceber, principalmente a partir de 2018, um incremento de discursos de ódio, de polarização, que acabou revelando a ação de alguns grupos que nós imaginávamos que estariam num subterrâneo das relações sociais. Eles estavam ali vivos, organizados e, em determinado período, começaram a se tornar mais visíveis, até mesmo mais encorajados”, diz o promotor.
Em trabalho publicado em 2009, Adriana Dias havia identificado 45 mil simpatizantes do nazismo em Santa Catarina, uma nefasta tradição iniciada em 1928, quando foi fundado, emTimbó, o primeiro núcleo do partido nazista no Brasil e o primeiro fora da Alemanha.