O saneamento básico no Brasil pode piorar caso eventos climáticos extremos (grandes secas ou inundações) não sejam incorporados aos planejamentos de curto prazo do setor, avaliam especialistas. Hoje, chuvas ou estiagem fora da curva expõem a população à falta de água potável e ao esgoto a céu aberto. O contato com o esgoto -como nas enchentes - é fonte para a transmissão de doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no Brasil por ano devido a doenças ligadas à precariedade no saneamento.
“Estamos no limbo entre bons operadores e operadores deficitários, que mal têm recursos para investir na expansão das redes, quiçá investir em tecnologias de monitoramento de reservatórios, redução de perdas, robustez da infraestrutura hídrica e sanitária. A mudança climática é perceptível e as consequências para os operadores e usuários são inúmeras”, afirma Rubens Filho, gerente de água e oceano do Pacto Global da ONU no Brasil e especialista em sustentabilidade e saúde pública.
Apesar do quadro, empresas mais atreladas à sustentabilidade estão tentando reverter essa situação. Temas como diminuição das perdas e cuidados ambientais nos arredores dos reservatórios, com o plantio de mata ciliar, aumentaram. Alguns desses casos constam do “Panorama da Participação Privada no Saneamento de 2023.”
A Iguá Rio, concessionária de saneamento nas cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes (RJ), implementou um plano que envolve instalação de estação de tratamento de água móvel e campanhas educativas. E o projeto principal da Grupo Águas do Brasil, que atende Araruama, Saquarema e Silva Jardim - também no Rio de Janeiro -, envolve reflorestamento da bacia hidrográfica do rio São João, onde está localizado o reservatório Juturnaíba (Projeto Ybirá).
A presença de um novo normal climático é mais evidente em regiões com estiagens e cheias mais fortes e frequentes. “Se a empresa não tem outros modos de captação de água, se não tem uma boa gestão dos reservatórios, sente na pele quando precisa acionar a intermitência do serviço, isto é, ficar dias sem ofertar água. Isso impacta diretamente sua receita”, diz Filho. E chuvas muito acima do esperado danificam infraestruturas, interrompendo os serviços, também refletindo na receita.
Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP diz que as empresas precisam incorporar as mudanças climáticas aos seus planos estratégicos com urgência. “Em São Paulo já estamos enfrentando, e vamos continuar a enfrentar ainda mais, períodos de chuvas mais intensos em que não se consegue recarregar adequadamente os reservatórios. Assim como já estão ocorrendo estiagens mais prolongadas”.
Segundo Côrtes, os sistemas de abastecimento de São Paulo foram construídos a partir de premissas mais homogêneas, e não para se adequar a uma dualidade climática cada vez mais constante dos anos 1990 para cá. “A preocupação com a universalização da água e esgoto é fundamental, mas uma adaptação do setor às mudanças climáticas, que infelizmente não tem ocorrido, também é”, diz. o cientista da USP. Ele sugere que se aumente o uso da água de reúso, a partir do tratamento de efluentes. “Dessa forma, o sistema poderia funcionar com mais folga. Tecnologia existe desde os anos 1960”, afirma.