Nas últimas duas décadas, uma revolução ocorreu na matriz elétrica brasileira. No início dos anos 2000, 90% da eletricidade do país era gerada por hidrelétricas, que hoje respondem por cerca de dois terços da geração. Usinas eólicas e solares, que, em 2003, mal respondiam por 1% da energia gerada, hoje representam mais de 20% da eletricidade produzida. Outro avanço foi a descentralização da geração, que há 20 anos não representava nem 1%: painéis fotovoltaicos instalados nos telhados de residências e indústrias somam 20 GW de capacidade instalada, uma vez e meia a potência da hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo.
Em dez anos, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis, o custo de adoção da eólica e solar caiu 80%. No Brasil, com grande irradiação e os ventos fortes, as duas fontes estão entre as mais competitivas. Nos últimos dez anos, o sol tem sido a fonte de maior inserção na matriz. O último balanço energético de 2023 pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) aponta que a geração elétrica por fonte solar cresceu 80% em 2022 em relação a 2021, chegando a 30 GWh. Há dez anos, quando a Resolução 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que permitiu a mini e microgeração solar, entrou em vigor, ela chegava a ínfimos 5 GWh.
Em agosto, o país ultrapassou a marca histórica de 10 GW de potência operacional nas grandes usinas solares. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), desde 2012, o segmento trouxe mais de R$ 44 bilhões em novos investimentos. “O Brasil possui um dos melhores recursos solares do planeta, o que abre uma enorme possibilidade de desenvolvimento de novas tecnologias sinérgicas, como o armazenamento de energia e os veículos elétricos”, diz Ronaldo Koloszuk, presidente do conselho de administração da entidade.
O vento também tem reforçado sua participação na matriz elétrica, com destaque para os projetos no Nordeste, que concentra cerca de 90% da potência instalada. O Brasil hoje está em sexto lugar no ranking mundial de capacidade instalada de energia eólica onshore (terra), com 26 GW. Em 2012, o país estava em 15º lugar. Com ventos contínuos e intensos, as usinas eólicas nordestinas chegam a operar em boa parte do tempo com fator de capacidade superior a 60%, o dobro da média mundial. As instalações eólicas até junho de 2023 foram de 2,3 GW, representando 44,5% das adições à matriz elétrica nacional. Segundo dados da Aneel, 153 parques eólicos estão em construção atualmente no Brasil, com potência projetada de 6 GW. “A demanda da eólica é forte no Brasil nos próximos cinco a seis anos”, diz Alexandre Negrão, presidente da Aeris, fornecedora de equipamentos para o setor.
“O Brasil tem grande potencial em fontes renováveis”, afirma o presidente da Engie Brasil, Mauricio Bähr. A empresa, que se desfez de seus projetos de térmicas recentemente no Brasil, com uma matriz 100% renovável agora, constrói 2 mil MW de energia renovável, como projetos eólicos na Bahia e no Rio Grande do Norte, com investimentos que superam R$ 10 bilhões.
Entre os eólicos, o de Santo Agostinho (RN) atinge metade da operação em agosto e deve chegar à totalidade no fim do ano, com capacidade de 434 megawatts (MW). Situado nos municípios de Lajes e Pedro Avelino (RN), Santo Agostinho, quando concluído, terá 14 parques eólicos e um total de 70 aerogeradores. “Somando com os outros projetos, uma eólica na Bahia, e o Assu Sol, também no Rio Grande do Norte, teremos 2 mil MW total de capacidade nova instalada no Brasil”, destaca.
A AES conta com 5,2 GW de capacidade instalada 100% renovável (57% advindos de eólico e solar e 43% de origem hídrica), sendo 4,2 GW operacionais e 1 GW em construção. Outros 1,7 GW estão na carteira de projetos. Muitos clientes pretendem limpar suas pegadas de carbono. A Unipar tem como objetivo alcançar 60% da demanda de energia elétrica oriunda de projetos de autoprodução renovável até 2024. Para atingir esse propósito, firmou parcerias com a AES, para a construção de dois parques eólicos, um na Bahia e outro no Rio Grande do Norte, e com a Atlas Renewable Energy, para a construção do parque solar em Minas Gerais. Juntos, os três empreendimentos têm capacidade instalada de 485 MW de energia elétrica, dos quais 149 MW médios serão para consumo nas plantas da Unipar. Essa ação está alinhada ao pilar estratégico de competitividade, porque irá garantir o acesso à energia limpa em longo prazo, com preços mais atrativos deste insumo que representa 50% dos custos de produção de cloro/soda.
Não bastasse o potencial das eólicas em terra, o Brasil ainda poderá desbravar uma nova fronteira: eólicas em alto-mar. O potencial é de 700 GW, sendo que empresas já enviaram mais de 150 GW em projetos para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Neste momento, discute-se a regulação do setor. “Há um grande potencial a ser desenvolvido pelo país e isso poderá contribuir para a reindustrialização do Brasil com o avanço do hidrogênio verde no mundo”, diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Élbia Gannoum.
“Há uma obsessão por descarbonização”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte. A Cebrace, uma joint venture entre a francesa Saint-Gobain e a japonesa NSG/Pilkington para produção de vidros planos, vai substituir parte do consumo de gás natural dos fornos da fábrica de Jacareí (SP) por biometano, gerado a partir de resíduos sólidos urbanos do Aterro Sanitário de Jambeiro, próximo à sede da usina em Jacareí (SP).
As emissões de gases de efeito estufa (GEE) associadas à produção e consumo de energia no Brasil caíram 5% no ano passado em comparação com 2021, mostra o Boletim Energético Nacional (BEN) elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Em 2022, a matriz energética brasileira atingiu 423 milhões de toneladas de CO2 equivalente, a maior parte vinda do setor de transportes, que emitiu 210 MtCO2eq.
Nos últimos dez anos, o setor avançou mantendo suas emissões de efeito estufa sob controle. Os dados da EPE apontam que em 2013 chegaram a 53 milhões de toneladas de dióxido de carbono, atingiram o pico em 2014, com 71 milhões, e caíram para 22 milhões de toneladas no ano passado. Em 2021, quando na crise hídrica as térmicas a gás natural chegaram a responder por 30% da geração de eletricidade do país, ficaram em 55 milhões de toneladas.
O avanço de fontes variáveis, como eólicas e solares, que dependem de fatores climáticos (vento e sol) para gerarem energia, cria discussões sobre a valoração dos atributos das fontes e dos requisitos de flexibilidade para a operação do sistema, visando à adoção do mecanismo de formação de preço por oferta, diz Romario Batista, pesquisador do FGV-Ceri.
O exemplo mais evidente está no papel das hidrelétricas e térmicas. Quando o sol para de brilhar no céu, no fim da tarde, no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) se verifica a queda da geração solar e um aumento da carga, já que o sol passa a deixar de gerar energia. “Essa rampa de carga é como se todos os ares condicionados e chuveiros fossem ligados a todo o tempo. Nesse momento, quando os reservatórios estão cheios, se podem usar as hidrelétricas, caso não, seria preciso térmica”, diz o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi.
A ampliação de investimentos em renováveis também representará expansão da malha de transmissão, que se tornará essencial para que eólicas e solares continuem ganhando espaço na matriz. Entre 2023 e 2025, devem ser realizados pelo governo federal seis leilões, que poderão movimentar cerca de R$ 80 bilhões em investimentos, caso seja confirmado o segundo bipolo de transmissão, que conectaria o Rio Grande do Norte à região Sudeste ou Sul. Os estudos de viabilidade desse empreendimento devem ser concluídos até o fim do ano, o que poderia fazer com que fosse licitado em 2025. Em dezembro deste ano, deverá ser realizada a maior licitação da história, com investimentos previstos de R$ 21,7 bilhões. Em março do próximo ano, um leilão com 6 mil quilômetros de linhas a serem construídas e investimentos de R$ 21 bilhões deve ser realizado.
Os investimentos bilionários nos leilões de novas linhas de interligação e o avanço das fontes renováveis têm feito grandes grupos investirem em transmissão. A Auren, que é uma geradora nascida da privatização de geração da Cesp, é uma das que analisam oportunidades em transmissão.