Revista Infraestrutura e Logística
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Por Luiz Maciel


Daniele Nunes, advogada: necessidade de adequações no ambiente regulatório — Foto: Marcio Mercante/Divulgação
Daniele Nunes, advogada: necessidade de adequações no ambiente regulatório — Foto: Marcio Mercante/Divulgação

Anunciado com a pompa que requer um superpacote de obras estimado em R$ 1,7 trilhão, o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pode mais uma vez ficar longe da meta prevista – mas dá uma boa ideia do que é preciso fazer para eliminar os gargalos de infraestrutura do país.

A questão que se coloca é quanto dessa carta de boas intenções do governo se transformará em realidade, impulsionando o crescimento do país. A primeira versão do programa, lançada em 2007, previa investimentos de R$ 503,9 bilhões nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos, mas concluiu apenas 9% dos projetos. A segunda versão, de 2011, avaliada em R$ 708 bilhões, entregou 26% das obras.

Por falta de verba – em última análise, mau planejamento –, muita coisa não saiu do papel e outro tanto ficou pela metade nos programas anteriores. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), havia 8,6 mil obras paradas no país no fim de 2022, boa parte delas oriunda dos PACs. Nesses casos, o círculo virtuoso – de acordo com a Fundação Dom Cabral (FDC), cada R$ 1 investido em infraestrutura gera R$ 1,8 por ano, com a expansão do emprego e o aquecimento da economia – é quebrado, resultando em prejuízos em cascata.

O cronograma do novo PAC prevê o investimento da maior parte dos recursos, cerca de R$ 1,4 trilhão, até o fim de 2026. Para colocar de pé o audacioso programa, o governo espera contar – além de verbas do orçamento geral da União, de financiamentos de bancos públicos e da participação de empresas estatais – com uma ampla adesão do setor privado nos projetos. As concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) representariam, na expectativa governamental, uma injeção de R$ 612 bilhões, mais de um terço do total necessário.

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“Uma participação privada nesse nível pode acontecer, pois há interesse do setor, mas vai depender também de algumas adequações no ambiente regulatório, que o governo deve fazer junto com o Congresso. O licenciamento ambiental, por exemplo, precisa ser simplificado”, argumenta Daniele Nunes, do escritório Leal Cotrim Advogados, especializado em infraestrutura.

De qualquer forma, o histórico das últimas duas décadas mostra que há mais condicionantes no desafio de amealhar recursos públicos – o que depende, entre outros fatores, de aumento nas arrecadações da União, Estados e municípios – do que no de atrair capital privado para obras. Levantamento da consultoria Inter.B aponta que a participação privada em projetos de infraestrutura entre 2019 e 2022 representou pouco mais de dois terços de todo o capital envolvido no período – injetou R$ 105,6 bilhões dos R$ 158,4 bilhões investidos, em média, por ano.

Para 2023, o mesmo estudo prevê R$ 135,8 bilhões de capital privado para um montante de R$ 204,6 bilhões e põe em destaque a mínima presença estatal nas áreas de energia e telecomunicações. Na primeira, turbinada pela escalada de projetos de energias eólica e solar nos anos mais recentes, espera-se um investimento privado de R$ 76,5 bilhões, ante um total estimado em R$ 86,2 bilhões. Em telecomunicações, o desequilíbrio é ainda maior, com a iniciativa privada atuando praticamente sozinha, responsabilizando-se por R$ 25,4 bilhões dos R$ 25,5 bilhões previstos.

Já nos setores de saneamento básico e de transportes, a participação pública deve seguir majoritária neste ano, representando 80% do investimento previsto no primeiro caso e 65% no segundo. Segundo a projeção da Inter.B, dos R$ 67,5 bilhões a serem aplicados na matriz de transportes, 71% deverão ir para a conservação e revitalização das rodovias, 12% para as ferrovias, 8% para mobilidade urbana, 5,8% para a estrutura portuária, 2,6% para aeroportos e apenas 0,6% para as hidrovias.

Boa parte desse investimento oficial na malha viária já foi usada na renovação de cerca de 4,7 mil km de rodovias, segundo balanço divulgado pelo Ministério dos Transportes no início de setembro. No novo PAC estão previstos 302 projetos rodoviários e ferroviários, que deverão somar R$ 280 bilhões, dos quais R$ 79 bilhões do Orçamento da União e R$ 201 bilhões da iniciativa privada, por meio de concessões.

“Serão obras de adequação de capacidade, duplicação, triplicação, pontes, conexão com portos, entre outras medidas fundamentais para o fortalecimento da logística nacional e para a geração de emprego, considerando sempre as transformações do nosso tempo, as mudanças climáticas e a necessidade de se criarem alternativas sustentáveis para o crescimento do país”, disse o ministro dos Transportes, Renan Filho, na cerimônia de lançamento do programa, em agosto. O novo PAC reservou R$ 185,8 bilhões para a melhoria e a expansão das rodovias, dos quais R$ 108,4 bilhões devem ser investidos até o fim do governo Lula. Já os projetos ferroviários estão orçados em R$ 94,2 bilhões, dos quais R$ 55,1 bilhões programados para liberação dentro do atual mandato governamental.

Uma pesquisa com operadores logísticos em 2022, coordenada pela FDC, mostra que há muito mesmo o que avançar na matriz de transportes brasileira. O modal com pior avaliação foi o ferroviário, considerado ruim ou péssimo por 60% dos entrevistados e razoável pelos 40% restantes. O rodoviário foi considerado bom por 10,5% dos operadores, mas péssimo por 15,8% e ruim por 36,8%. O setor aéreo se saiu melhor, conceituado como bom por 41,1% e razoável por 53%. A infraestrutura portuária foi a única a receber a nota mais alta (6,7% de muito bom), mas o número de respondentes que a avaliou como péssima (20%) foi três vezes maior, pondo em destaque as grandes diferenças de gestão entre os terminais.

Entre as obras rodoviárias previstas estão desde duplicações de vários trechos da BR-101, que corta o país do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, até o túnel entre Santos e Guarujá, em São Paulo, e uma ponte sobre o rio Xingu, no Pará. A maioria dos projetos será viabilizada com a participação privada, o que já vem ocorrendo. No fim de agosto, o primeiro leilão do novo PAC concedeu à iniciativa privada sete estradas paranaenses, garantindo investimentos de R$ 13,1 bilhões. Outros dois leilões, nessa mesma modelagem de juntar várias rodovias num só pacote, estão programados para acontecer neste ano: um segundo lote no Paraná, no fim de setembro, e a licitação da BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG), marcada para 24 de novembro.

Na lista de projetos ferroviários estão a implantação de um trem de passageiros entre São Paulo e Campinas (SP) e a conclusão de trechos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) entre Caetité e Barreiras, na Bahia; da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mara Rosa (GO), no entroncamento com a Norte-Sul, até Água Boa (MT); e da Transnordestina entre Salgueiro (PE) e o porto de Suape, na região metropolitana do Recife.

Há ainda seis estudos de novas concessões de ferrovias, o principal deles referente à Ferrogrão (EF-170), ligando Sinop (MT), na região que concentra os maiores produtores de grãos do país, ao porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós, de onde as remessas de soja e milho – que hoje chegam pela BR-163, recém-privatizada – seguem um roteiro mais curto até os importadores da Europa e da Ásia (via Canal do Panamá).

Apesar das evidentes vantagens econômicas da Ferrogrão, como a promessa de reduzir entre 30% e 40% o custo do frete, trata-se de um projeto polêmico, por cruzar áreas indígenas e de proteção ambiental, além de um trecho que costuma ficar inundado em parte do ano. “Do jeito que está o projeto não para em pé”, adverte o consultor Claudio Frischtak, da Inter.B. Embargado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, o projeto acaba de ganhar novo fôlego com um relatório do tribunal que propõe a realização de compensações ambientais e de oitiva de indígenas para a solução do impasse.

Frischtak, da Inter.B: projeto da Ferrogrão do jeito que está não para em pé — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Frischtak, da Inter.B: projeto da Ferrogrão do jeito que está não para em pé — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Articulada desde o governo Michel Temer, a Ferrogrão cortaria a Floresta Amazônica num traçado de 933 km paralelo ao da BR-163. Seu orçamento inicial, de R$ 8,4 bilhões, é um valor muito subestimado, na opinião de Frischtak, diante das correções necessárias para a sua viabilização e dos gastos com as compensações ambientais. Para dar passagem à ferrovia, o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, perderia algumas centenas de hectares de área protegida.

No âmbito do Ministério de Portos e Aeroportos, estão previstas 137 obras portuárias, estimadas em R$ 54,8 bilhões, que incluiriam acessos terrestres aos portos, construção de cais e molhes (paredes de contenção no mar), dragagens, sistemas tecnológicos de gestão e novos arrendamentos de terminais de uso privado (TUPs). No setor aéreo foram anunciadas 95 ações num total de R$ 10,2 bilhões, dos quais R$ 9,2 bilhões de investimentos privados nos 49 aeroportos já concedidos.

As 131 obras programadas em hidrovias, orçadas em R$ 4,1 bilhões, vão amenizar o atraso histórico no aproveitamento desse modal, apesar das vantagens de ser pouco poluente e consumir menos combustível do que rodovias e ferrovias. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquáticos (Antaq), o Brasil utiliza apenas um terço dos 60 mil km de rios potencialmente navegáveis – muito por causa da falta de eclusas nos projetos de usinas hidrelétricas.

Apesar de todas as potencialidades brasileiras e da ambição do programa econômico do atual governo, o último retrato do nível de competitividade mundial não traz boas notícias para o país. Segundo levantamento do International Institute for Management Development (IMD) com 6,4 mil executivos, dos quais cem brasileiros ouvidos pela FDC, o Brasil ocupa a pouca honrosa 60ª posição, à frente apenas da África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela.

O estudo, divulgado anualmente (está na 35ª edição), considera quatro grandes pilares para a elaboração do índice de competitividade: desempenho da economia, eficiência do governo, eficiência dos negócios e infraestrutura. Cada um desses pilares agrega cinco subfatores, que no total reúnem 335 critérios de dados estatísticos e pesquisas de opinião executiva.

Recuperação de trechos da BR-101 será feita com participação privada — Foto: Fabiano Rocha/O Globo/Agência O Globo
Recuperação de trechos da BR-101 será feita com participação privada — Foto: Fabiano Rocha/O Globo/Agência O Globo

O principal fator de atratividade da economia brasileira é o dinamismo econômico, segundo os executivos ouvidos, que reconhecem como positivas a taxa de crescimento a longo prazo da empregabilidade (de -3,94% para 0,63%) e a estabilidade da taxa de câmbio. Já o crescimento real de investimentos (de 17,20% para apenas 3,59%) pesou bastante na composição da nota baixa do país, ao registrar o maior declínio entre todos os 335 indicadores.

O pilar em que o Brasil teve o melhor resultado (41º lugar) foi o de desempenho da economia, crescendo nos itens investimento estrangeiro, emprego e preços, mas perdendo pontos em comércio internacional e economia doméstica. No quesito eficiência do governo, o relatório atribui a pior nota para o país, colocando-o na 62ª posição, com destaque negativo para as finanças públicas. Em eficiência nos negócios, outro péssimo resultado: 61ª posição, caindo nove degraus em relação a 2022.

Na análise de infraestrutura, o Brasil ficou em 55º lugar, caindo duas posições em relação a 2022 – melhorou ligeiramente na estrutura básica e na científica, mas perdeu pontos em estrutura tecnológica, educação e saúde e meio ambiente.

A estrutura básica, que envolve os modais de transporte e o conjunto de instalações e serviços que sustentam as atividades econômicas, é reprovada pelos executivos por seu desequilíbrio em favor das rodovias, incompreensível em um país de dimensões continentais, e pela falta de acesso a água tratada para 35 milhões de pessoas. O ponto fora da curva – por ser positivo num documento eivado de críticas – foi a avaliação da infraestrutura elétrica, reconhecida como de matriz sustentável e a terceira melhor dos países analisados.

Em infraestrutura tecnológica, o Brasil está na média dos países pela extensão da sua rede móvel e avanços em 5G, mas perde pontos com a falta de mão de obra especializada em meios digitais. Em infraestrutura científica, o relatório avaliou como positiva a quantidade de pesquisadores no país, mas lamenta a baixa interação entre universidades e empresas.

O documento, por fim, alerta os últimos colocados no ranking sobre as instabilidades financeiras e geopolíticas que põem em risco os negócios, citando o conflito entre Rússia e Ucrânia e desafios sanitários como a pandemia de covid-19. Na versão brasileira, a FDC lembra que em 1980 a produção industrial do país era maior do que as da Coreia do Sul, da Índia e da China – e hoje está bem abaixo do desempenho dessas nações.

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