Na condição de quinto maior gerador mundial de resíduos eletrônicos e detentor de uma taxa de reciclagem abaixo de 3%, o Brasil enfrenta um grande desafio em cumprir as metas previstas no Acordo Setorial para a Logística Reversa de Eletroeletrônicos. Os objetivos estão contidos no decreto 14.240/2020, anunciado pelo governo federal em 2020, poucos dias antes das medidas de isolamento da pandemia de covid-19. Pelo texto, já em 2021, as empresas deveriam coletar e destinar corretamente 1% em peso do que recolheram no mercado em 2018, definido como ano base. Nos anos seguintes, as metas subiriam para 3%, 6%, 12%, chegando a 17% em 2025.
O estudo Resíduos Eletrônicos no Brasil – 2021, o mais recente da Green Eletron, entidade ligada à Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), aponta que há um enorme desconhecimento por parte da população. O estudo revelou que só 13% da população não costuma guardar lixo eletrônico em casa e 71% desconhecem procedimentos sobre o descarte correto.
Segundo Ademir Brescansin, gerente-executivo da Green Eletron, o avanço das políticas depende da ação do poder público. “Deve-se intensificar a fiscalização para fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores para que tenham oficialmente um sistema de logística reversa implementado por meio de uma entidade gestora. Em paralelo, o poder público deveria reforçar a comunicação sobre todos os produtos que tenham obrigatoriedade da logística reversa, enfatizando a importância da recuperação, da reciclagem e do reaproveitamento dos materiais.”
A 34ª edição da Pesquisa Anual do FGVcia sobre o Mercado Brasileiro de Tecnologia de Informação (TI), divulgada no primeiro semestre, pelo Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGVcia), mostra que o Brasil conta com 464 milhões de dispositivos digitais (smartphone, computador, tablet e notebook), incluindo o meio corporativo e doméstico. Apenas os smartphones, são 249 milhões de aparelhos, o que dá uma média de 1,2 celular inteligente por pessoa, dentro da população estimada de 203 milhões de habitantes. Com números tão expressivos, cresce a responsabilidade das operadoras e fabricantes reforçarem suas estratégias de logística reversa.
No início do ano, a operadora Claro lançou um controle remoto para a Claro tv+ produzido com plástico 100% reciclado. Até junho, haviam sido distribuídos 180 mil equipamentos. Os equipamentos antigos são coletados nas casas dos clientes, enviados para o centro de reparo, em Campinas (SP), que os envia para a empresa de remanufatura. Lá, são produzidos os controles reciclados que retornam à Claro para distribuição.
“O projeto é um sucesso por trazer retorno sustentável imediato e estimular a discussão interna de novas ações renováveis”, diz Daniely Gomiero, diretora de desenvolvimento humano e organizacional, cultura e sustentabilidade da Claro. A projeção da empresa é fechar 2023 com cerca de 800 mil unidades distribuídas em todo o país. Desde 2008, a Claro mantém o programa Claro Recicla, com urnas em mais de 2 mil lojas para coleta. Em 15 anos, foram reciclados mais de 292 mil itens, o equivalente a 72 toneladas de resíduos eletrônicos.
Pioneira entre as operadoras, a Vivo atua desde 2006 com o programa Recicle com a Vivo, por meio de 1,8 mil pontos de coleta nas lojas. “Já recolhemos mais de 5,2 milhões de itens eletrônicos, entre celulares, fones, carregadores, pilhas e baterias. Só em 2022, foram recolhidas cerca de 11,3 toneladas de lixo eletrônico, um crescimento de 22% em relação ao ano anterior, volume equivalente a 50 mil itens”, diz Ana Leticia Senatore, gerente de meio ambiente da Vivo. Os programas de logística da empresa contam com parceiros de transporte em todo o Brasil, que levam os itens descartados até São José dos Campos (SP), sede da empresa parceira de reciclagem
Segundo a assessoria de imprensa da TIM, a operadora conta com 170 pontos de coleta espalhados nas lojas próprias e prédios administrativos para recolhimento de aparelhos e acessórios. Lançado em agosto de 2021, o programa TIM Troca Smart estimula os clientes a trocarem seus aparelhos usados com desconto na compra de novos. Em 2022, a operação permitiu a coleta de 6 mil celulares, dos quais 90% tinham condições de serem reutilizados. No caso de clientes que desistiram dos serviços, a TIM avalia as condições de reúso dos modems. Em média, 93% dos aparelhos são recuperados e recolocados no mercado. A meta da empresa é reciclar 95% de seus resíduos sólidos até 2025.
Por ser uma empresa global, a coreana Samsung estabelece metas a serem cumpridas em todo o planeta. É o caso da iniciativa Galaxy for the Planet, que prevê incorporar material reciclado e eliminar o plástico das embalagens dos produtos móveis até 2025 e reduzir o consumo de energia no modo de espera dos carregadores. No Brasil, o principal programa é o Samsung Recicla, que estimula o descarte de todos os produtos de qualquer marca (de celulares a televisores), com 350 pontos de coleta e retirada nas residências dos itens de grande porte. “No primeiro semestre, houve aumento de 291% em comparação a igual período de 2022. O brasileiro está cada vez mais engajado”, diz Anna Karina Pinto, diretora de marketing corporativo. A empresa mantém ainda o programa Eco Troca, pelo qual o consumidor troca seu equipamento antigo na compra de um novo, com desconto.
Há soluções desenvolvidas dentro de casa. Em 2022, a paranaense Positivo Tecnologia lançou o modelo Refurbished Hardware as a Service (RHaaS), pelo qual os equipamentos que voltam de locações são recondicionados e relocados. O processo aumenta a vida média útil das máquinas de quatro anos para até oito anos, adiando o descarte e a produção de resíduos. Segundo Leandro dos Santos, vice-presidente de estratégia e inovação, ainda há gargalos a serem superados. “A reciclagem é um processo menos automatizado do que deveria e tem muitas restrições.”