Depois da fuga acentuada no ano passado, os investimentos públicos e corporativos para inovação voltaram ao cenário neste ano. Mesmo o capital de risco exibe alguma disposição de retornar. No âmbito federal, o plano Mais Inovação prevê mais de R$ 60 bilhões em quatro anos, dos quais R$ 16 bilhões não reembolsáveis. A parcela destinada a financiamento ganhou juros nominais a partir de 4% ao ano, pagamento em até 16 anos e carência de até quatro anos.
Além de subvenção e crédito, o programa visa alinhar os instrumentos disponíveis, como apoio a institutos de ciência e tecnologia, fundos de investimentos e participações, compras públicas e novos modelos de garantia com base nas seis missões da nova política industrial – cadeias agroindustriais, bioeconomia e descarbonização, cidades sustentáveis, complexo industrial da saúde, indústria digital e tecnologia de defesa.
Os recursos virão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tendo como fontes o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), cujo descontingenciamento trouxe de volta quase R$ 10 bilhões anuais ao orçamento, e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
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O Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, entregue em agosto ao Congresso, reforça o caixa com recursos não orçamentários. São R$ 84 bilhões em subsídios tributários e R$ 5,8 bilhões de crédito do Banco do Nordeste. O Ministério do Planejamento informou, em nota, que para cada missão será lançada ação conjunta com indicação de tecnologias críticas.
A demanda disparou neste ano. Até setembro, a Finep aprovou financiamentos de R$ 5,5 bilhões, dos quais mais de R$ 3,5 bilhões já desembolsados. Os projetos incluem casos como o da Ourofino Saúde Animal, que recebeu R$ 107 milhões e tem mais R$ 225 milhões aprovados para produtos biológicos e internacionalização. E o da Marcopolo, com R$ 112 milhões para linhas como chassi para veículo elétrico e ônibus adequados ao sistema Euro 6.
Editais já contemplados absorvem subvenções. O projeto Visiona consumirá R$ 219 milhões para fabricação de satélite de pequeno porte e alta resolução, em parceria da Agência Espacial Brasileira com mais cinco empresas. Mais R$ 240 milhões devem ser destinados para 19 parques tecnológicos e R$ 75 milhões foram aprovados para agências de inovação em universidades. De acordo com Celso Pansera, presidente da Finep, ainda neste ano deve ser lançado mais R$ 1 bilhão em editais para compras com garantia de aquisições por órgãos públicos.
Segundo José Luis Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do BNDES, a inovação entrou na pauta da política industrial e até do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O banco, que chegou a apoiar 6% da agenda de inovação do país e caiu para menos de 1% nos últimos anos, começou a dar entrada em pedidos depois da regulamentação da nova taxa, em setembro.
A digitalização e produtividade das pequenas e médias empresas (PMEs) conta com R$ 1,5 bilhão do programa Brasil Mais Produtivo, executado pelo Senai e Sebrae com recursos financeiros da Finep e do BNDES para capacitação de até 200 mil PMEs. A BNDESPar investirá até R$ 638,5 milhões em seis fundos de capital semente e venture capital, estimulando mais R$ 2,1 bilhões de capital privado.
A mudança é grande, mas traz desafios. Entre eles, o baixo nível de inovação e digitalização do setor industrial e a falta de foco, destaca o sociólogo Glauco Arbix, da Universidade de São Paulo. “As políticas precisam de detalhamento para serem concretas”, diz. “O PPA dá sinal positivo para a inovação na retomada da indústria”, destaca o diretor de inovação e tecnologia do Senai Nacional, Jefferson Gomes. A percepção da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é a de que o esforço conjunto do Mais Inovação pode reduzir a timidez das empresas brasileiras em combinar recursos públicos com seus desenvolvimentos.
Os Estados também se movimentam. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) lançou chamada de até R$ 80 milhões para selecionar fundos de investimento em participações (FIPs) com foco em empresas participantes ou egressas do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). “No ano passado, foram desembolsados R$ 59,3 milhões para projetos Pipe e contratados 578 projetos de 224 empresas inovadoras, 90 delas novas no programa”, conta Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do conselho técnico-administrativo da Fapesp.
A fundação mantém programas como o Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), de cujo financiamento participam empresas como Agilent, Microsoft e Sabesp, além do Centro de Pesquisa em Engenharia/Centro de Pesquisa Aplicada (CPE/CPA), que destinou R$ 27,5 milhões a 280 projetos de 24 centros em 2022. E neste ano vai iniciar mais três centros – um voltado a redes inteligentes, junto com a Ericsson, outro para plasticultura, com a Braskem, e o terceiro, de mobilidade aérea, com a Embraer.
A Fomento Paraná criou o Fundo de Inovação da Micro e Pequena Empresa (Fime) em parceria com a Secretaria Estadual de Inovação, Modernização e Transformação Digital (SEI), para zerar taxa de juros em financiamento para micro e pequenas empresas, e está estruturando fundo de capital de risco para capital semente. “O volume de crédito para inovação em análise é de R$ 72 milhões para 32 projetos”, detalha o diretor-presidente da Fomento Paraná, Heraldo Neves. Uma das selecionadas é a Syx Global, plataforma on-line que conecta compradores e vendedores de materiais descartados de grandes companhias para reciclagem.
O interesse de empresas em inovação estimulou fundos de capital de risco corporativos (CVCs). De janeiro a agosto último, R$ 1,5 bilhão foi investido em 57 operações, segundo a Associação Brasileira de Venture Capital (Abvcap). A participação do segmento no capital de risco passou de 10% das operações e 12% do valor, em 2019, para 30% do valor e 36% das operações neste ano, com 83 companhias com CVC ativo e 37 em discussão. “O CVC auxilia a repensar modelos de negócios”, avalia a presidente da entidade, Priscila Rodrigues.
Grandes bancos também estão atentos ao segmento. O Banco do Brasil criou programa de CVC em 2021, hoje com cinco fundos, dois deles exclusivos do banco. O capital comprometido é de R$ 200 milhões com 48 startups investidas. As iniciativas da casa incluem laboratórios de experimentação (Lentes BB) e parcerias com players do ecossistema, diz o diretor de negócios digitais, Rodrigo Vasconcelos.
O Bradesco optou pela construção de veículos cuja estratégia de inovação inclui intraempreendedorismo, open innovation, CVC e fusões e aquisições (M&A), diz Fernando Freitas, head de inovação. O Itaú BBA criou um time específico para empresas de base tecnológica. Em 2021 reuniu 500 companhias grandes espalhadas pelo banco, como iFood, VTEX e Infracommerce, e de lá para cá triplicou esse número com negócios em estágio inicial e de crescimento.
A avaliação do estágio de vida de cada uma rende produtos adaptados e serviços conectados com os mais de 20 mil clientes corporativos da casa. O banco destinou R$ 300 milhões para venture debt, dos quais já usou R$ 90 milhões. O instrumento mistura a lógica de capital de risco a empréstimos tradicionais para avaliar a capacidade de pagamento com captação futura.
O ajuste no segmento de capital de risco, provocado pela alta de juros e ambiente geopolítico e macroeconômico, foi retratado no estudo Master Guide, feito em parceria pela Ace Ventures, Softbank e Emerging VC Fellows, com dados de 25 fundos do país. A maioria (66%) manteve neste ano o mesmo valor dos aportes de 2022, mas 86,9% indicaram cortes na valoração (valuation) das startups e 21%, redução em relação a rodadas anteriores (down round).
Neste ano, segundo Pedro Carneiro, diretor de investimento da Ace Ventures, a empresa colocou R$ 7 milhões em sete startups, algumas já investidas, como a Tarvos, para solução de manejo de pragas agrícolas, e a Polichat, plataforma para concentrar troca de mensagens de redes sociais e sites. Mais meia dúzia de aportes foi feita em conjunto com o Fundo Soberano do Espírito Santo (Funses). Já a Bossa Invest aportou até setembro mais de R$ 25,6 milhões em startups no Brasil e no exterior, ante R$ 44 milhões no mesmo período de 2022. “Mais de 90% dos recursos aplicados em desenvolvimento de inovação no país são do setor privado”, estima Paulo Tomazela, CEO da Bossa Invest.