A autoprodução de força, cenário em que o consumidor opta por gerar a própria energia, tem encontrado um caminho de ascensão entre grandes empresas. Especialistas do setor apontam que o incremento de projetos é explicado por fatores como a chegada de novas tecnologias de produção e a necessidade de buscar soluções mais eficientes e sustentáveis, alinhadas com a agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) e com metas corporativas de descarbonização.
O perfil das companhias que aderem à autoprodução também mudou nos últimos anos. Antes acolhida apenas por setores de consumo intensivo de energia, como o siderúrgico, a prática se espalha entre varejistas, operadoras de telecomunicação, fabricantes de bens de consumo e a indústria financeira.
De acordo com Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), criada em 2004, os 21 associados da entidade representavam uma capacidade instalada de 8,9 gigawatts (GW) somente de fontes renováveis, de um total de 21 GW de capacidade total.
“Em 2023, foi registrado um aumento de 8%, com a elevação da capacidade para mais de 10 GW de energia renovável, destinados ao consumo das indústrias”, diz Menel. “A expansão reflete o compromisso crescente das empresas em adotar fontes limpas de energia para as operações.”
Nos últimos três anos, os associados da Abiape investiram em usinas de energia solar, eólica e de biomassa, além da aquisição de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e usinas hidrelétricas (UHEs), relata o presidente. Dos 21 GW de capacidade instalada para autoprodução entre os integrantes da Abiape, 42% estão em hidrelétricas, antes de solar (28%), eólica (15%) e nas termelétricas (15%).
Em 2024, a previsão é que entrem em operação mais 2,5 GW de potência instalada de energia renovável para o atendimento da carga industrial dos associados, por meio da autoprodução. “O número de empresas investidoras no setor deve crescer 13% neste ano”, afirma. “O aumento se deve à maturidade dos arranjos de autoprodução e à demanda por soluções de baixo carbono.”
Menel explica que, até 2018, os setores de consumo intensivo de energia representavam mais de 96% do total das corporações que recorriam à autoprodução. “Esse percentual vem mudando nos últimos anos, com indústrias de diversos segmentos buscando alternativas.”
É o caso do Banco do Brasil (BB), que tem 16 usinas para captação de energia solar em 13 Estados, que atendem mais de mil agências do banco – de um total de mais de cinco mil pontos. “Em 2023, a economia de energia foi de R$ 5 milhões”, diz José Ricardo Sasseron, vice-presidente de negócios de governo e sustentabilidade empresarial do BB.
O executivo afirma que a geração atual alcança 35 gigawatts/hora (GW/h), o que permitiu ao banco diminuir a emissão de 13,3 mil toneladas de carbono ou o equivalente ao plantio de 53 mil árvores. “Atualmente, temos 36% da energia vinda de fontes renováveis, sendo 14% de usinas fotovoltaicas e 22% do mercado livre de energia”, relata.
Sasseron acrescenta que o banco também incentiva os clientes com novas linhas de financiamento para projetos solares, eólicos, de biomassa e de biogás. “Queremos alcançar uma carteira de R$ 30 bilhões até 2030, ante os R$ 14,6 bilhões atingidos até dezembro de 2023.”
Na varejista Magazine Luiza, com 1.286 lojas, 100% das unidades, inclusive centros de distribuição e escritórios, são abastecidas com energia proveniente de fontes renováveis, sendo 30% do total com energia solar, detalha Ana Luiza Herzog, gerente de reputação e sustentabilidade do Magalu.
A empresa conta com o fornecimento de 16 usinas de energia solar, por meio de quatro parceiros de produção, como a E1 Energy, de locação de usinas. “Em média, economizamos 20% nos custos com energia elétrica”, diz Herzog.
No ano passado, a operadora Vivo também firmou um acordo com a Elera, empresa do grupo canadense Brookfield, para a produção de 58 megawatts/mês (MW/m), na modalidade de autoprodução via arrendamento remoto, de origem fotovoltaica.
O complexo solar destinado à Vivo fica em Janaúba (MG), a 555 km de Belo Horizonte, e deve abastecer mais de 200 unidades consumidoras do grupo. “A parceria está vinculada a um contrato de longo prazo, para os próximos 15 anos”, adianta Caio Guimarães, diretor de patrimônio, compras e logística da Vivo. “A previsão é que 76% do consumo da empresa que chega do mercado livre de energia migre para a autoprodução.”
Em 2023, o consumo total de energia da marca de telecomunicações alcançou 1.730 MW/h. Desde novembro de 2018, toda a energia usada pela companhia vem de fontes 100% renováveis. No fim do ano passado, tinha contratos com 67 usinas de geração distribuída de fontes solar, hídrica e de biogás no Brasil – que, juntas, produzem 600 MW/h, volume suficiente para abastecer 288 mil residências, o que responde por 35% do consumo total da Vivo.
Na opinião de Alexandre Camiloti, líder de supply chain da divisão de cuidados com a casa para as Américas da Unilever, as iniciativas de autoprodução fazem parte da “luta” para frear as mudanças climáticas. “Reduzir a emissão de carbono na maior fábrica de sabão em pó do mundo requer expertise e forte engajamento no desenvolvimento sustentável”, diz o executivo, referindo-se à fábrica que a empresa mantém em Indaiatuba (SP).
No ano passado, a Unilever anunciou o início da geração de energia renovável com biomassa de eucalipto para a linha de produção da unidade. Com um investimento de R$ 48 milhões, a planta de biomassa tem capacidade para produzir 30 gigacalorias/hora de energia. A intenção é reduzir a emissão de 37 mil toneladas de CO2 (gás carbônico) por ano, o que equivale a aproximadamente 14 km quadrados de floresta, segundo informações da empresa.
Para a autoprodução, a Unilever costurou uma parceria com a ComBio, fornecedora da madeira de eucalipto certificada que será entregue à fábrica em forma de cavaco (madeira picada). O projeto incluiu ainda a construção de um sistema de transporte do material, estação de tratamento de água, fornalha e filtros industriais.