Menos de 5% de todos os alunos da Universidade de São Paulo (USP) têm acesso a cursos voltados ao empreendedorismo e inovação. Essa não é a única deficiência no setor: a maioria dos doutores voltados à pesquisa está a serviço da própria universidade. E menos de 30% estão na iniciativa privada, onde nascem as ideias, brotam os projetos e se consegue o maior número de patentes.
A USP faz parte de um grupo da Entrepreneurship Education Collaboration and Engagement (Eecole) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja recomendação é de que 50% dos alunos de universidades inovadoras deveriam passar por disciplinas de empreendedorismo. “Nós ainda estamos longe disso, assim como boa parte das universidades europeias”, diz Paulo Nussenzveig, pró-reitor de pesquisa e inovação da USP. “É um ponto em que ainda temos um longo trabalho pela frente”, afirma.
Outra fragilidade é a permanência da maioria dos doutores na academia em detrimento da iniciativa privada. “Uma carência que nós temos é a fração de doutores nas empresas”, diz Nussenzveig. “Quando comparamos com países do hemisfério Norte, vemos que a maioria dos nossos doutores está no meio acadêmico, enquanto isso é invertido nos países do Norte”, destaca.
Daniela Uziel, coordenadora da Inova-UFRJ – agência de inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, tem opinião semelhante: “O Brasil sempre focou pouco em inovação, e ela é motor da indústria”. Há alguns erros, destaca, que precisam ser corrigidos, como o direcionamento dos doutores quase que exclusivamente para a academia. “Os doutores precisam ser absorvidos pela indústria para termos uma indústria inovadora e precisamos pensar em estratégias para isso.”
Levantamento de um grupo de trabalho da Agência USP de Inovação (Auspin), revelou que a USP tem 112 disciplinas na graduação e 90 de pós-graduação nas áreas de empreendedorismo e inovação. Entretanto, diz o coordenador da Auspin, professor Luiz Henrique Catalani, esses cursos estão centrados em algumas poucas unidades, enquanto outras não têm qualquer curso a ofertar aos seus alunos. Ele observa, no entanto, que existem várias iniciativas da USP que promovem ações educativas na área de empreendedorismo e inovação.
Um ponto positivo foi a aprovação pelo Conselho Universitário da reformulação da Pró-Reitoria de Pesquisa, que incorporou as atividades ligadas à inovação e passou a ser denominada Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI). Entre os cursos, Catalani cita os de inovação e empreendedorismo, fundamentos do empreendedorismo, laboratório de inovação e empreendedorismo, além do curso como criar uma startup.
A procura pelos cursos revelou uma grande demanda reprimida. Por exemplo, o curso fundamentos do empreendedorismo, que recebia entre 50 e 100 alunos no semestre, teve 1.250 inscrições no segundo semestre de 2023. O curso como criar uma startup passou de 50 para 1.250 inscritos no segundo semestre deste ano.
O Nidus – núcleo formador de empresas e empreendedores – teve 27 inscrições em seu primeiro edital de novembro de 2022. Todos já se tornaram startups. “A nossa análise é que a USP tem uma demanda latente muito grande para cursos de empreendedorismo, cuja base precisa ser expandida e ofertada a todos. Essas mudanças estão em curso”, afirma Catalani.
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou neste ano ao menos 26 disciplinas vinculadas a diferentes institutos ou faculdades e ligadas à inovação, que são oferecidas a alunos e às comunidades interna e externa. O objetivo do mapeamento da Inova Unicamp, agência criada em 2003, foi facilitar a busca dos alunos interessados nessas pautas. Ela tem disciplinas, de graduação e de pós-graduação, que tratam da propriedade intelectual, inovação e empreendedorismo.
Em 2022, a Unicamp tinha 1.061 empresas-filhas ativas, com geração de 44.624 empregos e faturamento de R$ 19,3 bilhões. Os novos números das empresas-filhas, que estão para ser divulgados, apontam crescimento nos indicadores. “É uma demonstração de que a Unicamp mantém um ecossistema maduro e em evolução”, diz Ana Frattini, diretora-executiva da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp).
“A experiência da Inova Unicamp mostra que o contínuo estímulo à cultura da inovação e do empreendedorismo traz resultados que impactam toda a sociedade”, diz. No entanto, ressalva, em que pesem pontos de melhoria, verifica-se que a oferta de disciplinas de empreendedorismo pode ser aprimorada. “Para reduzir essa limitação, a Inova está trabalhando na aproximação com a direção dos institutos e unidades de ensino e pesquisa da própria Unicamp”, relata.
A UFRJ, por sua vez, tem 91 disciplinas ativas sobre inovação e empreendedorismo. Elas estão distribuídas pela graduação e pós-graduação e em cursos que abrangem diversas áreas do conhecimento, como as ciências sociais aplicadas e ciências biológicas.
Uziel ressalta que a atuação na inovação sempre foi espontânea e só mais recentemente passou a ser fortemente induzida. Hoje, diz ela, há números crescentes de depósitos de ativos de propriedade intelectual, de estabelecimento de convênios com empresas e de valores de transferência de tecnologia.
Em 2022, a Inova UFRJ se reposicionou como alicerce estratégico mais voltado para a construção da inovação e, principalmente, em seu trânsito até a sociedade. “A nova identidade representa a expansão da inovação para a sociedade que ocorre por meio de três principais atores: universidade, governo e empresa”, afirma Uziel.
A criação da UFC Inova – a Coordenadoria de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Ceará – se deu em 2017. A instituição mantém parceria com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para a promoção mensal de minicursos de mentoria, cuja iniciativa visa capacitar os pesquisadores na elaboração da escrita das patentes.
“Esforços estão sendo alinhados para diminuir assimetrias e para propagar conhecimentos junto às unidades acadêmicas da UFC”, diz Cláudia Pessoa, professora e pró-reitora adjunta de pesquisa e pós-graduação da UFC. “Sem dúvida”, diz ela, “os líderes das pesquisas no âmbito da UFC precisam ser propulsores da inovação no âmbito da universidade, apoiados por resoluções e suporte técnico”. Segundo a professora, os resultados são crescentes em termos de números de depósitos de patentes e de registro de softwares, assim como vem crescendo o número de patentes concedidas, totalizando 48 até o momento. “Este resultado é fruto da política de inovação da UFC”, afirma.
Pessoa destaca que ainda existe fragilidade nos processos de interações entre as parcerias público-privadas, que precisam ser sanados nos ambientes da inovação, seja na formação ou no diálogo entre os elos envolvidos nesse processo.