Como mais de 33 milhões de brasileiros, o pequeno agricultor Jildevan do Amparo vive sem acesso à água tratada. Sua casa, num sítio em Piraí do Norte, na Bahia, é abastecida por uma bica. “Eu volta e meia tinha dor de barriga, e meus filhos, de um e dois anos, tinham diarreia toda semana”, conta ele. Os problemas acabaram em junho com a instalação de um filtro que esteriliza a água aproveitando os raios ultravioletas do sol. “Desde então, ninguém ficou doente”, relata.
O sistema foi desenvolvido pela startup baiana SDW (Sustainable Development and Water for All). Soluções parecidas, com tecnologias diversas, são adotadas pelo Brasil afora, em outras regiões do Nordeste, aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas e favelas. São projetos como os da startup Água Camelo, da ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA), além da própria SDW.
Saiba mais sobre essas três iniciativas:
Da escola à ONU
O filtro de Jildevan, atualmente comercializado com o nome de Aqualuz, foi concebido pela baiana Anna Beserra em seus tempos de ensino médio. “Meu objetivo era participar da competição Jovem Cientista, do CNPQ”, conta. Ela não venceu, mas quatro anos depois, em 2019, foi a primeira brasileira a ganhar o Prêmio Jovens Campeões da Terra, da Organização das Nações Unidas (ONU), depois de aprimorar o produto durante o curso de biotecnologia da Universidade Federal da Bahia.
O filtro esteriliza de 10 a 20 litros de água depois de exposto ao sol por um período entre quatro e seis horas. Atualmente, nas contas de Beserra, a empresa tem mais de 2.000 unidades instaladas em 14 Estados do Brasil e no Equador. Nas 56 comunidades beneficiadas, a transmissão de doenças de veiculação hídrica caiu 73,65%, segundo a empresa.
Cada filtro custa R$ 850. A aquisição é feita por empresas, que doam os equipamentos às populações beneficiadas como parte de sua estratégia ESG. Além dos filtros, a SDW produz dessalinizadores de água para uso doméstico e banheiros secos, utilizados em áreas de escassez hídrica.
Água na mochila
A Água Camelo também foi fundada por um estudante. Durante o curso de desenho industrial na PUC do Rio de Janeiro, Rodrigo Belli criou o que chama de kit camelo, formado por uma mochila, um filtro de água acoplado e um suporte para pendurá-la na parede. “Como moradores de regiões sem água potável geralmente precisam ir captar a água, transportá-la até sua casa, armazená-la e filtrá-la, criamos uma mochila com essas quatro funções”, conta o empreendedor. Sua empresa tem também uma versão de filtro para uso comunitário, acoplado a uma central de distribuição, que leva a água às moradias ou pontos de coleta.
Criada em 2020, a empresa teve apoio da aceleradora 100+, da Ambev, e, segundo Belli, já vendeu mais de 1100 kits e 96 centrais de distribuição. Os usuários vivem em locais que variam de favelas do Rio de Janeiro, como a do Morro da Previdência, a quarenta aldeias indígenas de Estados como Acre, Rondônia, Pará e Amazonas. Entre os clientes, estão a Funai e empresas que adotam os produtos em projetos de impacto social.
Foco na Amazônia
Indígenas e populações ribeirinhas na região do Tapajós, no Pará, são foco de atuação da ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA). “É uma contradição absurda que populações da maior bacia hidrográfica do mundo tenham de conviver com o estresse hídrico”, diz o coordenador da entidade, Caetano Scannavino. Segundo a entidade, a falta de água potável vem da poluição das águas, causada pelo garimpo, desmatamento e por despejo de esgoto doméstico e industrial.
No programa da ONG, a água é retirada de poços e, em alguns casos, também de igarapés. Depois de coletada, é armazenada em reservatórios e distribuída por encanamento até as moradias ou pontos de coleta. “Nos últimos anos temos utilizado um sistema de bombeamento híbrido, que funciona tanto com energia solar como com diesel”, diz Scannavino.
Os sistemas são implementados com ajuda de mutirões organizados pela comunidade, que também recebe treinamento para sua manutenção. A gestão do uso da água fica a cargo de um comitê eleito pelos moradores, que estabelece o valor da mensalidade para cobrir seus custos – taxa que costuma variar entre R$10 e R$20 por moradia.
A ONG também fornece filtros para comunidades com captação de águas em igarapés, instalados em moradias ou pontos de uso coletivo, como escolas e unidades básicas de saúde. Desde 1995, a PSA forneceu 103 sistemas em 11 comunidades e 658 filtros, com apoio de empresas como a farmacêutica Sanofi.