Rumos da Economia
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Por Lucianne Carneiro — Do Rio


Chauvet, do Codace: “Os juros para transações são absolutamente ridículos” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Chauvet, do Codace: “Os juros para transações são absolutamente ridículos” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Professora da Universidade da California Riverside e única mulher integrante do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas, a economista Marcelle Chauvet afirma que o comportamento da inflação brasileira ainda não permite redução dos juros. Ela compara a situação atual à de um incêndio, quando resta uma pequena brasa. É preciso manter os juros elevados, diz, para evitar que a inflação volte a subir.

Chauvet elogia a estratégia adotada no Brasil para o combate à inflação - “todo mundo tem que tirar o chapéu para o que o Brasil fez” -, mas não arrisca avaliar quando seria seguro iniciar o processo de afrouxamento monetário. “É um cenário mês a mês”, avalia a professora.

A despeito de sua posição, a economista é enfática ao falar sobre a situação delicada do crédito no país por causa dos juros altos. Evita chamar de crise do crédito, mas diz que empresas e pessoas sofrem com o custo dos empréstimos. Ela classifica como “absolutamente ridículas” e “exorbitantes” as taxas cobradas em operações financeiras. “Um pouco de aumento da Selic significa um aumento astronômico do preço do crédito”, aponta.

A seguir os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Dados mostram um 1º trimestre mais forte na economia brasileira do que se imaginava. O que explica?

Marcelle Chauvet: Isso acontece no Brasil, mas também globalmente. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) subiu 2,41% no primeiro trimestre do ano. Com isso, vários bancos e o próprio governo reviram para cima as projeções para 2023. Primeiro, os dados dos consumidores não são tão ruins quanto se esperava. Não quer dizer que não houve um enfraquecimento do varejo, mas não foi tão ruim quanto se imaginava. Também teve influência da agropecuária. Além disso, o mercado de trabalho ainda dá sinais de força, assim como nos Estados Unidos. E é preciso entender esse mercado de trabalho pós-covid para compreender o que acontece na economia. A covid afetou os setores de forma diferente; enquanto uns foram afetados negativamente, outros tiveram impacto de certa maneira positivo. Houve uma explosão tecnológica muito grande, não só de acesso à tecnologia, mas também de conhecimento. Isso provocou um avanço do capital humano tecnológico: as pessoas se tornaram mais eficientes e produtivas. E isso não vai parar. Além disso, teve vários outros choques. Houve mudança de comportamento: as pessoas começaram a poupar mais porque foram forçadas a não gastar. Com isso, reviram os gastos da vida, no pensamento de que podem morrer a qualquer momento. Houve alteração também do comportamento em relação ao mercado de trabalho: as pessoas pediram demissões.

Valor: Como os juros altos ainda não afetam tanto a atividade?

Chauvet: Nos EUA, essa defasagem [entre a taxa de juro e o impacto na atividade] seria entre seis e nove meses. No Brasil, é mais rápido, e é uma dimensão maior. O juro já foi lá para cima. Todo mundo tem que tirar o chapéu para o que o Brasil fez. Subiu juros e cortou os impostos de energia. Com isso, atacou na base a inflação e diminuiu a expectativa inflacionária dos consumidores. A inflação caiu muito mais rápido no Brasil que no mundo inteiro. A gente tem a herança inflacionária dos anos 80, aquele medo. O Brasil atacou fortemente a inflação em 2022 e afetou a expectativa de longo prazo. Isso leva pessoas a consumirem mais porque o valor real do preço das compras abaixou. Os juros estão altíssimos, não pode comprar à crédito, mas pode comprar à vista. O país foi eficiente e rápido. Tem que considerar o sucesso do decréscimo dos preços, que ajudou a manter a atividade econômica.

Valor: A desaceleração esperada para o 1º trimestre ainda vem?

Chauvet: Há um novo governo. As expectativas sobre o que será feito meio que freou algumas decisões de investimento e de consumo, mas ao mesmo tempo o governo tem anunciado que vai aumentar gastos. Se isso ocorrer, pode levar a uma aceleração econômica, ou a não desacelerar tanto. Há diversos fatores que operam ao mesmo tempo. Os juros estão altos, há a situação do crédito. A inadimplência está muito alta, a maior em muitos anos. Por outro lado, o mercado de trabalho ainda está robusto, a inflação está desacelerando, o dólar alto que favorece exportações... O que pode pegar é o fato de que há uma expectativa de desaceleração global. Se isso ocorrer, as exportações podem ser afetadas, e a economia também. A questão é estamos no começo de um governo, que não vai querer entrar numa recessão. Existe essa força estrutural, eles podem aumentar os gastos.... Existem as amarras, uma coisa é a intenção e a outra é o que pode ser feito. Infelizmente, a economia é dominada pela política no Brasil.

Valor: O que acontece com o crédito hoje no Brasil? Há uma crise?

Chauvet: Os juros no país já são altíssimos, se comparados com o resto do mundo. A base [Selic] já é muito alta, mas os juros para transações, como crédito para o consumidor, são absolutamente ridículos. Chegam a 60% ao mês em algumas instituições. Para atividades específicas, são exorbitantes. Um pouco de aumento da Selic significa um aumento astronômico do preço do crédito. E se aumenta o preço do crédito, a quantidade diminui, principalmente para as firmas que precisam mais, que são as com mais risco. Isso afeta as empresas, as famílias... Aqui no Brasil o crédito sempre foi caro, e ficou muito mais caro. Não é exatamente uma crise do crédito, mas o crédito está apertado. Quando você aumenta o custo do crédito em um momento de desaceleração econômica, os bancos ficam mais cautelosos para emprestar.

Valor: Muitos defendem que já há espaço para redução de juros.

Chauvet: Para reduzir juros, é preciso olhar para frente, não para o que está acontecendo agora. Um dos fatores principais é a expectativa inflacionária. Se consumidores ou empresários esperam que a inflação vai subir, ou não vai cair, é muito perigoso diminuir os juros. Tem o choque de oferta e demanda, mas a inflação inercial é criada pelas expectativas. Entre os consumidores, a expectativa caiu bastante, mas mais recentemente aumentou. Não é algo estável ainda. Deixa eu dar um exemplo: você está querendo apagar o fogo. Aí você joga água, mas a brasa está ali. E pensa: não, a brasa está pequena, não precisa mais de água. Só que a brasa pode virar um fogo forte e começar tudo de novo. Então manter a taxa de juros alta é como continuar jogando água até a brasa sumir completamente. Não que a inflação será extinguida, mas as expectativas inflacionárias. É preciso estabilizar as expectativas para a inflação inercial ficar menos perigosa. E tem que ver se não há outros fatores que podem elevar a inflação fora do Brasil. Choque na energia, guerra da Ucrânia, os problemas iniciais, raízes da inflação, ainda estão por aí.

Valor: E quando haveria espaço?

Chauvet: É um cenário mês a mês, depende do que está acontecendo. Eu não posso falar, nem o Banco Central sabe. A gente não pode prever uma coisa dessa porque vai depender de como está o mercado. E cada dia novas informações chegam e isso vai sendo ajustado.

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