Após o revés do início do ano, o mercado de capitais volta à cena das emissões de dívidas, puxado, em parte, pelo setor de saneamento. Mesmo com a alta volatilidade resultante dos casos Americanas e Light, as empresas de água e esgoto continuam colocando seus papéis, pagando prêmios mais elevados e atraindo todo tipo de investidor.
A mais recente e emblemática foi a da Iguá Rio de Janeiro, ocorrida no final de junho, que teve a sua emissão de R$ 3,8 bilhões amplamente absorvida por diferentes bolsos - pessoa física (PF), bancos e gestoras. Só o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e social (BNDES) ficou com R$ 1,8 bilhão do total. Com demanda acima da oferta, o spread pago por este papel ficou em IPCA + 8,20%.
Conforme levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capital (Anbima), de janeiro a junho o total de emissões do setor foi R$ 8,54 bilhões, abaixo dos R$ 13,20 bilhões do mesmo período de 2022. Mas, se consideradas as operações que estão por vir e já anunciadas, os especialistas esperam que 2023 vá superar de longe o volume total no ano passado. Até porque as empresas têm cronogramas de investimentos a cumprir para atingir a meta de universalização do serviço de esgoto até 2033 - como previsto no marco do saneamento.
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“Os spreads ainda estão longe de 2022, quando, no auge, as debêntures incentivadas pagavam entre 0,40% e 0,50%. Em janeiro deste ano bateu em NTN-B + 185%. Agora está em 125%. O mercado tem seus exageros para um lado e para o outro, mas está se ajustando”, observa Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima.
O executivo diz ainda que os prazos de vencimento dessas transações (duration, no jargão de mercado) estão vindo mais longos. O papel da Iguá Rio, por exemplo, tem duration de 20 anos - a parte BNDES, 29 anos. “Já a Aegea está no meio da oferta e a informação pública é que vem a mercado em 4 de agosto, com R$ 5,5 bilhões, em duas séries, de 10 e de 18 anos, com taxas teto de IPCA + 8,10%, a de 10 anos, e IPCA + 9,30%, a de 18 anos”, conta Cury.
Com uma onda que parece estar sinalizando ventos mais favoráveis, os bancos de investimentos se posicionam para ver quem surfa melhor. A disputa é não só pelo cronograma já dado, mas pelo que ainda está por vir, com a nova safra de leilões do setor. O último deles ocorreu em 14 de julho e envolveu a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), que foi arrematada pela Aegea junto com Kinea e Perfin, com previsão de R$ 1,2 bilhão em investimentos.
Para financiar esses investimentos no longo prazo, o setor dispõe de diferentes instrumentos entre mercado de capitais, linhas subsidiadas dos bancos de fomento - como BNDES e BNB -, o programa Saneamento para Todos e crédito de organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. O banco XP liderou o consórcio bancário na última emissão da Iguá e avalia que esta foi uma transação ícone que sinaliza muito do que ainda está por vir.
Em sua conta, para o segundo semestre, há mais R$ 4,5 bilhões de ofertas mapeadas, além da já anunciada pela Aegea. “Desse total, no nosso pipeline, tem próximo a R$ 2,3 bilhões. Se somar a Aegea, esse valor sobe para R$ 7,8 bilhões”, afirma Getúlio Lobo, head de distribuição de renda fixa do investment banking da XP.
Já o pipeline de curto prazo do Bradesco para as transações do setor deve chegar a R$ 12 bilhões, com a estruturação de seis projetos. “Às vezes, mais de uma operação por projeto. O Bradesco é o banco mais atuante em saneamento no país. Participamos de todas as grandes operações”, afirma Marina Milanez M. Rodrigues, head de renda fixa local do Bradesco BBI. De 2020 para cá, o banco contabiliza mais de 20 transações do setor em que esteve envolvido, que somaram cerca de R$ 30 bilhões.
Animado com a perspectiva de queda dos juros, o que melhora as condições de financiamento de longo prazo, o BTG é o único banco privado que, além de operar em todas as linhas de mercado, participa do programa Saneamento para Todos. Já desembolsou mais de R$ 3 bilhões para projetos como repassador da Caixa Econômica Federal (CEF). “Fizemos para a Brookfield e vamos fazer agora para a Aegea”, diz Daniel Vaz, chefe de mercado de capitais de renda fixa e project finance do BTG Pactual. “Estamos mandatários para quatro ofertas de saneamento para os próximos dois meses, que devem representar cerca de R$ 1,5 bilhão”, conta Vaz.
O banco Fator diz que tem pelo menos mais 30 projetos em saneamento sendo estruturados pelo governo federal para vir a leilão, mas salienta que, com exceção de Sergipe e Pará, a maioria é de médio porte. “Temos três operações em saneamento no nosso pipeline que podem representar cerca de R$ 50 milhões e devem vir a mercado entre o segundo semestre de 2023 e primeiro de 2024”, afirma Ewerton Henriques, diretor de projetos de infraestrutura do Fator, que diz estar se preparando também para as novas licitações.