Revista Inovação
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Por Dauro Veras


Ana Mees, da  IPM Sistemas:  IA dá alerta  de infartos  e AVCs — Foto: Divulgação
Ana Mees, da IPM Sistemas: IA dá alerta de infartos e AVCs — Foto: Divulgação

O lançamento do ChatGPT pela OpenAI, em novembro de 2022, e os sucessivos anúncios de modelos concorrentes trouxeram para o centro do debate público o papel da inteligência artificial (IA) como ferramenta transformadora da sociedade. Embora os fundamentos da tecnologia existam há décadas, 2023 fica marcado como o ano em que ela se tornou acessível, provocando organizações a adotá-la para aumentar a produtividade e criar novos negócios. Na avaliação de especialistas, o Brasil tem uma excelente oportunidade para usar a IA como alavanca da inovação se superar gargalos em áreas como educação e pesquisa.

Um estudo da consultoria Next Move Strategy estima que o mercado global de IA movimenta US$ 208 bilhões e deve chegar a quase US$ 2 trilhões em 2030. Mais de 60 países criaram estratégias nacionais que colocam essa tecnologia como indutora da inovação. Estados Unidos e China lideram o ranking de investimentos e travam uma acirrada disputa geopolítica sobre semicondutores, os dispositivos microeletrônicos que viabilizam o aprendizado de máquina. No centro da divergência está a ilha de Taiwan, reclamada pela China como seu território, que produz 90% dos chips mais avançados do mundo.

Com o aumento da capacidade técnica, multiplicaram-se as formas de uso. De acordo com o AI Index Report 2023, publicado pela Universidade de Stanford (Estados Unidos), as principais aplicações entre as empresas usuárias são a automação de processos robóticos (39%), visão computacional (34%), compreensão de linguagem natural (33%) e agentes virtuais (33%). A proporção de organizações que adotam a IA quase dobrou nos últimos cinco anos. Em 2022, os países com maior percentual de postos de trabalho que exigiam habilidades relacionadas a ela foram Estados Unidos (2,1%), Canadá (1,5%) e Espanha (1,3%).

“A IA é a mais poderosa tecnologia já produzida pela humanidade, mesmo com os efeitos deletérios e éticos que possa ter”, afirma Glauco Arbix, professor titular do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP). “Ela é cidadã global, fura bloqueios que os países tentam montar e está penetrando em todas as áreas da vida como se fosse eletricidade.” Para ele, o Brasil pode se recuperar do atraso histórico no cenário da inovação se souber aproveitar o potencial dessa ferramenta para promover uma onda de produção de conhecimento novo.

“Em cinco anos, podemos virar o mapa da inovação no país de ponta-cabeça, usando o poder de compra do Estado para acelerar pesquisas nas áreas em que temos vantagens comparativas, como o enfrentamento das mudanças climáticas”, afirma. Entre as frentes promissoras, ele cita a rota tecnológica de geração de hidrogênio com etanol e a criação de novos medicamentos e terapias no Sistema Único de Saúde (SUS). Em agosto, o governo federal anunciou um programa de investimentos de R$ 60 bilhões até 2026 para apoio à inovação.

A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), criada em 2021 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), estabelece ações em seis eixos verticais: educação; força de trabalho e capacitação; pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) e empreendedorismo; aplicação nos setores produtivos; aplicação no poder público; e segurança pública. Há também três eixos transversais: legislação, regulação e uso ético; governança de IA; e aspectos internacionais. “Uma das iniciativas é o investimento em dez centros de pesquisa avançada em IA, parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Comitê Gestor da Internet (CGI), com recursos arrecadados do registro de domínios.br”, informa a coordenadora da Ebia, Eliana Emediato.

Os seis primeiros centros em operação se dedicam à pesquisa sobre cidades inteligentes (USP de São Carlos), saúde (universidades federais de Minas Gerais e do Ceará), agronegócio (Universidade Estadual de Campinas – Unicamp) e indústria (Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo, e Senai Cimatec, na Bahia). Em setembro o MCTI anunciou quatro novas unidades. Duas são vinculadas à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com foco em educação e segurança cibernética. Outra, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisará energias renováveis. E a quarta, dedicada à ciência de dados para a indústria, terá sedes em três universidades paulistas: USP, Unicamp e Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) investiu R$ 446,3 milhões em projetos de IA de 330 empresas, que resultaram em 184 pedidos de propriedade intelectual. Há um mês, a organização e o MCTI anunciaram a liberação de R$ 178 milhões em recursos não reembolsáveis para a criação de três centros de competência em tecnologias de fronteira. No Paraná, o Instituto Lactec atuará em eletromobilidade e redes elétricas inteligentes. No Rio Grande do Sul, o Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Sensoriamento (ISI) terá foco em agricultura digital. Na Paraíba, o núcleo de pesquisa Virtus, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), pesquisará IA e internet das coisas (IoT).

“A IA entra na carteira de qualquer órgão de fomento à inovação como uma ferramenta que se soma às demais tecnologias para gerar eficiência”, afirma o presidente da Embrapii, Chico Saboya. Ele lembra que o Brasil perdeu todas as ondas tecnológicas dos últimos 50 anos, mas pode aproveitar esta, porque dispõe de competências científicas, grandes laboratórios e um enorme mercado. “Para isso é preciso ter foco, perenidade de políticas públicas, simplificação de acesso a recursos e melhoria das escolas, universidades e instituições de ciência e tecnologia, além de encurtamento da distância entre os setores produtivo e acadêmico”, resume.

Em setembro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) lançaram uma proposta de diretrizes para uma Estratégia Nacional de Ecoinovação. “A IA pode desempenhar um papel crucial na coleta, análise e interpretação de grandes conjuntos de dados climáticos, de biodiversidade e de emissões de carbono”, assinala o gerente- executivo do Senai Cimatec, Luiz Fernando Taboada. Para ele, o gargalo da educação é um desafio crítico: “Precisamos atualizar os currículos educacionais e programas de formação nas instituições de ensino, bem como treinar mais profissionais em meio de carreira”.

Referência global em tecnologias para o agronegócio, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem colocado o Brasil na linha de frente das inovações com IA. Suas pesquisas envolvem, por exemplo, detecção de ervas daninhas por maquinário agrícola e ordenha automática de vacas. “Um desafio ainda não superado é a detecção precoce de doenças na lavoura”, relata o engenheiro Jayme Barbedo, da Embrapa Agricultura Digital. Os pesquisadores têm testado o uso de redes neurais para analisar imagens de satélite com alta resolução, que captam centenas de comprimentos de onda do espectro eletromagnético. Outra pesquisa pretende usar IA generativa para criar um “super Google da agropecuária”.

Desde 2015 o Hospital Albert Einstein usa IA aplicada à saúde. Sua central de monitoramento assistencial acompanha em tempo real até 150 indicadores sobre os pacientes, disparando alertas que permitem o atendimento rápido quando necessário. A instituição também usa um algoritmo de predição de leitos que avalia queixas, sinais vitais e exames, identificando em meia hora se o paciente vai precisar ou não de internação. Uma IA de agendamento cirúrgico reduziu a ociosidade das salas de cirurgia.

Saboya, da  Embrapii:  ferramenta  que se soma  às demais  tecnologias  para gerar  eficiência — Foto: Diego Bresani/Divulgação
Saboya, da Embrapii: ferramenta que se soma às demais tecnologias para gerar eficiência — Foto: Diego Bresani/Divulgação

“Temos um projeto de assistência perinatal na Amazônia com IA generativa, que avalia as queixas das pacientes gestantes e auxilia os médicos generalistas a dar orientações”, diz o presidente da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein, Sidney Klajner. Outras iniciativas surgiram por meio do centro de inovação aberta da instituição, o Eretz.bio. Uma das parceiras é a EnteAI, startup argentina que criou ferramentas para calcular o volume do cérebro e reconhecer lesões. A Rapid AI, dos Estados Unidos, desenvolveu uma solução que detecta infartos agudos em tomografias de crânio.

Em Florianópolis (SC), a IPM Sistemas, especializada em gestão pública, lançou em setembro a Dara, uma IA que dá alertas de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) com seis meses a um ano e meio de antecedência. A inovação baseada em redes neurais ajuda a prevenir as duas principais causas de morte no mundo. “Obtemos um prognóstico correto em 88% dos casos, com tempo hábil para que o médico possa reverter a situação”, informa a biomédica Ana Mees, líder de inteligência artificial da IPM Sistemas. A empresa aguarda a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a tecnologia possa ser aplicada no SUS.

Com sede em Curitiba (PR), a CargOn agregou IA à sua solução digital de enfrentamento a fraudes e roubos de cargas nas estradas brasileiras, que em 2022 provocaram R$ 1,2 bilhão em prejuízos. A IA valida a autenticidade das fotos e da documentação do motorista, verifica o comprovante de endereço e gera um cartão para controlar sua passagem nos locais de carga e descarga. “Tudo o que acontece na operação é acompanhado em um painel de informações com métricas e indicadores constantemente atualizados”, explica o presidente da CargOn, Denny Mews.

Outra empresa que incorporou recursos de ponta a um produto já existente é a PariPassu, de Florianópolis, fornecedora de soluções de rastreabilidade para a cadeia agroalimentar. Sua nova versão do aplicativo Conecta traz receitas geradas por IA. Quando o usuário lê o QR Code dos alimentos nos mercados, uma tela mostra a origem dos produtos e dá sugestões de preparo, além de informações sobre higienização e armazenamento.

Klajner, do  Einstein:  projeto de  assistência  perinatal na  Amazônia — Foto: Egberto Nogueira/ Divulgação
Klajner, do Einstein: projeto de assistência perinatal na Amazônia — Foto: Egberto Nogueira/ Divulgação

A Desk Manager, de Mogi das Cruzes (SP), incorporou a nova tecnologia a seu software de gerenciamento de serviços corporativos e fez uma análise comparativa do Retorno sobre o Investimento (ROI na sigla em inglês). Enquanto o custo mensal de um operador humano gira em torno de R$ 2 mil, sem considerar os impostos, o da IA atrelada ao ChatGPT é de R$ 38,50, quase 52 vezes menor. “Se forem incluídos os impostos, fica 98 vezes mais barato”, diz o CEO Célio Fabiano. A Byd Energy do Brasil, especializada em energia solar, usou o sistema para reduzir em 95% o tempo de atendimento do pós-venda.

Uma das questões controversas relacionadas à IA é a do uso indevido de propriedade intelectual. A Getty Images, empresa de licenciamento com sede em Seattle (Estados Unidos), lançou em setembro sua primeira tecnologia de IA geradora de imagens comercialmente seguras. A nova ferramenta, treinada pelo serviço em nuvem Nvidia Picasso, remunera os criadores e concede aos clientes uma licença livre de royalties. “Vamos compartilhar anualmente as receitas geradas com os criadores cujo conteúdo foi utilizado para treinar nosso gerador de IA, alocando uma porcentagem em relação a cada arquivo e outra parte com base nas receitas de licenciamento tradicionais”, explica o diretor de produtos da Getty Images, Grant Farhall.

A Christal Holding, provedora do mercado de autopeças com sede em Timbó (SC), adotou a IA para melhorar a produtividade. Vencedora do Prêmio Nacional de Inovação da CNI e Sebrae na categoria médio porte, a companhia automatizou a produção com recursos do Rota 2030, programa de fomento tecnológico ao setor automotivo. “Esperamos ter um ganho de 15% na disponibilidade dos equipamentos”, diz o diretor-presidente da Christal Holding, Alex Marson.

O debate sobre a criação de um marco regulatório para a IA está na ordem do dia. No Senado, tramita uma proposta que prevê a adoção de instrumentos para garantir sua governança e transparência. “Precisamos de uma IA em que as pessoas possam confiar”, diz Nuno Oliveira, diretor de tecnologia da Qintess, empresa especializada em transformação digital. “É fundamental regular a IA, com responsabilização civil e até criminal em relação ao seu mau uso.” A Qintess está lançando um novo conceito de ferramenta relacionada ao tema, o “gêmeo digital humano”, que se propõe a mapear no mundo virtual o motivo da tomada de decisões.

Na visão do Movimento Brasil Competitivo (MBC), organização de lideranças empresariais, o momento é de priorizar o desenvolvimento tecnológico. “O governo brasileiro deve focar em políticas públicas para estimular pesquisa e desenvolvimento em IA e deixar que as discussões em torno da regulação sejam realizadas de maneira estruturada e profunda, sem apressá-la, sob o risco de se constituir um marco regulatório que sufoque a inovação”, argumenta sua diretora-executiva, Tatiana Ribeiro.

“A regulamentação da IA deve se pautar por valores éticos e responsáveis, garantindo a segurança e os direitos da sociedade, sem impedir o avanço da inovação”, diz Valter Wolf, diretor-presidente da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), que congrega em torno de cem empresas. “O futuro da IA no Brasil é promissor, mas requer colaboração, regulação equilibrada e um comprometimento coletivo para garantir que o país aproveite ao máximo as oportunidades dessa revolução tecnológica.”

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