![Projeto de conservação na Mata Atlântica, único bioma que teve recuo na perda de vegetação — Foto: Leo Martins/O Globo](https://s2-valor.glbimg.com/PGlcV5wIuDS10ODjFp-zr6dGPpo=/0x0:1500x1000/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/2/A/vd1mrVRemCs8eaIkdYKQ/030-outros-20biomas-projeto-20da-20fiocruz-20na-20mata-20atlantica.jpg)
O desmatamento nos biomas brasileiros cresceu 22,3% e atingiu 2.057.251 de hectares em 2022, o equivalente a mais de 90% da área de Sergipe. A pressão agropecuária respondeu por 95,7% da devastação. Cinco dos seis biomas registraram perda de vegetação nativa no período, com exceção da Mata Atlântica, cujo desflorestamento recuou 0,6% no ano passado e 42% de janeiro a maio deste ano, segundo o MapBiomas. “A notícia é muito boa, é uma diminuição expressiva que deve ser comemorada, mas ainda com cautela. É importante destacar que não foram contabilizados os desmatamentos no Cerrado e na Caatinga, regiões que sabemos que o desmatamento está alto”, pondera o diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.
A queda deste ano foi puxada, em grande parte, pelos Estados que tiveram maior área degradada em 2022, como Minas Gerais, Bahia, Paraná e Santa Catarina, nos quais os índices de redução do desmatamento foram de 47%, 43%, 54% e 46%, respectivamente. Para a SOS Mata Atlântica, os dados indicam uma mudança no perfil do desmatamento no bioma, que conta com 24% de cobertura florestal remanescente. A devastação em áreas menores que três hectares não sofreu redução, enquanto nas maiores, especialmente aquelas acima de 15 hectares, houve um decréscimo, o que pode estar relacionado ao incremento da fiscalização, à mudança de postura no governo federal e no Ibama e às restrições de crédito financeiro para propriedades com desmatamentos não autorizados. “O objetivo é alcançar o desmatamento zero, e o passo seguinte é priorizar a restauração florestal”, diz Guedes Pinto. A SOS Mata Atlântica, em parceria com empresas privadas, plantou 42 milhões de árvores nativas desde 1986, em uma área de 23 mil hectares, distribuídas em 550 municípios.
Para o pesquisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) Alexandre Uezu, o fortalecimento de três iniciativas poderiam ajudar na restauração da Mata Atlântica: aumento do número de áreas protegidas por meio de unidades de conservação e territórios indígenas; incremento do mercado de geração de créditos de carbono; e valorização da floresta em pé, com a produção de alimentos e medicamentos. “O Brasil poderia estar se beneficiando desses produtos, o que chamamos de bioeconomia, e gerar desenvolvimento econômico a partir da diversidade, da riqueza das florestas.” O IPÊ é responsável pelo plantio de 6 milhões de árvores nativas na região do Pontal do Paranapanema (SP).
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No Pantanal, o desmatamento alcançou 19,1 mil hectares e cresceu mais de três vezes de janeiro a abril de 2023 sobre o índice de 2022, ano recorde, com perda de 31,2 mil hectares, o equivalente a 32 mil campos de futebol. Para o biólogo e diretor de comunicação do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, três fatores explicam a piora dos indicadores, principalmente no Mato Grosso do Sul, que concentra 90% da perda de vegetação do bioma: a legislação no Estado é mais permissiva, permitindo substituir até 60% da vegetação original; vícios nos processos de licenciamento, com licenças emitidas sem estudos de impacto ambiental; e o avanço da seca – nos últimos 35 anos, o Pantanal perdeu 29% de sua superfície de água.
![Guedes Pinto, do SOS Mata Atlântica: objetivo é o desmatamento zero — Foto: Divulgação](https://s2-valor.glbimg.com/6aB4oJKdWC36zy3yDHYUZxf3GhM=/0x0:1500x1000/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/3/x/v1LAzjQyuBbAgpoRkXuQ/030-outros-20biomas-luis-20fernando-20guedes-20pinto-sos-20mata-20atlantica.jpg)
O SOS Pantanal aponta um movimento de pessoas de fora do bioma, que compram fazendas na região e desmatam o máximo permitido e além para depois vender as terras por um preço mais alto. O Ministério Público do Mato Grosso do Sul analisou 28 autorizações para desmatamento emitidas pelo Instituto de Meio Ambiente (Imasul) e mostrou que o desflorestamento nessas áreas foi, em média, 25% maior do que o permitido. Outro fator que contribui para esse cenário: ausência de legislação federal específica para a proteção do bioma. “Ter uma legislação que olhe para o Pantanal e para a Bacia do Alto Paraguai seria crucial para regular as ações que ameaçam o bioma, que ainda é pouco pautado em discussões a nível federal”, diz Figueirôa.
A Aliança 5P, grupo de investidores donos de fazendas no Pantanal, criou um corredor ecológico de 285 mil hectares entre as propriedades para preservar o bioma. Segundo a diretora-presidente Camilla Schweizer, o objetivo é atrair mais proprietários que acreditem ser possível produzir uma pecuária economicamente viável e que preserve a vegetação nativa. Além da produção de carne pantaneira, a associação conta com fazendas que promovem o ecoturismo, o resgate de carbono e a produção de mel. “Nós esperamos conseguir mais associados e, juntos, atrair fontes de renda sustentáveis e uma união maior. O Pantanal é formado de propriedades privadas (mais de 95% da área). Junto com a atuação do Estado, são essenciais para a preservação deste bioma único.” Formada por fazendeiros e fundadores de ONGs como o Associação Onçafari, do ex-piloto de Fórmula Indy Mario Haberfeld, a 5P considera que o Pantanal precisa de políticas públicas de longo prazo, com incentivos fiscais justos e projetos que possam remunerar adequadamente os produtores rurais. “A natureza é um bioativo cada vez mais importante e de responsabilidade de todos. No entanto, somente os produtores estão com o ônus de preservar, enquanto o bônus é de todo o mundo.”
O Instituto Homem Pantaneiro (IHP), que atua há mais de 20 anos na conservação e monitoramento de 300 mil ha em áreas de Reservas Particulares de Proteção Natural (RPPNs), com o avanço do desmatamento passou a pensar em alternativas para minimizar o alto custo logístico do Pantanal e auxiliar na proteção da vegetação dentro das propriedades privadas. Em parceria com a Isa Cteep, empresa de transmissão de energia elétrica, viabilizou a certificação de 231 mil toneladas de CO2 em créditos de carbono para a comercialização no mercado voluntário, que estão disponíveis para propriedades rurais ou empresas que queiram compensar suas emissões de gases de efeito estufa. “Queremos evidenciar que no Pantanal há possibilidade de ter outras receitas que não só a pecuária, como a remuneração para quem conserva o bioma. É possível produzir sem desmatar e desconfigurar o Pantanal”, diz o presidente do IHP, Ângelo Rabelo.
Um dos biomas mais vulneráveis às mudanças climáticas e também socioeconômico, a Caatinga registrou alta de 22,2% no desmatamento em 2022. As queimadas e a perda de superfície de água têm acelerado a expansão das áreas de desertificação do bioma, que perdeu mais de 10% da sua vegetação nativa nos últimos 37 anos. O coordenador do MapBiomas Caatinga, Washington Rocha, explica que a principal causa é a expansão das atividades agropecuárias. “No entanto, verifica-se também padrões secundários de perda de vegetação por conta tanto dos canais de transposição do rio São Francisco quanto pela implantação de infraestrutura para operação de parques eólicos e de usinas de energia solar.”
O Brasil abriga 916 parques eólicos, dos quais 90% estão no Nordeste, e outros 483 devem entrar em operação até 2029, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). “Nossa atuação nesta área corrobora com sua preservação à medida que a geração eólica demanda uma área mínima de intervenção para a implantação dos aerogeradores, e nossa presença local contribui para o combate ao desmatamento e caça ilegais e ao enfrentamento dos focos de incêndio e queimadas”, diz Luciana Nabarrete, diretora de pessoas, processos e sustentabilidade da Engie Brasil Energia, que conta com parques eólicos em operação na Bahia e no Ceará, além de outros dois em fase de implantação no Rio Grande do Norte. Segundo a companhia, os conjuntos eólicos localizados em Umburanas e Sento Sé, na Bahia, estão em uma área de 200 quilômetros quadrados. No entanto, as estruturas eólicas e vias de acesso ocupam menos de 4% da área arrendada, com 96% de área preservada.
A perda de vegetação do Pampa aumentou 27,2% em 2022 e o bioma é o que registra a maior devastação (em termos proporcionais) desde 1985, quando o MapBiomas começou a fazer o monitoramento. Foram convertidos para agricultura e silvicultura 3,4 milhões de ha, o que equivale a 70 vezes a área de Porto Alegre. O vice-coordenador do Instituto Pró-Pampa, Luis Esteban Krause Lanés, diz que, com a elevação dos preços das commodities, está em curso um movimento de expansão de fronteira agrícola para novas áreas no sul do Rio Grande do Sul, sobretudo para o plantio de soja em regiões ocupadas pelas tradicionais fazendas de pecuária extensiva. “A grande vocação do Pampa é a pecuária extensiva. A melhor saída para preservar o bioma é oferecer incentivo econômico e qualificação para o produtor familiar que utiliza práticas sustentáveis e que trabalha para preservar a vegetação nativa.”