A ocorrência de eventos extremos tem levado empresas a buscar soluções para reduzir o impacto das mudanças climáticas em suas operações. Parte da demanda é atendida pelas climatechs, startups que usam tecnologia, como a inteligência artificial (IA), para prever enchentes, deslizamentos e incêndios com rapidez e precisão, diminuindo os prejuízos socioambientais e econômicos às companhias.
Com o Pantera, software que permite a gestão integrada de incêndios, a BP Bunge reduziu em 90% sua área queimada. Já a Suzano pôde diminuir em 80% o tempo de acionamento de brigadas, enquanto a Ester Agroindustrial viu cair em 100% as multas ambientais. Desenvolvido pela climatech umgrauemeio, o programa utiliza visualização computacional para detectar focos de incêndio em até três minutos. A startup monitora 17,5 milhões de hectares no Brasil, incluindo 7,5 milhões na agricultura e 7,8 milhões em reservas naturais. Câmeras em 137 torres de comunicação captam imagens de alta resolução em um raio de 20 km. Quando a fumaça é detectada, são emitidos alertas e disponibilizados modelos preditivos, além de caminhos para combater o fogo.
O módulo de prevenção inclui mapas de risco, com alertas de risco de incêndios para os próximos dias. "No futuro, nosso sistema será capaz de disparar avisos diretamente a brigadas ou equipamentos autônomos, como drones, para o combate ao fogo", diz o CEO e fundador Rogerio Cavalcante.
A Fractal Engenharia e Sistemas usa IA para prever a vazão da chuva, gerando dados precisos com até cinco dias de antecedência. O objetivo é prevenir os estragos de eventos como enchentes na operação de hidrelétricas, mineradoras e governos. "Conseguimos demonstrar a diferença do impacto de uma chuva de 150 mm em certa área em relação a uma de 300 mm analisando condição do solo, descrição da topografia, tipo de uso e ocupação e tamanho da bacia hidrográfica", explica o CEO Henrique Lucini Rocha.
Um estudo realizado pela startup para o governo de Santa Catarina resultou em ações preventivas de 2018 a 2022 no Vale do Itajaí. "O resultado foi uma economia de dezenas de milhões de reais e a evacuação de centenas de famílias das áreas de risco de forma antecipada", afirma Rocha.
A iniciativa, que surgiu em 2010, recebe investimentos da KPTL e EDP Ventures há cinco anos. As companhias do setor energético Norte Energia, CPFL e Cemig e a mineradora Vale estão entre os clientes da startup, que planeja ampliar a solução para setores do agronegócio, seguro, saneamento e indústrias, prevendo internacionalizar a operação em cinco anos.
Criada dentro da Defesa Civil do Estado de São Paulo em 2019, a Sipremo usa IA para prever, em tempo real, local e data em que eventos climáticos extremos têm maior probabilidade de acontecer e seu possível impacto para cada cliente. O objetivo é que as empresas possam se antecipar, conduzindo ações mais assertivas para reduzir os riscos.
A solução é aplicada em diversos setores, incluindo financeiro, logístico, florestal, minerador e de seguros, com mais de 80% de acurácia. “Na ArcelorMittal, nossa tecnologia é utilizada para prever infestações de pragas em áreas específicas da operação florestal da empresa”, cita Gabriel Savio, CEO da climatech. "Podemos antever o nível de intensidade da infestação com semanas de antecedência. Tudo isso na perspectiva do clima".
Além de cobertura em todo o Brasil, a iniciativa também atua na Flórida (EUA). Com faturamento na faixa dos sete dígitos, após quadruplicar os ganhos de 2022 para 2023, a startup se prepara para a primeira captação de investimento. A projeção para este ano é multiplicar por seis o faturamento passado. "Vemos um cenário bastante promissor do ponto de vista de negócio porque os eventos climáticos vão ficar cada vez mais frequentes e intensos, como vemos agora no Rio Grande do Sul", diz Savio.
Pela relevância global de seus biomas e extensão agrícola, o Brasil tem uma posição estratégica para as climatechs, aponta Dario Oliveira, professor da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp). O especialista indica a recente disponibilização pública de modelos de base por big techs, com o processamento de bancos de dados enormes, como uma oportunidade para startups. "Vamos ver uma proliferação imensa de soluções", diz. "É uma revolução que está para acontecer."