Berço do marco regulatório mais rigoroso e amplo sobre economia circular, a Europa vem liderando a transformação do panorama global de negócios sustentáveis. Desde a aprovação do European Green Deal (em português, Pacto Ecológico Europeu), em 2020, o ecossistema empresarial dos países-membros da União Europeia vem ganhando novos contornos, apoiado por um avançado arcabouço jurídico e pelo apetite por investimentos de impacto.
Essa mudança de cultura de negócios é impulsionada também pela pressão social e por uma avaliação de riscos pragmática, que vê a economia circular como uma oportunidade para reimaginar o modelo tradicional, dependente de fontes fósseis. “Em um contexto de riscos, faz sentido para o negócio optar por um modelo circular, que não fique refém da disponibilidade de matéria-prima virgem”, explica Jocelyn Blériot, líder executivo de política e instituições da Ellen MacArthur Foundation. Desde 2012, a fundação publica relatórios que comprovam que esse modelo promove a redução de custos materiais, e o defendem para o futuro de setores como plástico e têxtil.
A transformação não vem ocorrendo apenas em empresas que nascem sustentáveis, mas também em gigantes de setores como o energético e o automobilístico. “Muitas empresas maduras estão investindo em projetos circulares que são lucrativos, apesar de ainda não representarem uma grande fatia da operação”, diz Blériot.
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Na fronteira da inovação estão as iniciativas de regeneração, que se dedicam a não somente reduzir o impacto negativo do negócio, mas a gerar um efeito positivo. Desirée Knoppen, head do Hub de sustentabilidade da EADA Business School, cita como exemplos empresas que capturam gases de efeito estufa e os convertem em polímeros que substituem o plástico, marcas de moda baseadas no pós-consumo e projetos de mineração urbana, que recuperam metais como o lítio de celulares usados para retorná-los à cadeia de produção de eletrônicos.
“Na economia circular, há dois tipos de desafio: os relacionados com a mudança de mentalidade e inovação em modelo de negócio, que afetam menos as empresas jovens, e os desafios de logística reversa, que são transversais e mais ligados às cadeias de reciclagem, redistribuição e remanufatura”, diz Knoppen.
Ainda que a UE seja referência global em cadeias de reciclagem, implementar a circularidade a nível europeu é um desafio, pois ainda há muita desigualdade entre os países-membros. Em alguns casos, a iniciativa privada atua para cobrir deficiências do setor público, como foi o caso da Espanha, onde um consórcio de empresas do setor privado fundou, em 1997, a Ecoembes, especializada em coleta seletiva e reciclagem.
Begoña de Benito, diretora de relações externas da organização, explica que, na época, não existia consciência ambiental nem a infraestrutura necessária para reciclagem, e que tudo começou do zero. A empresa buscou financiamento, fechou acordos com órgãos públicos e investiu em projetos de conscientização para viabilizar o negócio, conseguindo posicionar a Espanha como um dos dez países que mais reciclam em toda a UE. Além da reciclagem, a Ecoembes criou o primeiro centro de inovação em economia circular do continente e quer oferecer soluções alinhadas com as novas responsabilidades do marco europeu. “Acabamos de iniciar uma nova etapa para oferecer uma solução integral de reciclagem não somente doméstica, mas também comercial e industrial”, diz.
Iniciativas como a Ecoembes são impulsionadas por empresas que buscam atender aos requisitos legais, mas que encontram gargalos estruturais que dificultam o cumprimento de suas metas socioambientais. Esse é um dos grandes fatores que levam à criação das novas empresas circulares, segundo Ana Delgado e Marina Raposo, líderes do Impact Hub, rede de impacto e inovação presente em mais de 60 países e que oferece programas de incubação e aceleração para empresas comprometidas com a sustentabilidade. “As empresas de impacto nascem para enfrentar desafios sociais e ambientais que não se resolvem sozinhos, ou que não foram solucionados por outros agentes, mas que frequentemente são rentáveis”, afirma Ana.
A viabilidade econômica se justifica também com a crescente disponibilidade de fundos públicos europeus para projetos circulares, assim como o interesse dos investidores privados. Apenas na Espanha, o investimento de impacto cresceu 58% em 2022, capitaneado pelos fundos de capital privado, movimentando mais de 1,7 bilhão em ativos, segundo estudo realizado pela escola de negócios ESADE.
O cenário é animador, mas ainda há muito a ser feito nos Estados-membros, segundo Blériot, especialmente em relação a incentivos fiscais. “Atualmente, a estrutura de custos ainda favorece o modelo linear vigente, com isenções para a cadeia do petróleo, por exemplo. É por isso que defendemos mudanças na legislação, com condições fiscais que favoreçam a circularidade”, diz. Ele cita projetos pontuais, como o da Suécia, que reduziu os impostos para serviços de reparo, com o objetivo de desencorajar o consumo excessivo, e o da França, que criou um fundo público para apoiar consumidores que queiram reparar produtos usados.
Além dos países do bloco, a UE também tem feito um esforço para engajar outros mercados e alinhar práticas sustentáveis globalmente. O objetivo é não somente garantir que a Europa seja uma região com zero emissões líquidas até 2050, mas que os produtos importados de outros países também tenham baixa intensidade em carbono, conforme prevê o Mecanismo de Ajuste em Fronteira por Carbono, em vigor a partir de 2026. Um dos atores-chave é o Banco Europeu de Investimento, que nos últimos cinco anos, distribuiu € 3,8 bilhões para 132 projetos alinhados com a economia circular - a meta é investir € 1 trilhão até 2030.