Rumos da Economia
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Por Daniela Chiaretti — De São Paulo


Renata Piazzon, do Instituto Arapyaú: protagonismo na pauta climática — Foto: Divulgação
Renata Piazzon, do Instituto Arapyaú: protagonismo na pauta climática — Foto: Divulgação

A negativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no licenciamento de um lote de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, da Petrobras, estabelece um marco no quadro socioambiental do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O compromisso com a questão climática é apenas de fachada? Como será feita a transição para a economia de baixo carbono? Qual é a forma de se produzir receita sustentável para uma população como a do Amapá, Estado mais preservado da Amazônia, se for privada dos royalties do petróleo?

O estopim da crise, passados cinco meses de governo Lula, revela o tamanho do desafio socioambiental. Por enquanto, na mesa, só há impasse e questões abertas.

O Congresso, muito mais forte do que nas gestões petistas do passado, vem aprovando, segundo os especialistas, propostas que não são pela Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga e o Pampa. Nem pelos povos indígenas, quilombolas e comunitários, pela proteção do clima, da biodiversidade ou pelo futuro. E nem pelo presente, dado o número e a violência dos eventos extremos que afetam o país, da seca com quebras de safra às chuvas repentinas, inundações e mortes por deslizamento de terra. Em março, o país contava mais de 1.500 municípios em situação de emergência.

Sergio Leitão, do Instituto Escolhas: equacionar geração de renda no Amapá — Foto: Divulgação
Sergio Leitão, do Instituto Escolhas: equacionar geração de renda no Amapá — Foto: Divulgação

“Não há solução negociada para a questão do petróleo no Amapá - e não entro no mérito se a exploração deveria ocorrer ou não - sem que se proponha algo que responda à perspectiva de renda que seria gerada com a exploração no Estado mais preservado do país”, afirma Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas. “Há que se colocar o debate em outros termos: que equacione a geração de renda de quem tem muita floresta. Porque hoje, no cardápio da sobrevivência amazônica, só tem uma coisa colocada no prato, que é desmatar. Ou é isso ou vamos nos entronizar no conflito da economia versus meio ambiente, sem que se encontrem soluções novas”, diz.

O problema ambiental número 1 do Brasil é a derrubada de florestas, mas não só. “Nosso grande desafio é a questão do desmatamento não apenas na Amazônia, mas nos outros biomas também. Estamos em um momento crítico”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. O engenheiro florestal tem repetido que o futuro climático do Brasil e do planeta depende da preservação das florestas. “É um tema-chave para o Brasil. O desmatamento tem, também, impacto importante na percepção do Brasil no exterior”, segue Azevedo. “O Brasil pode resolver todos os seus problemas ambientais, mas se não tiver resultados no desmatamento, é como se não tivesse feito nada”.

Os alertas de desmatamento na Amazônia, segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), caíram cerca de 40% no acumulado dos primeiros quatro meses de 2023 em relação ao mesmo período de 2022. Há, contudo, interferência de nuvens nestes dados, que têm sido analisados com cautela. O fator preocupante é o que os técnicos do Ministério do Meio Ambiente chamam de “desmatamento contratado” - o alto índice de derrubada de agosto a dezembro do ano passado, os últimos meses do governo Bolsonaro, que serão contabilizados na gestão Lula.

Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa: mais pressão da opinião pública — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor
Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa: mais pressão da opinião pública — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor

Entre agosto de 2022 e abril, a Amazônia perdeu quase seis mil quilômetros quadrados, o maior valor da série histórica para o período. A seca, temporada em que o desmate deslancha, está apenas começando. Além disso, os alertas de desmatamento no Cerrado em 2023 são os maiores dos últimos cinco anos.

Para o climatologista Carlos Nobre, não basta parar imediatamente o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia. É preciso iniciar já um grande processo de restauração no sul da floresta e na porção dos Andes. Esse corredor verde teria 500.000 km² e viria, em dois arcos, da Colômbia, Peru e Bolívia passando pelo sul da Amazônia brasileira e chegando ao Maranhão. Custaria ao menos US$ 20 bilhões.

Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia - onde foi criado o projeto “Arcos do Reflorestamento”- diz que o desmatamento da Amazônia está próximo do ponto de não-retorno. É quando a floresta não consegue mais se regenerar e se torna outra coisa. “Muitos estudos, infelizmente, mostram que estamos na beira do precipício”, diz ele.

Roberto Waack, do conselho da Marfrig: novos modelos de negócios — Foto: Divulgação
Roberto Waack, do conselho da Marfrig: novos modelos de negócios — Foto: Divulgação

Tasso Azevedo diz que é preciso “criar um mecanismo para pagar a floresta em pé sem que se limite ao carbono, que é injusto e tem incentivos perversos”. Ele explica: “remunera-se alguém que gera um risco, e que é beneficiado se não consolidá-lo”.

A retomada da agenda global é um ponto positivo do governo Lula. A interlocução com governos parceiros foi costurada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda na conferência do clima do Egito, em novembro e consolidada por anúncios de novas participações no Fundo Amazônia nos primeiros meses de 2023.

“O Brasil é um dos únicos países que consegue dialogar com todos os outros, com a filantropia, entidades internacionais e financiadores. Podemos trazer protagonismo à pauta climática”, acredita Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú e co-facilitadora da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, movimento composto por mais de 300 representantes do setor privado, financeiro, academia e sociedade civil.

Em agosto, o Brasil irá sediar a Cúpula da Amazônia, reunindo os países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. A conferência do clima das Nações Unidas de 2025, a COP 30, também deve ser em Belém. “No campo internacional, o futuro é mais otimista”, diz Piazzon.

Deveríamos olhar para os nossos parceiros comerciais e refletir sobre a pauta de exportação”
— Natalie Unterstell

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, observa que a partir de 2015 houve uma mudança de expectativas na questão climática mundial. Em parte, o novo prisma foi puxado pelos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, a encíclica do Papa Francisco sobre meio ambiente e clima e os movimentos dos jovens. “Começamos a ouvir mais sobre a pauta climática, sentimos mais pressão da opinião pública. E houve avanços na tecnologia e nas finanças”, diz.

O preço de turbinas eólicas, placas solares e baterias caiu muito e facilita o caminho da eletrificação. “Não precisamos inventar nada novo. As coisas estão andando rápido. Estamos vendo uma convergência de fatos que começa a estabelecer outra lógica”, continua. Há fluxos de recursos se deslocando de petróleo e gás, por exemplo.

“Estamos em plena aceleração pela corrida para emissões-zero no mundo. Precisamos acelerar o passo”, segue Unterstell. Na sua visão, é preciso regulamentação para o mundo net-zero, algo que começou a ser feito no Reino Unido, Canadá e Austrália. “É preciso dar um sinal forte, indicar como vai se descarbonizar. No Brasil, deixar a casa pronta para o hidrogênio verde”, afirma Unterstell. Ela segue: “Não precisamos abrir mão do petróleo da noite para o dia, mas é uma abordagem equivocada, na minha visão, da Petrobras dizer que iremos explorar a última gota de petróleo. Qual será a nova cara da empresa?”.

O Brasil é um dos únicos países que conseguem dialogar com todos os outros e com financiadores”
— Renata Piazzon

A geopolítica climática deveria despertar inquietações, provoca ela. “Já que 90% dos países assumiram compromissos net-zero, não deveríamos olhar para os nossos parceiros comerciais e refletir sobre a nossa pauta de exportação? Não deveríamos estar olhando para os movimentos dos nossos parceiros, uma vez que eles podem migrar para uma economia net-zero?”, questiona Unterstell.

O setor privado, diz Roberto Waack, integrante do conselho da Marfrig, Wise Plásticos e da fábrica de motores Tupy, adotou práticas climáticas no modelo de negócios. “No setor de alimentação, rastreabilidade é algo que tem que ser feito, e isso está assimilado”, diz. Outra discussão, mais contemporânea, leva em conta o quanto os sistemas de produção do setor são heterogêneos e está sendo analisada em mais detalhe. “Há um grande desafio, por exemplo, para os alimentos ultraprocessados com ameaças à saúde e ao emprego”.

O mundo emprega entre 1,5 bilhão a 2 bilhões de pessoas na produção de alimentos. Se a tendência de super industrialização acontecer, por conta da busca de maior produtividade, a previsão é que em 10 anos será possível produzir três vezes mais alimentos com metade do uso da terra. “Isso, do ponto de vista da emissão de carbono é impactante. Mas deve haver uma redução importante no número de empregos”, diz Waack.

Rastreabilidade é algo que tem que ser feito e, no setor de alimentos, isso já está assimilado”
— Roberto Waack

“Isso irá afetar um grande número de trabalhadores não qualificados sem trabalho. É um componente social importante nessa discussão”, continua. “O desmatamento tem que acabar, mas há muito ainda a fazer”.

No caso dos plásticos, diz Waack, há muita força na economia circular, também com rastreabilidade, para tornar mais eficiente e menos emissora a logística da reciclagem. No setor de transportes, há a percepção de que a queima do combustível fóssil terá que ser muito mais eficiente durante a transição, a preocupação com a reciclagem de baterias e o preparo ao hidrogênio. “De uma maneira geral, a busca por eficiência envolve vários setores e está entrando forte no jogo ESG”, diz Waack.

Tasso Azevedo, do MapBiomas, concorda que, no caso brasileiro, combatido o desmatamento, a transição energética será um grande desafio. Questões de saneamento, resíduos sólidos e indústria mais afinada ao movimento global, são outros gargalos. “Precisamos nos livrar do desmatamento, implementar a rastreabilidade de toda a produção, regenerar o solo, destinar as terras públicas na Amazônia e, nesse processo, garantir a demarcação completa e os direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais”.

No cardápio da sobrevivência amazônica, só tem uma coisa colocada no prato: desmatar”
— Sergio Leitão

O Congresso colocou claramente que a disputa pela terra está longe de ser pacificada. No embate da votação da medida provisória que organiza o governo Lula, ao retirar a demarcação das terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, o Parlamento deixa a nova pasta sem sua função primordial.

Para Leitão, do Escolhas, a crise que se abriu no governo, entre ambiente e energia, traduz a “nossa falta de iniciativa de dar conta de alguns desafios. O que existe de concreto, de uma proposta de transição para a economia descarbonizada? Temos a frase, o desejo, mas não temos um projeto efetivo e concreto”, diz.

O Escolhas fez um estudo mostrando que é possível reduzir 56% da pobreza no Pará e 30% no Maranhão se se apostar na recuperação de florestas desmatadas e no plantio de legumes e verduras, materializando esse esforço por meio de frentes de trabalho. “Isso é para o governo começar atividades que gerem emprego e mostrar à população da região que há alternativa”, diz ele. “E dar tempo para projetos de bioeconomia vingarem.”

“A sociedade do Amapá quer o ambiente preservado, mas quer emprego também. Não podemos mais permitir que essa dura escolha se coloque mais. Se a escolha for entre emprego e floresta, o que a história desse país nos ensina? Que a gente vai perder”, diz Leitão.

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